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Conheça pesquisadores afetados pelo corte de bolsas na UFMG e os estudos em jogo

Alguns estão frustrados. Outros simplesmente não têm condições de continuar pesquisas no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, que envolvem diagnóstico e tratamentos de doenças


postado em 09/09/2019 06:00 / atualizado em 09/09/2019 07:40

A cara do corte na educação: os pesquisadores que tiveram trabalhos prejudicados(foto: Gladyston Rodrigues, Leandro Couri, Ramon Lisboa/EM/DA Press Arquivo pessoal)
A cara do corte na educação: os pesquisadores que tiveram trabalhos prejudicados (foto: Gladyston Rodrigues, Leandro Couri, Ramon Lisboa/EM/DA Press Arquivo pessoal)

Um dos principais centros de ensino, pesquisa e extensão do país, que já andava na corda bamba, recebeu na última semana o tiro de misericórdia. Com os cortes nas bolsas das duas principais agências federais de fomento à ciência, o Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ganha uma missão: conseguir fôlego até o fim do ano para dar suporte a pesquisadores. Mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos que estavam trabalhando sem remuneração na expectativa de obter uma bolsa viram cair por terra a chance de consegui-la, outros estão tendo que voltar para suas cidades por falta de apoio financeiro, pesquisas não serão renovadas e há quem esteja deixando o país para tentar de realizar no exterior o sonho de ser pesquisador.

Quase 50% do ICB está parado. Desafio agora é não interromper de vez os estudos nas mais relevantes áreas da saúde e de meio ambiente, entre outras. Cientistas do Laboratório de Genética Celular e Molecular (LGCM) contam como o colapso na ciência está alterando trabalhos e sonhos.

“Todos estão em situação dificílima. Laboratórios estão fechando. É uma pesquisa complicada, pois se faz com dólar. Com a moeda nas alturas e sem mão de obra, piora o quadro. Nem todos encontrarão oportunidades no exterior. Mas os que podem ir já estão indo”, avisa o professor Vasco Ariston de Carvalho Azevedo, chefe do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução da UFMG e do Laboratório de Genética Celular e Molecular. A situação do ICB se complicou ainda no primeiro semestre, quando o governo federal anunciou o bloqueio de 30% no orçamento geral das universidades.

No fim de agosto, veio o segundo golpe, quando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) anunciou só ter dinheiro para pagar seus bolsistas este mês, com valores referentes a agosto. O conselho não teve contingenciamento de recursos, mas começou o ano com R$ 330 milhões a menos no caixa, justamente o montante necessário para honrar o compromisso com os bolsistas até o fim do ano. Na semana passada, um fôlego: o Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável pelo órgão, conseguiu a liberação de R$ 82 milhões desse montante, que garantirá os salários deste mês, a serem pagos em outubro. Segunda-feira passada, o cerco se fechou. Foi a vez de o Ministério da Educação (MEC) informar o congelamento de 5.613 bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado da Capes no país, que não mais estarão disponíveis nos editais de pesquisa até dezembro. A maior parte seria disponibilizada este mês. Em Minas, 508 bolsas deixarão de ser oferecidas. Diferentemente do CNPq, a Capes teve R$ 819 milhões contingenciados pela União.

O ICB faz quase 25% de toda a pesquisa produzida na UFMG. Na época dos cortes, as contas mostravam que havia dinheiro até o fim do ano. O professor Ariston disse ter ido para a casa desolado quando recebeu a notícia. Três bolsas de pós-doutorado foram bloqueadas. “Pós-doutorado é uma mão de obra excepcional, porque é independente. Eles orientam também”, relata. A maior perda foram de bolsas do CNPq. Dos cerca de 1 mil alunos do ICB, 800 têm bolsas de pesquisa, segundo o professor. Sem dinheiro, sem material para pesquisa e com todos os imbróglios lançados, muitos docentes não estão mais pegando alunos para orientar. O resultado são laboratórios esvaziados e desesperança.

Apesar de a Capes garantir que quem já tem bolsa não será afetado, Vasco Ariston alerta que os prejuízos virão no curto prazo. “Se não haverá novos pesquisadores entrando, só saindo, diminui o tamanho da pós-graduação. É uma situação extremamente complexa, porque não se sabe o que ocorrerá nos próximos meses, se os alunos vão cumprir o que havia sido programado. Está insustentável”, lamenta. “Estou com cinco desempregados no laboratório. Os pós-doutores pegavam de cinco a seis alunos para mim (para ajudar na orientação). Há quase 50 estudantes.”

Além de congelar bolsas, a Capes também alterou o regime de vigência delas. Se uma pesquisa que terminaria em seis meses, por exemplo, podia antes ser estendida, agora, não terá chance de se prolongar. A saída encontrada por muitos para garantir a conclusão de meses de trabalho está sendo escrever teses e dissertações apelando para dados antigos ou guardados para defender. Programas como o Nacional de Pós-Doutoramento (PNPD), de Excelência Acadêmica (Proex), de Formação Doutoral Docente, de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Superior Particulares (Prosup) e de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior (Prosuc) também estão suspensos. “Sem gente para fazer, pois o professor não dá conta de tudo, perderemos todo o trabalho.”

Valores

Laboratório de Genética Celular e Molecular do ICB: colapso nos recursos dificulta andamento de pesquisas com potencial de levar soluções para problemas da saúde e do meio ambiente(foto: Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Laboratório de Genética Celular e Molecular do ICB: colapso nos recursos dificulta andamento de pesquisas com potencial de levar soluções para problemas da saúde e do meio ambiente (foto: Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)


As bolsas, de R$ 1,5 mil (mestrado), R$ 2,2 mil (doutorado) e R$ 4,1 mil (pós-doutorado)
são o salário dos pesquisadores, que devem se dedicar integralmente à pesquisa. Vencimentos esses sem adicionais, ou seja, sem benefícios de outros trabalhadores, como vale-transporte, alimentação ou depósito de FGTS. Um pós-doutorando que prefere não se identificar está estudando um alimento probiótico com microrganismos geneticamente modificados que pode melhorar ou prevenir as mucosites (inflamações das mucosas da boca, esôfago e intestino) em pacientes com câncer de cabeça, pescoço e laringe ou que estejam em tratamento de quimio ou radioterapia. Atualmente, foi feita uma parcela de 25% da pesquisa. Ano que vem, os testes seriam feitos em animais. Em 2021, em humanos.

“Aparecem aftas na boca e laringe, dolorosas, impedindo o paciente de comer. Com o sistema imunológico baixo, o paciente precisa de mais tempo de internação hospitalar. Estamos tentando fazer um alimento nutritivo e que melhora as diarreias também”, conta. A equipe do doutor trabalha com cepas da França e do Brasil para desenvolver, aqui, medicamento encontrado apenas na Europa e nos Estados Unidos.

Mas essa bebida, que poderia ajudar tantas pessoas ficará pelo meio do caminho. Isso porque a bolsa chega ao fim mês que vem e, por causa do congelamento, a Capes não renovará. Seriam necessários ainda mais dois anos de estudos. “Todo mundo está ficando desesperado. Pesquisadores já estão indo embora. É horrível, uma tragédia. Singapura e Coreia do Sul saíram da crise investindo na pesquisa. Os brasileiros vão pagar caro por isso”, adverte.

Conhecimentos em risco

Chocados, frustrados ou simplesmente sem condições de continuar. Assim se sentem pesquisadores que contam ou esperavam contar com bolsas de mestrado, doutorado ou pós-doutorado para desenvolver suas pesquisas no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal da UFMG. Histórias de esforços que vão muito além da vida particular de cada um deles e carregam a promessa de melhorar a vida de todos. Conheça os estudiosos afetados pelos cortes de bolsas e o que está em jogo em suas pesquisas

Atordoado

Diego Lucas Neres Rodrigues, 22, mestrando em bioinformática


Ele ficou em choque quando soube do congelamento da Capes, sua aposta de reverter o quadro de sete meses no mestrado em bioinformática sem bolsa. Para Diego, a solução agora será dar ainda mais sangue para concluir os estudos, daqui a um ano e meio. Morador de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, conta com a família, que mesmo sem condições financeiras se sacrifica para permitir que ele estude. “Dependo do auxílio dos patrocinadores, que na verdade são meus familiares, para ter itens básicos de higiene e o transporte”, diz. O estudante conta que para se tornar pesquisador abriu mão de estabilidade, da vida social e de um futuro mais rentável. “Na balança, o sonho da pesquisa pesou mais”, afirma. “Essa notícia já é tão de praxe este ano, já vieram tantas bombas, que acabei ficando só atordoado depois do choque”, relata. Ele está disposto a se sacrificar e continuar até pelo menos o fim do mestrado. “O objetivo da pesquisa na área de saúde é melhorar qualidade de vida da população ou a qualidade do serviço prestado. É fazer a diferença para a sociedade.”

O QUE ESTÁ EM RISCO

Estudo sobre quais fatores tornam uma bactéria resistente a medicamentos. Deixado de lado, não haverá tantos resultados relacionados ao assunto nem o conhecimento necessário para que novas drogas possam surgir ou para que a resistência seja quebrada. Um tratamento inovador, com muitas perspectivas de abordagens futura.
Bolsa: R$ 1,5 mil

Na corda bamba

Alessandra Lima da Silva, 27, doutoranda

Doutoranda em genética, Alessandra não depende da União para receber o pagamento, mas vive também na corda bamba com o estado. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas (Fapemig), ela conta que nos últimos quatro meses chega a 45 dias o intervalo entre um pagamento e outro. A doutoranda estava disposta a tentar uma bolsa pela Capes, mas, além de disponibilidade de bolsas ser menor, com o congelamento, os planos foram frustrados. “Corremos também o risco de esse recurso não existir mais”, diz. Para ela, a saída está na mobilização conjunta de estudantes, pesquisadores e professores. A pesquisadora acredita que até o fim do ano os momentos serão difíceis. “É preciso abraçar as mobilizações e mostrar à sociedade o que não vai chegar até ela. Se não tem pesquisa, não tem saúde, não tem desenvolvimento nem inovação. Essa crise serviu de aprendizado para nós da academia traduzirmos para a sociedade o que fazemos. Começamos com isso a divulgação científica. Há um abismo muito grande entre a academia e a sociedade e isso precisa ser quebrado.”

O QUE ESTÁ EM RISCO

O estudo envolve a comparação de materiais genéticos de bactérias resistentes relacionadas a infecções e contribui para uma melhor compreensão das características bacterianas relacionadas às especificidades de cada material em diferentes hospedeiros, sendo eles animais de produção e humanos. Pesquisas como essa contribuem para o desenvolvimento de novas estratégias de diagnóstico e tratamentos de doenças relacionada a bactérias.
Bolsa: R$ 2,2 mil

Migração


Édson Oliveira, 31, doutorando



O biólogo defenderá sua tese de doutorado na área de bioinformática no fim deste mês. A pretensão era continuar na UFMG no pós-doutorado, mas, com os cortes na Capes e no CNPq, a única perspectiva é tentar uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a única agência que se mantém sem problemas, e, assim, estudar na Universidade de São Paulo (USP). Se não conseguir, terá de voltar para Fortaleza (CE), sua cidade de origem. “O mais triste é que a minha bolsa do doutorado, que serviu para me manter aqui, não será repassada a aluno algum por causa dos cortes”, diz.

O QUE ESTÁ EM RISCO

Os resultados da pesquisa do doutorado possibilitariam avançar nos estudos sobre a doença de Chagas para produzir novas cepas de Trypanosoma cruzi que não causam a enfermidade. A expectativa é, finalmente, criar a vacina contra a doença.
Bolsa: R$ 2,2 mil

Plano frustrado


Stephane Fraga de Oliveira Tosta, 27, doutoranda



Stephane passou em primeiro lugar na seleção de julho do CNPq. Por falta de disponibilidade de bolsas do conselho, foi remanejada para receber pela Capes, a partir de novembro. Matriculada na UFMG desde o mês passado, a jovem, natural de Itaberaba, na Chapada Diamantina (BA), comprou passagem para Salvador, onde a família mora, a fim de não perder tempo nesses meses e já começar, na Fiocruz soteropolitana, a trabalhar na investigação de amostras. O plano de ir e voltar mudou. Ela vai, mas enquanto não tiver bolsa, não retornará a terras mineiras. “É muita frustração, mas não posso falar que esteja surpresa. Sempre foi um ponto desse governo, questionar universidades, professores, pequisa. É a concretização de um projeto de campanha e de governo. Não faz sentido economicamente. O que se está fazendo é gerar novos desempregados. Pesquisadores comem, moram, vivem. Não economizam dinheiro, só gastam. Vai prejudicar a economia dos bairros do entorno da UFMG, que é onde vivemos.”

O QUE ESTÁ EM RISCO 

Pesquisa que investiga emergência e reemergência de arbovírus e, logo, febre amarela, dengue, chikungunya e zika. O foco agora é a epidemia de dengue de 2019 – só em Minas foram mais de 400 mil casos. A partir da investigação sobre quais sorotipos ou genótipos estão circulando – são quatro subtipos –, a ideia é que as agências de saúde recebessem informações a fim de se prepararem para epidemias. 
Bolsa: R$ 2,2 mil

Saída do país


Marcus Vinícius Canário Viana, 32, pós-doutorando



O doutor Marcus Vinícius Canário Viana, de 32, é de Vitória da Conquista (BA) e também se dedica à pesquisa no ICB. No pós-doutorado, ele recusou uma oferta de continuar os trabalhos nos Estados Unidos, no início do ano, para terminá-lo em laboratório da UFMG. Também não queria abandonar a coorientação a quatro doutorandos. Mas não imaginou o pesadelo que surgiria. Bolsista do CNPq, diz que se o pagamento previsto para hoje sair, conseguirá chegar até o fim do ano – sua maior preocupação é pagar o aluguel. Enquanto isso, tenta possibilidades de continuar o pós-doutorado no exterior. Marcus Vinícius acredita que os problemas são temporários e atribui o colapso das bolsas a um modelo, segundo ele, errado, além de antecipar outra questão delicada. “A bolsa é um paliativo, um estímulo para seguir os estudos. Depois, o pesquisador fica desempregado.”

O QUE ESTÁ EM RISCO

Estudo sobre o material genético de bactérias de interesse médico e veterinários, que causam doenças como a difteria. O objetivo é identificar as causas da doença, e desenvolver novos antibióticos, vacinas e métodos diagnósticos. Trocando em miúdos, pesquisa o DNA das bactérias para saber a causa da doença, diagnóstico, tratamento e prevenção.
Bolsa: R$ 4,1 mil


Sonho desmoronado


Fillipe Luiz Rosa do Carmo, 35, pós-doutorando



De Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, está há um ano no pós-doutorado. Defendeu a tese de doutorado com a tutela entre a França e UFMG, por meio do Laboratório Internacional Associado. Formado em farmácia pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), mestre pela Universidade de São Paulo (USP), passou em primeiro lugar no Programa Nacional de Pós-Doutorado da área de genética, seleção que lhe permitiu ter uma nova bolsa, já que a outra venceu no último dia 31. Surpreendido com o congelamento da Capes, viu o sonho desmoronar. A decisão foi dura. Voltará para a cidade do interior do estado, onde a mulher é professora. “Não tenho condições de me manter em BH e a pesquisa também está sem condições de se manter, porque nós e os colaboradores estamos sem financiamento do governo para insumos”, diz. Conseguimos no doutorado patentear três pesquisas que desenvolvemos, sendo que duas são para um produto para tratamento de inflamações do intestino causados por quimioterápicos.

O QUE ESTÁ EM RISCO

Estudos sobre as inflamações do intestino causados por quimioterápicos e as implicações de inflamações intestinais associadas à depressão. A pesquisa analisa a ligação entre elas e busca ainda resposta para a possibilidade do uso de bactérias probióticas para desenvolver um alimento funcional e auxiliar nos tratamentos convencionais.
Bolsa: R$ 4,1 mil


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