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Estado de Minas 'CARRETO DO BEM'

Proibição de carroças com tração animal em BH já é lei

A substituição deve ser gradativa e carroceiros terão 10 anos para adaptação. Entidades defensoras dos animais e de carroceiros divergem sobre nova legislação


28/01/2021 15:30 - atualizado 28/01/2021 16:14

Carroceiros cobram mais atenção do poder público
Carroceiros cobram mais atenção do poder público (foto: Kaipora/Divulgação)
Em vigor desde que foi publicada no Diário Oficial do Município (DOM), do sábado (23), a Lei 11.285 determina a substituição gradativa, em 10 anos, dos veículos com tração animal em Belo Horizonte. A troca das carroças puxadas por equinos por transporte motorizado ganhou o apelido de "Carreto do Bem". Ao sancionar a lei, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) vetou um artigo (3º) e dois parágrafos do artigo 4º, por considerá-los inconstitucionais.
 
Mas as dicussões estão longe de ter fim. Entidades protetoras de animais alegam maus-tratos e escravização no trabalho de carga. Já representantes dos carroceiros dizem se tratar de casos isolados e que o trabalho com carroças é uma tradição cultural e familiar, que passa por gerações.

Em defesa de seu modo de vida, os carroceiros lançaram uma carta, assinada por 22 entidades, onde explicam sua posição. Segundo a Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos de Belo Horizonte e Região Metropolitana, a proibição das carroças afetaria a vida de cerca de 10 mil famílias de BH e entorno. O documento reafirma que os trabalhadores com carroças se reconhecem como Comunidade Tradicional e requerem a proteção da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
 
A associação diz que os maus-tratos, alegados pelos defensores dos animais, não é uma prática no modo de vida dos carroceiros. “Os cavalos não são objetos, mas sim companheiros de trabalho dos carroceiros, têm nome, história, e fazem parte da família e da comunidade carroceira. A tentativa de trocar cavalos por motos demonstra o desconhecimento da relação que existe entre carroceiros e seus companheiros animais”, escrevem.
 
Segundo a associação, os carroceiros participam, desde 2017, de discussões com a Prefeitura de Belo Horizonte para regulamentar o trabalho e os critérios de cuidado com os cavalos. Além da associação, a carta é assinada por 22 entidades, como grupos de pesquisa acadêmica, de agroecologia e movimentos populares. 
 
Em artigo publicado na revista kaiporabiocultural.com, Emannel Duarte Almada,  biólogo e ecólogo do Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Ibirité, fala da urgência "que se escancare a luta de classes e a dimensão racial que sustenta a guerra contra os carroceiros". 

Segundo ele, "é preciso ter claro que os carroceiros e carroceiras de BH não são coniventes com os casos de maus tratos e que estas situações são a exceção e não a regra entre essa comunidade. Aliás, os carroceiros e carroceiras tem demandado há muito tempo ações efetivas da prefeitura para coibir os casos de maus tratos, bem como a retomada do cadastramento. A ausência de um levantamento oficial do número de carroceiros e cavalos, bem como das condições de vida de ambos, tornam o argumento de combate aos maus tratos, no mínimo, leviano".
 
O biológo, que presta assessoria ao movimento dos carroceiros, relembra que o assunto ganhou discussão pública nos anos 1990, quando foram criadas as Unidades Receptadoras de Volumes (URVs), pela Prefeitura de Belo Horizonte, onde teriam destinação entulhos e objetos de pequeno volume, antes depositados em lotes vagos, córregos e áreas públicas .

Aliadas a ela, os carroceiros, presentes do dia a dia da cidade, mas quase invisíveis em políticas públicas, foram cadastrados, os animais passaram a receber atendimento veterinário via parceria com a UFMG, eram vacinados periodicamente e recebiam carrapaticida. As carroças eram registradas, emplacadas e o condutor recebida um documento para transitar nas vias públicas.

"Porém, tudo foi desmantelado, não há mais cochos com água nessas unidades, criou-se um contexto de discurso público como se não houvesse espaço para regularização."
 
A categoria tem demandado ações efetivas da prefeitura para coibir casos de maus tratos, e a retomada do cadastramento. "A ausência de um levantamento oficial do número de carroceiros e cavalos, bem como das condições de vida de ambos, tornam o argumento de combate aos maus tratos, no mínimo, leviano", reclama o biólogo.
 
Almada destaca a relação dos animais e seus donos que compreendem os cavalos como companheiros de trabalho. Grande parte do dia do trabalho de um carroceiro  é dedicada a cuidados com alimentação, saúde, consistindo em cortar e picar capim, trocar ferraduras, dar banho e escovar.

"Dias atrás, em meio a tensão da espera em frente a Câmara Municipal, um carroceiro me contava como sua égua ficava feliz ao fim de tarde, quando era levada para passear e brincar em uma área de pasto próximo a sua casa. A comunicação entre carroceiros e seus companheiros equinos é composta de um complexo conjunto de sons, cheiros e gestos, plenos de afetos e memória."
 

Defensores de animais querem extinção do serviço  

 
Coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais MMDA, defende a extinção do serviço por tração animal, e atribui a nova lei a "ampliação da consciência de parte expressiva da população quanto ao respeito aos animais não humanos, principalmente considerando a inadequação de carroças em uma capital morreada, congestionada e sem espaço adequado para soltura de cavalos."
 
O movimento compara a situação em 14 capitais brasileiras que "já superaram este desafio, em Belo Horizonte já são 20 anos de construção desse processo de transição para libertar os cavalos das carroças, e estimular alternativas de trabalho e renda aos ex-carroceiros. Esta demanda requer política pública consistente, para cumprir o objetivo proposto, em favor dos cavalos, dos ex-carroceiros e do meio ambiente, garantindo a continuidade da coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos."
 
Contrapondo alguns argumentos dos grupos de defesa dos animais, Emmanuel Almada, recorre à formação discriminatória e de exclusão dos espaços urbanos. "O modo de vida carroceiro de fato é uma “contaminação” na paisagem urbana, cujo destino inexorável seria se modernizar. Sob a ideologia do progresso, não há espaço para práticas “arcaicas”, “atrasadas”, “da roça”.

Todavia, nas casas, quintais e espaços de vida dos carroceiros, há sempre uma multidão de espécies animais e vegetais. Porcos, cavalos, mulas, burros, cabras, galinhas, preás, vacas, inúmeras espécies de capim, plantas medicinais e humanos formam comunidades multiespecíficas nas periferias do reino do concreto", concluindo que o "apagamento da diversidade biocultural, contudo, é parte do projeto de desenvolvimento da modernidade."
 
Como sustentação em seu argumento, Emmanuel recorre  ao discuso atribuído aos defensores dos animais "sempre é acompanhado de propostas para inseri-los no mercado de trabalho ou dar a eles a possibilidade de um trabalho mais digno. A servidão moderna, não a busca por liberdade, é o horizonte desse projeto modernizador."
 
"Há ainda um elemento importante e relativamente sutil nessa empreitada bélica. Os carroceiros e carroceiras, a despeito da ausência do Estado e de todos os ataques sofridos, gozam de certa liberdade", como  não ter patrão, ter o controle do seu tempo e ritmo de trabalho, e não s submetem à lógica e regras de mercado, "pouco comum aos trabalhadores urbanos."

Por outro lado o MMDA argumenta  que “os custos são elevadíssimos para manter um animal desse, de grande porte, em condições de bem-estar, totalmente incompatível com a condição social dos cidadãos que colocam esses animais nessas condições deploráveis, situação que se repete em toda Belo Horizonte".
 

PBH criará gurpo de trabalho


Em nota encaminhada pela assessoria de comunicação, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que criará um grupo de trabalho "que envolverá diversas áreas do município, além dos carroceiros e outras instituições públicas, como a Defensoria Pública. O grupo construirá, de forma coletiva, um plano de trabalho de transição, considerando ações de curto, médio e longo prazo, até que os efeitos da lei entrem efetivamente em vigor. 


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