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Estado de Minas

Cicatrizes da periferia a áreas nobres: veja marcas que a chuva espalhou pela capital

Com temporais nunca antes vistos, 13 mortes e 44 dias de alerta, BH tem recordes de venda de lonas e estragos que se destacam até no maior símbolo da cidade, a Serra do Curral


postado em 17/02/2020 06:00 / atualizado em 17/02/2020 16:48

Em um dos pontos mais afetados da cidade, Avenida Tereza Cristina teve o pavimento arrasado pela cheia do Ribeirão Arrudas(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A/Press)
Em um dos pontos mais afetados da cidade, Avenida Tereza Cristina teve o pavimento arrasado pela cheia do Ribeirão Arrudas (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A/Press)
Das montanhas da Serra do Curral às várzeas do Ribeirão Arrudas, as tempestades que castigam Belo Horizonte desde o fim de janeiro deixaram marcas de destruição como feridas e cicatrizes ainda abertas na paisagem da capital mineira. Em 44 dias de alerta geológico pela saturação do solo em áreas de risco, foram 13 mortes e recordes de volumes de chuvas que entraram para a história. O fenômeno abriu sulcos pela Serra do Curral, que podem ser vistos de todas as regiões. Também fez com que se espalhassem lonas pretas, brancas, amarelas e azuis, de tamanhos variados, sobre encostas das comunidades mais pobres até  bairros de classe média e alta.
 
 
Tanta água em tão pouco tempo comprometeu também a mobilidade urbana, destruindo vias como a Avenida Tereza Cristina, em parte de seu curso ao longo do Ribeirão Arrudas. São rastros que servirão de lembrança da força destrutiva das chuvas numa cidade que não estava preparada para o fenômeno. Entre os dias 23 de janeiro e 13 de fevereiro, foram registrados pela Defesa Civil municipal 942 deslizamentos, 111 desabamentos e 840 alagamentos. Hoje, segundo a prefeitura, começa o processo de reconstrução dos principais estragos, com investimento anunciado inicialmente em R$ 31 milhões.

Algumas das cicatrizes mais evidentes do período estão visíveis na Serra do Curral, um dos símbolos da capital, que apresenta nove pontos de deslizamentos. Rochas cinzentas que se desprenderam do alto do maciço imprimiram rastros no paredão de vegetação verde, agora avivada pela umidade. Felizmente, não atingiram nenhuma via ou moradia. “Trabalho aqui vendendo água de coco e sucos há 37 anos e nunca tinha visto descer pedras desse jeito lá da serra. De qualquer lugar que você estiver, dá para enxergar. Vi lá de baixo da Avenida Afonso Pena. Também não me lembro de chuvas tão fortes assim”, comenta o ambulante Otacílio Rosa da Paixão, de 69 anos.

Dois desses deslizamentos mais evidentes ocorreram atrás do antigo Instituto Hilton Rocha, futuras instalações da Oncomed. A professora Maria Giovana Parizzi, do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Minas Gerais, esteve no local e avalia tratar-se de processo natural. “Trata-se de um movimento normal da formação, devido às chuvas. Os escorregamentos estão muito distantes da área onde estão ocorrendo as obras. Para que as intervenções tivessem qualquer influência, deveriam ter cortado alguma base de sustentação da parte que desceu, o que não ocorreu”, afirma a especialista.

 A dinâmica das erosões e tempestades que causam mortes e desabrigados é bem conhecida na capital, relacionando-se com o relevo municipal, afirma a professora da UFMG. De acordo com ela, nas partes mais altas da cadeia Sul, como a Serra do Curral, há uma composição de rochas chamadas filito, e é o seu comportamento peculiar durante chuvas intensas que causa desabamentos e deslizamentos. “(Os filitos) São rochas de planos sobrepostos visualmente similares a uma ardósia, só que em estado de decomposição. Quando os planos estão saturados pela água da chuva, eles pesam e se destacam do maciço rochoso, dependendo da inclinação e da força da gravidade. Quando o filito está saturado, a água lubrifica o encontro dos grãos e a rocha passa a ter um comportamento semelhante ao de lama”, descreve a especialista.

Deslizamento em encosta no Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul: solo encharcado cedeu sob o peso de dias de tempestade(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A/Press)
Deslizamento em encosta no Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul: solo encharcado cedeu sob o peso de dias de tempestade (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A/Press)


PESADELO Um estalo no quarto enquanto ainda dormia com a esposa e duas filhas despertou o ajudante de carga Marcos Maximiliano Carioca Magnani, de 32 anos, para um pesadelo sem data para terminar. “Era a cinta (estrutura de concreto e aço que normalmente sustenta uma laje) do meu quarto estourando. De repente, apareceram trincas em que cabia um dedo, em toda a casa. Tivemos de sair e por enquanto estamos em casa  de parentes. Queria que demolissem tudo aqui e construíssem predinhos (conjuntos habitacionais populares)”, disse. A casa dele e as de outras 10 famílias da Vila São Francisco, no Bairro Carlos Prates (Noroeste de BH) tiveram de ser evacuadas depois de o barranco que as sustentava deslizou em 24 de janeiro, engolindo várias casas abandonadas e deixando dependuradas outras, que ainda eram habitadas. O rombo aberto e os barracos se precipitando na beirada são uma cicatriz que chama a atenção de quem desce a Avenida do Contorno, do Bairro Prado rumo ao Centro. Naquele local, apenas uma obra de grande porte poderia estabilizar o barranco e suprimir a marca deixada pela chuva.

Além dos deslizamentos, outro tipo de evento causador de desastres na capital é o relacionado ao acúmulo ou extravasamento de águas (hidrológico). “Destacamos as enxurradas, que são águas de chuvas que descem muito rapidamente e com poder considerável, pela combinação de volume de precipitação, da declividade e da impermeabilização do solo, com poder de causar grande destruição. Em seguida, temos as cheias, que ocorrem quando os cursos d'água transbordam suas calhas, trazendo destruição nas margens, por exemplo. E, por fim, os alagamentos, quando essa água acaba represada”, define a professora da UFMG Maria Giovana Parizzi.

Relacionada a esse fenômeno, uma das marcas mais impressionantes deixadas pelas chuvas na capital – e que, segundo a prefeitura, só poderá ser reparada com a chegada da estiagem – é a devastação que as enxurradas e cheias provocaram na Avenida Tereza Cristina, ao longo do curso do Ribeirão Arrudas. A via teve 70% de seus nove quilômetros de extensão destruídos.


Obras começam hoje, anuncia a prefeitura

 
A Prefeitura de Belo Horizonte anunciou no fim da semana que obras para recuperação dos danos causados pela chuva na cidade começam hoje, com intervenções em 221 pontos. O custo estimado pelo município para reparação de todo o estrago está entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões.

“Esse dinheiro está garantido, já está em caixa e ainda vamos atrás do governo federal. Agora é reconstruir a cidade com calma e técnica. A população tem que saber que a partir de segunda-feira, em 221 pontos onde teve estrago, nós vamos começar a agir para reconstruir a cidade”, afirmou o prefeito Alexandre Kalil, na sexta-feira, em entrevista na Câmara municipal.

Kalil anunciou a liberação de R$ 31 milhões para obras emergenciais. Segundo o prefeito, as intervenções incluem reparos na Avenida Tereza Cristina, uma das áreas mais castigadas na capital mineira. Dessa primeira quantia, R$ 7,7 milhões foram liberados pelo governo federal, com repasse imediato à prefeitura. 


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