Mulher forte e preocupada com a família
Denilza conta que também contraiu a doença, assim como todos em sua casa. “Como ela morava muito próximo, acabou se contaminando com um de nós”, explica. O diagnóstico de coronavírus só foi confirmado após o falecimento da idosa, mas a família já desconfiava que a doença teria sido a causa da morte.
Maria Joana foi para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Salinas em 18 de junho, uma quinta-feira, levada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Na data, sentia mal-estar, dores no corpo e estava com diarreia e febre. Ficou internada no hospital com suspeita de coronavírus; no entanto, o primeiro teste feito para confirmar o diagnóstico teve resultado negativo.
No dia seguinte, pela manhã, a família foi informada de que a idosa reagia bem ao tratamento e estava consciente. Mas no sábado, Maria Joana morreu em decorrência de um infarto fulminante. A equipe médica optou por repetir o exame para coronavírus e, após cinco dias da coleta do material, o resultado foi positivo.
“Eu, minha mãe e dois irmãos também nos contaminamos, mas, graças a Deus, não ficamos internados. Ela, pela idade, acabou falecendo”, lamenta Denilza. A neta conta que o contato era muito próximo entre a idosa e todos em sua casa, pois moravam em casas ao lado e cuidavam de Maria Joana, já um pouco debilitada devido à idade.
A morte foi muito rápida. Um choque para toda a família, pois Maria Joana faleceu no momento em que o número de casos confirmados de COVID-19 começava a aumentar em Salinas. O município fica a 640 quilômetros de Belo Horizonte e tem 41,5 mil habitantes. Até o dia da morte de Maria Joana, registrava 77 casos confirmados de coronavírus e um óbito.
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Ela era muito ativa, fazia as coisinhas dela, consciente e com uma memória muito boa. Ficarão só as lembranças boas dela”. Denilza contou que avó era alegre, bem humorada e muito querida por todos. Ao morrer, deixou quatro filhos, nove netos e nove bisnetos. O marido havia falecido recentemente.
Segundo Denilza, Joana temia contrair coronavírus e tomava todas as precauções: “Lavava as mãos e passava álcool em gel.” A neta ainda afirmou que a idosa assistia ao noticiário com frequência e se preocupava muito com a saúde de seus familiares. “Era muito inteligente, tenho certeza de que morreu consciente. Estava com essa doença e preocupada conosco, que pudéssemos ser contaminados”, acredita Denilza.
Mais de 60 anos costurando a felicidade
“Ela gostava mesmo era de ficar trabalhando na máquina de costura. Começou no ofício aos 13 anos, quando entrou no curso de corte e costura estimulada pelo meu avô, Armando. Não parou mais... Na verdade, só parou há dois anos, quando teve um AVC e ficou com limitações”, conta a filha Maria das Graças Gomes Vieira, enfermeira residente em Contagem, na Grande BH.
Maria das Graças herdou um belo presente da mãe: a primeira máquina de costura dela, marca Singer, preta com letras douradas. “No dia em que ela me deu, não me contive e chorei”, recorda-se. Os tempos verbais estão agora no passado. Em 22 de julho às 10h40, dona Zizinha morreu em um hospital de Belo Horizonte, vítima da COVID-19.
Começou com febre alta, depois sentiu mal-estar, falta de ar, até não resistir mais, para tristeza dos oito filhos: Fátima Aparecida, Geraldo Ivan, Armando Antônio, Paulo Francisco, Roberto da Conceição, Sandra da Conceição, Maria das Graças e Giovani Carol e dos 12 netos. “A morte de mãe está muito recente. Foi tudo muito rápido”, resume a enfermeira, em poucas palavras, a grande dor e o espanto que atingiu a família.
Natural de Sabará, dona Zizinha era filha de dona Sebastiana e “sô” Armando, a primeira de oito filhos. Estudou até a quarta série e se casou aos 17 anos com Paulo Francisco Gomes, que morreu tragicamente em sua garagem, vítima de latrocínio, na véspera do Natal de 2006. “Nossos pais nos criaram com dignidade e simplicidade, e sempre nos disseram que ‘o saber não ocupa espaço’”. Sábias palavras. Além de amar a costura e a família, dona Zizinha conhecia bem as plantas medicinais e tinha um canteiro no seu quintal, que agora exala um pouco da sua história.
"Amanhã podem ser os avós de alguém"
“A gente nunca sabe. Desta vez, foram meus avós e um primo meu. Amanhã podem ser os avós de alguém. Não são apenas números, são pessoas. Essas vidas eram do pai de alguém, do funcionário, do empresário, do primo, do amor de alguém...”, diz Lara.
É com orgulho que Lara com a história da avó paterna, Aurecidina Hottis de Oliveira, que perdeu a batalha para a doença aos 66 anos. Admirada com a força da mulher, Lara conta que a mineira de Resplendor seguiu para a capital paulista para se casar com um viúvo – o pai de Lara, Welington, perdeu a mãe muito novo e foi criado por dona Cedina, como era mais conhecida.
O amor dela era tão grande que, tempos depois, dona Cedina teve outra missão: de cuidar da pequena Lara durante o tempo que ela morou em São Paulo. Foi naquele período que as duas criaram um laço especial. Por isso Lara não têm dúvidas de que ela é sua avó paterna.
As duas se separaram quando a neta voltou para Governador Valadares. Mas, em 2018, voltaram a ter uma conexão ainda maior. Dona Cedina acolheu a neta em casa para estudar em um cursinho. Lara conta que não conseguiu se adaptar com a cidade grande e teve dificuldades de fazer amizades. A avó se tornou a grande companhia.
Aos domingo, as duas iam, como grandes amigas, no passeio preferido: o mercado. Hora de se preparar para um dos maiores hobbies de dona Cedina: fazer verdadeiros banquetes para a família. Lara comenta que os almoços eram um dos maiores prazeres do dia a dia.
Um tempo também de aprendizado. Sábia e experiente, é de dona Cedina uma frase de que Lara nunca se esquece: “Filha, não guarde raiva de ninguém, pois a mágoa trava”. Além dos grandes aprendizados, Lara conta que até mesmo atos simples ensinados pela avó, como sempre fechar portas e janelas ao sair de um cômodo são cultivados até hoje com grande carinho.
Lara voltou para Minas e a avó continuou em São Paulo. Com o início da pandemia, as duas não tiveram a oportunidade de se ver pessoalmente. Quando veio, o diagnóstico de COVID-19 preocupou toda a família. Dona Cedina foi internada imediatamente e Lara elogia o tratamento dos profissionais de saúde do hospital. “Ficaram com a minha avó até o último minuto”, conta a neta.
Em 10 de junho, veio o baque: dona Cedina não resistiu. O isolamento social e a distância aumentaram o sofrimento de Lara pela perda da avó. Mas só fizeram aumentar a admiração pela mulher que sempre será lembrada pela força, sabedoria e amor.
O adeus cinco dias após o diagnóstico
Mecânico há 50 anos, Geraldo era hipertenso e diabético, por isso fazia parte do grupo de risco para a doença. Vitória conta que, apesar de tomar todos os cuidados, o marido acabou contraindo a doença de forma misteriosa. A família não sabe até hoje onde ele pode ter entrado em contato com o vírus.
Emocionada, Vitória fala sobre dias e noites de aflição que a família viveu até que chegou a notícia que ninguém queria ouvir, em 5 de julho: “Esse vírus é invisível, um inimigo poderoso exatamente por isso. O poder dele está na invisibilidade. Pode ter pegado em qualquer lugar – na padaria, no supermercado ou até mesmo comendo um lanche”.
Ela também sentiu a força do inimigo. “Fiquei doente, passei muito mal. Quase precisei ficar internada. Perdi olfato, paladar, o ar. Quando cheguei ao hospital, meu pulmão já estava comprometido. O mesmo aconteceu com meu marido, que, infelizmente, morreu na intubação devido a uma parada cardíaca. Morreu logo ao chegar, depois de quatro dias que tinha descoberto a doença. O meu tratamento também não foi simples. Esse vírus é traiçoeiro, vai minando o seu corpo”, resume.
Se era apaixonado pelos filhos, Geraldo era louco pelos netos. Um avô presente principalmente na vida da neta Lara, de 10, que morava na casa dele e o considerava um pai. Mantinha bem próximos também os netos Daniel, de 26, Diego, de 24, e Túlio de 7 meses. E estava ansioso pela chegada de mais um. Mas morreu sem saber o sexo da criança que deve nascer em janeiro do ano que vem. “Perder alguém para o coronavírus é muito difícil. A gente não espera por isso. As pessoas pedem isolamento, mas como você fica longe de alguém que você ama? Como não abraçar? Como não cuidar?”
Ao falar sobre saudade, Vitória se emociona. “Sinto muita falta dele, dos sonhos que a gente tinha, do cuidado que ele tinha com a família. Eu me sinto sozinha. Sinto muita falta do sentimento que eu tinha, de que teria ele para sempre, velhinho do meu lado. O que mais dói é saber que ele não volta mais. Isso é muito triste.”
Uma saudade que não tem remédio
Jair trabalhou na área por 45 anos, construindo uma trajetória reconhecida por inúmeros conterrâneos pela bondade e competência. “Com certeza, ele significava muito na vida dos familiares e amigos e para a população de Martinho Campos. Por ser muito conhecido e querido na cidade, tinha o carinho de todos”, conta o filho Jader Costa Quirino de Oliveira, de 25.
A rotina de Jair era dedicada à farmácia, no Centro da cidade. “Além disso, um de seus momentos favoritos era conversar sobre política e futebol, principalmente se o assunto fosse sobre o Cruzeiro, seu time do coração”, recorda Jader.
Emocionado ao relembrar os momentos finais do pai, Jader diz que a família não sabe como o farmacêutico se infectou pelo vírus que provocou os primeiros sintomas em 12 de abril. “No domingo de Páscoa ele começou a sentir febre. Nos dias seguintes, ela foi se alternando, ia e voltava. Como trabalhava na área, ele mesmo se medicou, pois pensou que fosse uma sinusite forte. Mas mesmo assim a febre não passava. Uma semana depois, apareceram sintomas mais fortes, como tosse seca e bem aguda. Além disso, começou a sentir uma falta de ar que o impedia de comer e dormir, mas nem assim quis ir para o hospital”, contou o filho.
Uma semana depois, em uma segunda-feira, a filha Geisiane Costa Quirino Oliveira, de 30, o convenceu a ir ao hospital. No dia seguinte, um raio-x mostrou pneumonia em estágio avançado. No mesmo dia, a equipe médica do Hospital Doutor Odilon de Andrade, em Martinho Campos, o transferiu para o centro de terapia intensiva do Hospital Eduardo de Menezes, na capital.
Jader explica que, por determinação do hospital, em razão da pandemia do coronavírus, a família não pôde acompanhar Jair até a unidade de saúde em BH. As notícias e atualização do quadro clínico eram repassadas por chamadas de vídeo diárias, pelo médico que acompanhava o caso.
Depois veio o calvário, para o paciente e a família, com o diagnóstico de COVID-19. No dia 26, seis dias depois do primeiro atendimento, a família recebeu a notícia da morte. Jair Quirino de Oliveira deixou a esposa, Giselma Lino da Costa Quirino de Oliveira, de 52, os filhos Geisiane e Jader, muitos amigos e, entre todos, uma saudade que não tem tamanho.
A dor dos que não podem se despedir
“O sentimento de perder alguém nunca é fácil. Mas, com essa doença é pior ainda. É uma dor inexplicável, é um buraco que parece que não tem fim.” O desabafo sofrido é da agente de saúde Luana Stefanie Souza, de 27 anos, neta e ao mesmo tempo “filha de criação” da dona de casa Maria Zilda Rodrigues Reis, uma dos milhares de brasileiros que perderam a vida em decorrência do coronavírus.
Diabética e hipertensa, Maria Zilda morreu aos 72 anos, em 8 de junho, após permanecer 21 dias internada em um hospital de Montes Claros, no Norte de Minas, onde mora a família. Deixou o marido, seis filhos, nove netos e dois bisnetos. Mais três pessoas da família, entre elas o marido, testaram positivo para a COVID-19. Mas só ela não se recuperou.
“Para toda a nossa família está sendo muito difícil. No caso da COVID-19, a dor da perda de um parente é pior ainda, porque a família não pode ver a pessoa. Não pode se despedir. Não pode fazer um velório. É muito dolorido, muito triste”, lamenta Luana, que nasceu em Montes Claros, mas hoje mora em Itacarambi, na mesma região. O que não é capaz de apagar as lembranças de dona Maria Zilda. Pelo contrário.
“Era uma pessoa alegre, brincalhona, batalhadora, guerreira. Lutou muito para criar os filhos e netos. Nunca mediu esforços para ajudar as outras pessoas, principalmente, a família. Deixou um exemplo de vida para nós, que ficará para o resto da vida em nossos corações”, resume a neta e filha do coração.
A agente de saúde chama a atenção para a necessidade de maior prevenção para evitar mais mortes provocadas pelo coronavírus. “A gente vê os casos e os registros de óbitos aumentando. Também assistimos a tantas pessoas que não levam a doença a sério, quantas pessoas andando sem mascara! Tem jovens que saem e vão para a farra, sem se importarem com um pai e uma mãe dentro de casa. É uma coisa que a gente começa a ter mais medo e levar mais a sério quando sente na própria pele. Sinceramente, não desejo a mais ninguém passar pelo que a gene passou.”
Alegria que deixou saudades
Uma vida muito jovem interrompida, sonhos desfeitos, corações partidos. Recuperado de uma depressão, caminhando para o sucesso na carreira e com casamento marcado para o mês que vem, Raphael Wauster Ribeiro é uma das vítimas da COVID-19. Morreu aos 32 anos. “Uma pessoa maravilhosa. Supercompanheiro da mãe e dos irmãos, da família em geral”, diz, com imensa saudade, a prima do músico, Marilene Jorgina Ribeiro, de 53.
A costureira conta que ele formava uma dupla sertaneja com a irmã, Brisa Tauana. Cantavam em bares, casas de shows, casamentos e aniversários. O último show da dupla de irmãos ocorreu em 30 de abril, já durante a quarentena. A apresentação foi feita em casa e exibida pelas redes sociais.
“Ele gostava muito de cantar, tocar violão. O que ele não gostava era de ir a velório. Ele foi no do pai, há nove anos, e no da avó paterna, há uns quatro meses. A minha tia (mãe de Raphael) disse que a irmã até fez uma piada, dizendo que ele foi ao velório da avó para pegar a senha para ver o pai”, lembra a prima, sem perder o bom humor herdado da família.
“O que Raphael tinha de especial era o carisma, a simpatia para tratar todo mundo. Sempre que íamos na casa da minha tia, era uma farra. Ele já pegava o violão e ali só parava à noite”, revela Jorgina.
Raphael nasceu em Belo Horizonte, em 27 de março de 1988, e morreu na mesma cidade, em 6 de julho. Durante seus 32 anos de vida, vestindo a camisa do seu time do coração, o Cruzeiro, ele foi dono de uma alegria que contagiava quem o encontrasse. “Muito brincalhão. Muito querido pelos vizinhos. Não tinha tempo ruim com ele!”, recorda Marilene, sem esquecer de mencionar a vida amorosa que o resgatou de um momento de tristeza profunda.
“A Nicole, viúva, foi um anjo na vida dele. Ele estava saindo de uma depressão e ela trouxe alegria de volta para a vida dele”, ressalta a prima do músico em gesto de gratidão à noiva dele. “Iriam se casar no religioso em setembro, mas já moravam juntos. Não poderia deixar de falar dela. Um amor de pessoa.”
Exemplo de vida, que passa para a história
Se alguém chegasse a Augusto de Lima, no Norte de Minas, e perguntasse por Alexandre Ferreira de Souza, certamente receberia um olhar de interrogação. Mas se mencionasse Pistolo (pronuncia-se Pistôlo), o endereço seria dado no ato. É que o apelido de juventude ficou grudado como se fosse tatuagem e nunca mais de separou do homem que foi lavrador, barbeiro, comerciante e vereador por quatro mandatos.
Há pouco mais de um mês, em 3 de julho, Alexandre, aos 92 anos, deixou de ser um dos moradores mais populares da terra natal, que amava tanto, para se tornar um personagem de muitas histórias e lembranças. Cardiopata, ele morreu devido a complicações causadas pela COVID-19, num hospital de Belo Horizonte, onde reside parte da família, e foi enterrado em Augusto de Lima, como era seu desejo.
“O que nos deixou mais tristes foi não ter podido velar o corpo do nosso pai, receber o abraço dos amigos, enfim, ficado mais perto dele nos últimos instantes”, lamenta a professora de matemática Luciana Ferreira de Souza Lopes, de 51. A saudade é tamanha, diz Luciana, que muitos dos filhos não se conformam com a perda. “Está difícil de aceitar, foi tudo muito rápido e está recente demais”.
A idade nunca foi um peso para Alexandre, que estava cheio de planos. Em 26 de novembro, completaria 60 anos de casado com Celenita de Souza Viana Ferreira, de 77, união que gerou sete filhos - Letícia, Gilberto, Leonice, Gelson, Luciana, Linalva e Alexandre Júnior -, dez netos e nove bisnetos. Seria uma festa para reunir toda a família, os parentes e amigos, afinal Alexandre gostava de uma boa roda de violão, melhor se tivesse sanfona e muita gente. "Estava bem ativo, animado”, conta a professora.
Os dias não têm sido fáceis para a família. "Minha mãe é mais forte do que todos nós, mesmo se recuperando de uma cirurgia no joelho. Está fazendo fisioterapia e só fica triste, quando nos vê chorando." Luciana revela que o novo coronavírus entrou na "casa" de Alexandre e Selenita pela "porta" de um hospital de BH, onde ela fez a cirurgia no joelho que apresentava desgaste devido a osteoporose. O marido veio visitá-la no período pós-operatório e foi contaminado, o mesmo ocorrendo com outras pessoas da família.
A não ser pela saudade, que só o tempo ameniza, todos estão bem. “Meu pai nos ensinou o caminho da retidão, da honestidade, deu o exemplo. Na despedida em Augusto de Lima, havia faixas para homenageá-lo. Se não tivemos abraços, as palavras serviram de conforto”, agradece Luciana.
Ficou um sonho próximo de se realizar
O sonho de morar à beira-mar, mais exatamente na Praia do Morro, em Guarapari (ES), foi sepultado com o militar Edvander Rodrigues Ramos. Mas os planos mais concretos, construídos passo a passo ao longo do tempo, florescem e vão dar frutos, garante a mulher com quem ele viveu por mais de duas décadas, Juliana Alves Braz Ramos, de 39 anos. Mãe de Sabrina Gabrielle, de 21, que era um bebê de apenas 15 dias quando o casal iniciou o relacionamento, Juliana assegura que vai se formar em enfermagem, enquanto Sabrina Gabriele estuda para ser fisioterapeuta e receberá o diploma em 2021.
"Minha formatura seria em outubro, e Edvander estava muita empolgado, pois era um grande desejo dele a conclusão do curso. No entanto, tudo mudou com a pandemia do novo coronavírus", conta Juliana que, desde a morte do militar, mora na casa da mãe, no Bairro Cristina, no distrito de São Benedito, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH.
A saudade do terceiro sargento da Polícia Militar de Minas Gerais não cabe em apenas um palavra: é preciso juntar paixão, admiração, respeito e sentimentos nobres como o amor. "A vontade dele, tão logo aposentasse, o que estava perto de acontecer, era curtir o Espírito Santo, para onde viajávamos duas vezes por ano. Dei muita força, mas agora tudo mudou. Era um sonho dele, não podemos levar adiante, devemos tocar a vida aqui", revela Juliana, que teve homologado, pela Justiça, o pedido de união estável com Edvander. Com a primeira mulher, ele teve dois filhos.
A contaminação pelo novo coronavírus entrou na vida do militar no fim de maio. Com boa saúde, embora hipertenso, ele sentiu inicialmente muita dor no corpo. Depois melhorou, continuou trabalhando. Mas o anúncio da COVID-19 19 não tardou, veio com a febre de 38 graus. No Hospital Militar, em BH, os exames constataram a doença em estágio avançado. "Parecia que ele queria se despedir de mim, como se soubesse que ia morrer. Disse que eu ficasse com Deus e, baixinho, falou 'eu te amo muito, reze por mim'. Pediu que Sabrina, que criou e sempre considerou filha, tomasse conta da mãe.
Ainda um pouco anestesiada pela perda tão recente - a morte ocorreu às 5h42 de 20 de junho - , Juliana fecha os olhos ligeiramente e volta no tempo para recordar a alegria de Edvander, dono de um espírito extrovertido que contagiava todo mundo. "Quem tinha contato com ele, na Rua do Comércio, em Santa Luzia, onde trabalhava, fazia questão de cumprimentá-lo, pegar na mão. Com ele não tinha tempo ruim". A estudante de enfermagem destaca um dos momentos marcantes da vida da família: a reunião para marcar os 21 anos de Sabrina Gabrielle. Já os moradores de Santa Luzia se lembram do cortejo pelas ruas da cidade, em 11 de junho, da festa de Corpus Christi, quando Edvander foi no veículo da PM, para segurança. "Vamos guardar na memória e no coração todos os bons momentos. A vida segue, a saudade fica. Afinal, se para ele, não tinha tempo ruim, vamos acreditar".
Tempo nunca foi um problema
Uma mulher com a força da natureza, com a garra de quem trouxe no corpo e na alma as histórias do Vale do Jequitinhonha e fez da vida um caminho de coragem. Clery Ribeiro nasceu em Araçuaí e trilhou seus 91 anos com determinação, tanto na terra natal como em Belo Horizonte, para onde se mudou em 1942, aos 13 anos.
Na capital, se casou e teve seis filhos. Hoje, apenas quatro deles estão vivos. Eles deram a ela 15 netos e mais 15 bisnetos.
Tinha insuficiência renal, que estava controlada, mas, com o passar do tempo, o coração pediu mais atenção, exigiu cuidados. Então vieram cirurgias, e Clery enfrentou bravamente. E mesmo após todos esses procedimentos e com mais de 80 anos, ela teve a garra e determinação de concluir o ensino médio, fez teatro e ainda começou a cursar faculdade de direito.
Mas a vida traz surpresas. Em 5 de junho, Clery foi internada no Hospital Madre Teresa, na Oeste da capital, com falta de ar e cansaço. Em quatro dias, foi confirmado o diagnóstico de contaminação pelo novo coronavírus e os sintomas começaram a progredir. Já em 11 de junho, o problema nos rins reapareceu e começou a afetar seriamente a saúde. Três dias depois, a insuficiência renal foi só piorando. E Clery faleceu em 3 de julho.
Triste com a perda de pessoa tão querida, a neta, Lara Coimbra, conta que o quadro de saúde de Clery se apresentava estável, com o problema nos rins controlado antes de ela pegar o coronavírus. Depois que completou 80 anos, a senhora de Araçuaí fazia viagens à Europa todos os anos. Tinha esse gosto e não deixava nada impedir que cruzasse o Atlântico.
Lara explica que, desde o começo da pandemia, a avó ficou isolada, recebendo visitas apenas da filha e do genro, e, uma vez por semana, uma diarista para o serviço.
No hospital, os três fizeram o teste e o resultado deu negativo. A suspeita da família é de que Clery possa ter sido contaminada com o coronavírus por delivery de comida. Agora ficam a imensa saudade e as histórias de uma vida.
*Estagiários sob supervisão do editor Roney Garcia