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Estado de Minas EDUCAÇÃO

Crise no transporte escolar: sindicato estima redução da frota em 40%

Após um ano sem aulas, transportadores reclamam de abandono, migram para outras ocupações e advertem: serviço pode não ter condições de se restabelecer


10/05/2021 04:00 - atualizado 10/05/2021 11:05

Antônio Roberto Brandão com a mulher: sem esperança de retomada das aulas integrais, o jeito foi partir para produzir linguiça artesanal e fazer viagens para aplicativos(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Antônio Roberto Brandão com a mulher: sem esperança de retomada das aulas integrais, o jeito foi partir para produzir linguiça artesanal e fazer viagens para aplicativos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

A expectativa sobre a possibilidade de retorno das aulas presenciais já não é mais a maior preocupação dos operadores do serviço de transporte de estudantes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Protocolos de segurança sanitária que limitam o número de passageiros à metade e os sucessivos aumentos dos combustíveis ameaçam colocar uma pá de cal na esperança de retomada do trabalho. Representantes dos transportadores estimam que, se as aulas presenciais fossem reiniciadas de imediato, em um cenário positivo, sem sistema híbrido ou escalonado, apenas 60% da frota de escolares teria condição de voltar às ruas.

O panorama, classificado como “devastador”, é apontado pelo presidente do Sindicato dos Transportadores de Escolares da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Sintesc), Carlos Eduardo Campos. Ele é taxativo ao afirmar que, se o retorno for escalonado, não haverá transporte escolar. “O cenário é muito grave. Se voltar alternando dias da semana e com número reduzido de alunos, não vai ter transporte escolar nenhum. Não tem como funcionar desse jeito. Na matriz do transporte, 50% é custo de operação. Em uma van em que cabem 15 alunos, (os valores pagos por) sete são para cobrir gastos com gasolina, não cobre o custo total do carro. Ou a prefeitura subsidia o transporte escolar ou os pais terão que pagar o dobro. E nenhuma dessas opções vai acontecer”, afirma.

A suspensão das aulas em 18 de março de 2020 e o prolongamento da crise sanitária acabou levando motoristas a tentar outros meios de sustentação. Estima-se que, na Grande BH, 40% dos filiados já renunciaram às autorizações para rodar como escolares. A migração para serviços de entregas, de e-commerce e aplicativos, fretamentos e convênios para transporte de funcionários de empresas públicas e privadas foi uma forma de tentar sobreviver. Mas eles reclamam de baixa remuneração e demora nos pagamentos, em um mercado com grande oferta de mão de obra.

De entrega de marmitex a produção de linguiça

Depois de 10 anos dirigindo vans escolares, Eduardo Pereira de Paula se diz abandonado pelo poder público e pensa em voltar a trabalhar como motorista da caminhão(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Depois de 10 anos dirigindo vans escolares, Eduardo Pereira de Paula se diz abandonado pelo poder público e pensa em voltar a trabalhar como motorista da caminhão (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Eduardo Pereira de Paula, de 50 anos, atua no sistema de transporte escolar há 10 anos. Ele diz que se considera esquecido pelo Estado. Sem renda garantida desde 18 de março de 2020, ele conta que até junho conseguiu apoio de pais que mantiveram o pagamento das mensalidades. “Mas a situação apertou para todos e ele suspenderam as mensalidades”, acrescenta. A van foi para a garagem e o condutor vem tentando se manter com entregas em seu carro particular, via aplicativos. Tentou também serviços dos Correios, mas os fretes, conta, além de muito baixos, demoram 60 dias para ser pagos.

Eduardo diz não ver saída a não ser procurar outro meio de renda. “Falaram que as aulas voltariam em março, mas nada foi decidido. Com o agravante de que só poderemos levar a metade da lotação. Com os combustíveis aumentando em disparada e a mesma mensalidade que os pais pagavam em 2019, estamos sem ter para onde correr. Vou tentar voltar a trabalhar como motorista de caminhão”, lamenta.

Amauri dos Santos, de 50 anos, estava no ramo há 12, com um micro-ônibus. Apesar de morar em Santa Luzia, na Grande BH, sua rota com os estudantes era no entorno do Bairro Planalto, na Região da Pampulha, em BH. Ele e a mulher tinham esperança de que a pandemia acabasse logo, mas o tempo foi passando, as dívidas se acumulando e eles tiveram que vender o carro de passeio para conseguir manter as contas em dia. Agora, fazem marmitas e entregam em Santa Luzia. 

“Este micro-ônibus, parado, me dá uma despesa anual de R$ 3 mil reais com documentação. Vendi um carro e fui mantendo as despesas da casa, mas o dinheiro acabou e tem quatro meses que começamos a fazer marmitex. Fome a gente não passa, mas tem dado para pagar só as despesas da casa. Não sobra para mais nada. Estou sobrevivendo”, define Amauri.

Dos 56 anos de Antônio Roberto Brandão, 26 foram dedicados ao transporte escolar.
Morador de Contagem, ele fazia o transporte de alunos em seu ônibus que comporta 40 estudantes. A falta de esperança na retomada integral das aulas o obrigou a começar, com a esposa, a produzir linguiça artesanal para vender. A ajuda dos amigos foi essencial. “Os pais de alunos nos ajudaram no início da pandemia e mantiveram metade das mensalidades por um tempo. Eu peguei o maquinário de fazer linguiça emprestado com amigos, porque não tinha dinheiro para investir”, relata ele. Para ajudar a fechar as contas no fim do mês, o motorista conta que ainda roda para aplicativos de transporte de passageiros por cerca de 13 horas diárias.

Protesto dos transportadores em BH: mercado não vê perspectivas(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press- 27/4/20)
Protesto dos transportadores em BH: mercado não vê perspectivas (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press- 27/4/20)


O drama da perda de veículos financiados


Entre os problemas mais relatados pelo presidente do Sindicato dos Transportadores de Escolares está a perda do veículo por falta de pagamento das prestações ou necessidade de vender o carro. “Já são 12 meses parados. Muitos perderam os carros por não conseguirem arcar com prestações. A grande maioria não tem condições emocionais de se restabelecer. É uma classe que está desamparada. São pessoas mais velhas que o mercado de trabalho já não absorve com tanta facilidade. Muitos motoristas estão com depressão”, afirma Carlos Eduardo.  

Para muitos, a solução foi entrar na Justiça com pedido de suspensão temporária das prestações. Segundo o sindicalista, em 70% dos casos a suspensão foi concedida por liminar. Mas então surgiu novo problema. Enquanto os motoristas, sem fonte de recurso, entravam no juizado de pequenas causas, as instituições financiadoras usavam a Justiça comum para retomar os veículos. “Vem ocorrendo um conflito de decisões. Muitos, com liminar em mãos garantindo a posse, foram surpreendidos com um oficial de Justiça na porta de casa, com ordem judicial de levar o veículo de volta ao financiador. Isso é causa de grande apreensão na categoria e provoca uma enorme insegurança jurídica”, reclama.

Ele conta que, depois que o sistema de transporte escolar parou, na busca por outros meios de sobrevivência muitos motoristas se sujeitaram a ganhos incompatíveis com a renda anterior. Boa parte desistiu e partiu para garantir apenas a subsistência da família. “Temos casos de filiados que passaram a trabalhar como garçons, pedreiros, faxineiros, motorista de aplicativo”, relata.

Mercado se aproveita o excesso de oferta

Para quem resolveu tentar permanecer atrás do volante, a situação financeira não ficou melhor. “O mercado se aproveita da situação e paga um valor muito baixo, em torno de R$ 150 por dia ou R$ 4 por entrega. Desse valor temos que tirar o combustível e a manutenção do veículo. Sobra apenas para as despesas pessoais. Para quem ainda tem prestação a pagar, fica impossível se manter”, argumenta o presidente do sindicato.
A entidade, que reúne 3 mil filiados, diz que em Belo Horizonte foram concedidas cestas básicas pela prefeitura, mas que o auxílio não contemplou quem tinha empresa registrada (CNPJ) ou era microempreendedor individual (MEI).

EXIGÊNCIAS SUSPENSAS A Prefeitura de Belo Horizonte informou em nota que, com objetivo de atenuar as dificuldades enfrentadas pelos transportadores escolares, medidas foram discutidas com representantes das categorias em vários encontros ao longo de 2020. Além da distribuição de cestas básicas, o Registro de Condutor e a Autorização de Tráfego estão suspensos por tempo indeterminado, e houve prorrogação da vida útil dos veículos por até 24 meses, segundo a administração municipal.

No período de suspensão das aulas presenciais, os donos de veículos do transporte escolar foram dispensados de apresentar à BHTrans os laudos de inspeção veicular e da exigência do curso de operadores do serviço, acrescentou a prefeitura. Ainda segundo o município, o transportador poderá substituir o veículo atual por outro de ano fabricação inferior, respeitando-se apenas o limite de vida útil previsto para o setor.


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