Redescoberta, passo a passo, de um patrimônio espiritual, paisagístico, histórico e ambiental. Esse é o tom da visita para o primeiro grupo de 15 pessoas que, quase seis meses depois do início da pandemia do novo coronavírus, peregrinou, na tarde de ontem, à Serra da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. "É a primeira vez que venho aqui, sempre ouvi falar, realmente é tudo muito bonito", disse o psicólogo Mauro Silva, paraense residente em Brasília (DF), que assistiu à missa das 15h celebrada pelo pró-reitor para animação missionária do Santuário Nossa Senhora da Piedade, padre Antônio Carlos Silva. Mauro foi na companhia do amigo Daniel Marques, funcionário público morador de BH, para a primeira missa no local, com agendamento por telefone e pela internet, Daniel fez o cadastramento na quarta-feira. "Foi tranquilo", afirmou, pouco depois de ter a temperatura aferida na portaria.
Durante a missa, com apenas 15 cadeiras bem distantes uma da outra, o padre pediu que os presentes rezassem pelas famílias, amigos, os enfermos, os que sofrem nos hospitais com a Covid-19. "É um ano de decepções, difícil, mas a reabertura é um sinal de esperança", disse o religioso. Já o reitor do santuário, padre Wagner Calegário de Souza, explicou que foram feitos testes, durante a semana, para acolher os visitantes da melhor forma possível: "As pessoas vieram hoje aqui para ver a beleza e também encontrar um novo horizonte. Em silêncio, contemplar e ter esperança".
Eram 14h quando os visitantes, previamente cadastrados, começaram a passar pelo portão de acesso ao complexo do Santuário da Serra da Piedade, que tem duas basílicas, estando aberta apenas a ermida do século 18 – a menor basílica do mundo –, que guarda a imagem da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, esculpida por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Para ingressar, seguindo as orientações do Ministério da Saúde e das autoridades sanitárias, é necessário o uso de máscara e ter a temperatura aferida logo na portaria – quem estiver com febre (superior a 37,7°C) fica impedido.
DESPEDIDA
Os irmãos Matheus Nascimento, administrador público, e Mariane Fernandes, jornalista, escolheram a reabertura da Serra da Piedade para uma "cerimônia do adeus", levando as cinzas do pai deles, João Paulo Nascimento, falecido em 8 de agosto. "Este lugar é especial para este momento", disse Matheus, ao lado da namorada Renata Rapalo, advogada. Do grupo faziam parte os familiares Aline Nascimento, Rosângela Nascimento e Rosania Fernandes. "Vir aqui é sempre fazer descobertas", afirmou Rosania, mãe de Matheus e Mariane.Para ter acesso ao Santuário Nossa Senhora da Piedade, dedicado à padroeira de Minas e que recebia, antes da pandemia, cerca de 500 mil peregrinos, é preciso se cadastrar com antecedência pelo telefone (031 3319-6111) ou no site www.santuarionspiedade.org.br. Dessa forma, se o nome do visitante não estiver registrado na portaria, será vedada a subida à montanha.
Sem saber da necessidade de marcar a visita, o empresário Delamar Evangelista da Silva, morador do Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha, esteve na portaria e não pôde entrar. "Mas não faltará oportunidade. Vamos passear na região. Afinal, é muito tempo sem sair com a família", disse o empresário, ao lado da mulher Shirlei, dos dois filhos e da cachorrinha de estimação.
PROTOCOLOS
Dentro dos protocolos sanitários, haverá sempre álcool em gel disponível para ser usado antes, durante e após a visita, não recomendada para pessoas do grupo de risco. Conforme normas da Arquidiocese de BH, o visitante precisa acompanhar o guia durante todo o passeio e seguir suas recomendações. Para segurança de todos, no santuário não é permitido: consumir bebidas alcoólicas, fazer churrasco ou uso de fogareiro, levar qualquer animal para dentro da reserva, escalar ou subir nas pedras, caçar ou aprisionar animais, causar danos à vegetação, retirando mudas, sair das trilhas ou abrir novos caminhos e invadir a propriedade, desrespeitando a entrada principal. O santuário obedece às normas também do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e das prefeituras de Caeté e Sabará.E mais: é proibido ligar música em alto volume, acampar e pernoitar em carros, andar de bicicleta nas trilhas, por causa da fragilidade do solo, praticar esportes radicais e levar refeições para lanche ou piquenique. Neste período de reabertura gradual, o santuário oferece refeições no restaurante. A loja de artesanato ficará fechada a exemplo da lanchonete.
No Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade há variação de temperatura devido à altitude (1.746 metros), portanto o visitante deve levar um agasalho e usar sapatos confortáveis para aproveitar o passeio. A taxa de visitação é R$ 10,00 por pessoa (isenção para crianças abaixo de 7 anos), com o pagamento no restaurante do santuário (Espaço Dom João Resende Costa).
HISTÓRIA
Em 2020 são celebrados os 60 anos de proclamação de Nossa Senhora da Piedade como padroeira de Minas Gerais – ocorreu em 31 de julho de 1960. A oficialização foi feita pelo papa João XXIII (1881-1963), atendendo ao pedido dos bispos mineiros, entre eles o então arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), e do arcebispo coadjutor e administrador apostólico, dom João Resende Costa, bem como do governador do estado, José Francisco Bias Fortes (1891-1971). Nesse processo, destacou-se também o trabalho de dom Carlos Carmello de Vasconcelos Motta (1880-1982), mais conhecido como Cardeal Motta e que hoje batiza a praça em frente da ermida.Com altitude de 1.740 metros, a Serra da Piedade abriga histórias de fé e até política. Foi no alto, por exemplo, que o ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985) deu início à campanha de redemocratização do país, em 1984. Em dias muito claros, é possível vislumbrar a Serra do Caraça, o espelho d’água de Lagoa Santa, toda a cidade de Caeté, com o pontilhão ferroviário, e outros municípios da RMBH. O ponto principal, sem dúvida, é a ermida que dá exatamente o clima de “pedacinho do céu” de manhã bem cedo, quando nuvens baixas tomam conta do topo da serra.
A fama do lugar teria começado entre 1765 e 1767, conforme a tradição oral, com a aparição de Nossa Senhora, com o Menino Jesus nos braços, a uma menina, muda de nascimento, cuja família vivia na comunidade de Penha, a seis quilômetros da serra. Nesse momento, a menina teria conquistado a fala. Mais tarde, em 1773, o templo seria construído pelo ermitão português Antônio da Silva, o Bracarena.