(none) || (none)
UAI

Continue lendo os seus conteúdos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/mês. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas

Maria da Penha: por que o Brasil pode ser denunciado por limitar a aplicação da lei

Colégio de Defensores Públicos questionará junto a organismos internacionais não implantação de juizados previstos no texto legal. Seminário debate obstáculos enfrentados pela legislação


postado em 29/11/2019 06:00 / atualizado em 29/11/2019 14:58

(foto: Quinho)
(foto: Quinho)
O Brasil será denunciado a organismos internacionais pela Comissão de Defesa da Mulher do Colégio Nacional de Defensores Públicos (Condege) porque, até hoje, 13 anos depois da sanção da Lei Maria da Penha, tribunais de Justiça ainda não estruturaram os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com a competência cível e criminal, para julgar e executar as causas. A advertência é da defensora pública do Mato Grosso Rosana Leite, presidente da Comissão de Defesa da Mulher do Condege. Trata-se, segundo ela, de descumprimento do artigo 14 da legislação que protege as vítimas de agressões.

 

“Mato Grosso é o único estado brasileiro em que a unidade especializada para casos da Lei Maria da Penha julga as ações criminais e cíveis entre vítima e agressor. Ocorre que essas ações deveriam tramitar na mesma Vara, com os mesmos representantes da Defensoria Pública, da promotoria e a mesma autoridade judicial”, afirma Rosana Leite. “Quando acontece a violência contra a mulher, há o julgamento do crime – como em casos de lesão corporal, tentativa de homicídio, de ameaças. Mas há também que se tratar das ações cíveis, como divórcio, dissolução da união, alimento (pensão) para filhos e filhas, indenizações por dano moral e material. É de suma importância que esse artigo 14 seja cumprido”, afirma Rosana Leite. Segundo ela, a denúncia será levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos e à Organização das Nações Unidas. Também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) será acionado.

 

Na semana em que protestos no mundo inteiro marcaram o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, em Belo Horizonte, o 1º Seminário Justiça Seja Feita, promovido pelo movimento feminista mineiro Quem Ama Não Mata, vai discutir hoje com especialistas da área jurídica os obstáculos ao enfrentamento a crimes do tipo no Brasil. O evento tem apoio do Tribunal de Justiça (TJMG), representado pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Comsiv), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), da Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-MG) e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). Ocorrerá a partir das 8h30, no auditório do Anexo 1 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Rua Goiás, 299. As recomendações do seminário integrarão a Carta de Belo Horizonte, que será encaminhada a autoridades políticas e do Judiciário brasileiro.

 

Além do não cumprimento da Lei Maria da Penha, que será objeto de denúncia a organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, há temas importantes em pauta. “A Lei Maria da Penha é extraordinária, vanguarda no mundo”, afirma a advogada Eliana Piola, uma das coordenadoras do seminário. Mas a lei, por si, não basta para mudar a sociedade nem ser efetiva pela sua simples existência, pois enfrenta um conjunto de problemas que se opõem à sua implementação, a começar pelo desconhecimento de política de gênero dos operadores de Justiça. “De policiais até juízes que atendem as mulheres em situação de violência, há grande desinformação sobre como deva ser a abordagem das vítimas, a começar pelo emprego de uma linguagem respeitosa”, afirma Piola. Ela ainda lembra que vítimas ainda enfrentam o preconceito, que decorre também da falta de continuidade de políticas públicas, e da ausência de uma rede de serviços integrada.

 

 

Obstáculos


O preconceito por parte até de autoridades judiciais no julgamento de vítimas de violência masculina é realidade para defensoras públicas e advogadas que enfrentam as audiências. Um dos casos mais recentes e ruidosos envolveu a própria defensora pública do Mato Grosso Rosana Leite, presidente da Comissão de Defesa da Mulher do Condege. “Eu acompanhava em audiência uma jovem de 18 anos, vítima de estupro paterno. O juiz me disse que não havia necessidade da minha presença. Insisti e expliquei sobre os artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, prevendo que a vítima tem direito de estar com a defensora que escolheu para acompanhar o depoimento. Mas o juiz me falou que a única forma que me aceitaria naquela Vara seria para defender o agressor”, conta Rosana Leite.

 

 

Na prática, ao ingressar com ação contra agressores, as mulheres lançam as fichas sobre uma roleta, tal a diversidade de atuações dos juízes, em sua compreensão quanto à aplicação da Lei Maria da Penha. Essa é a conclusão do estudo qualitativo denominado O Poder Judiciário no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, com levantamento de campo entre fevereiro e março de 2018, realizado pelo Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea) sob demanda do Conselho Nacional de Justiça. A observação qualitativa de várias unidades especializadas na Lei Maria da Penha identificou três tipos ou categorias de juízes, segundo a forma de atuação.

 

O primeiro tipo incluiu aqueles considerados comprometidos, que escolheram as Varas e juizados por considerarem a importância do tema com o qual gostariam de contribuir. Na segunda categoria estão juízes chamados de moderados, que estão nas Varas por motivos pragmáticos e apresentam, em geral, tendência a aplicar a Lei Maria da Penha de maneira limitada, optando por critérios mais restritos para conceder medidas protetivas e para considerar um caso como de violência doméstica e familiar contra mulher. Os juízes da terceira categoria foram chamados de “resistentes”, porque demonstram baixa adesão às previsões da Lei Maria da Penha.

 

Um dos magistrados entrevistados na pesquisa declarou, por exemplo, que a escolha pela unidade decorreu da oportunidade de promoção e do gosto pela matéria criminal. No entanto, esse juiz declarou não ser “entusiasta” da Lei Maria da Penha, pois acredita que há “alarde” em relação à temática da violência doméstica. Foi conclusão da pesquisa que a falta de interesse de parte dos magistrados se reflete na falta de formação na área, uma vez que esse tipo de juiz, em geral, não participa de cursos sobre a temática da violência de gênero.

 

A pesquisa conclui que o perfil do magistrado acarreta consequências diretas sobre a forma como os serviços jurisdicionais são prestados às mulheres em situação de violência. “Neste sentido, a pesquisa trouxe evidências de que a política judiciária de enfrentamento à violência doméstica opera em um cenário em que há mais diversificação do que padronização. Ou seja, apesar de o fenômeno da violência doméstica usualmente seguir uma dinâmica pouco variada, a resposta do Judiciário é muito heterogênea, a depender de fatores pessoais e institucionais”, assinala o relatório.

 

Quem ama não mata

Apesar de vanguarda da Lei Maria da Penha para a proteção da mulher agredida e reparação de seus direitos, ainda há muito a se conquistar, afirma Dorinha Aguiar, também coordenadora do seminário. Segundo dados do Instituto Igarapé, que tem estruturada a plataforma de Evidências sobre Violências e Alternativas para Mulheres e Meninas (EVA) no Brasil, México e Colômbia – países que concentram 80% dos assassinatos de mulheres na América Latina –, 1,23 milhão de mulheres relataram ter sofrido algum tipo de violência no Brasil desde 2010. Segundo os dados da pesquisa, esse foi o número de mulheres atendidas no sistema de saúde que se encaixaram nesse perfil. Desse total, os parceiros são responsáveis por 36% de todas as ocorrências. As mulheres negras são as principais vítimas, sendo alvo de 57% dos casos de violência sexual e 51% dos casos de violência física. Enquanto a violência contra as mulheres brancas aumentou 297% entre 2010 e 2017, contra as negras o crescimento foi de 409%.

 

Inspiração

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. O nome da lei foi dado em homenagem à farmacêutica Maria da Penha, que sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido e ficou paraplégica. Após anos passando por situações de violência, ela conseguiu denunciar o agressor.

 

Outra mulher é assassinada

 

Mais um crime bárbaro com características de feminicídio chocou moradores de Itapeva, no Sul de Minas Gerais. Silvana de Oliveira, de 39 anos, foi encontrada morta na quarta-feira, embaixo da cama da casa em que passou a noite. A vítima tinha braços e pernas amarrados e uma sacola cobrindo o rosto, que pode indicar asfixia. O principal suspeito do assassinato é o ex-companheiro dela, Róbson Fernandes, de 41, de quem estava separada havia três meses. Ele acabou preso. A cidade de 12 mil habitantes não registrava um homicídio havia quatro anos. O corpo da vítima, que deixa dois filhos, de 10 e 6 anos, deve ser enterrado no interior de São Paulo.

 

Agenda

 

1º Seminário Justiça Seja Feita, com debates sobre os principais obstáculos a uma real implementação da Lei Maria da Penha em Minas e no país

 

Horário: A partir das 8h30 (credenciamento)

 

Local: Auditório 1 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Rua Goiás, 299

 

Solenidade de abertura: desembargadora Alice Birchal (Comsiv/TJMG), Izabel Braga, conselheira Seccional da OAB/MG e integrante da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal, e jornalista Miriam Chrystus, coordenadora do Movimento Quem Ama Não Mata. 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)