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Estado de Minas

Psicólogos e terapeutas oferecem apoio a familiares das vítimas de Brumadinho

Voluntários de ONGs, igrejas, instituições, além de profissionais contratados pela Vale levam apoio para ajudar atingidos a assimilar a tragédia. Objetivo do trabalho é prevenir a depressão e o risco de suicídio no futuro


postado em 02/02/2019 06:00 / atualizado em 02/02/2019 07:43

Psicólogos e assistentes sociais se reúnem em unidade de saúde de Brumadinho para saber para onde serão deslocados no atendimento a familiares das vítimas da tragédia(foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Psicólogos e assistentes sociais se reúnem em unidade de saúde de Brumadinho para saber para onde serão deslocados no atendimento a familiares das vítimas da tragédia (foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Brumadinho – “Estou vivendo fases, não sei como será amanhã. Vivo um dia de cada vez.” Elaine Gomes Costa Santana, de 41 anos, perdeu o filho mais velho, David Marlon Gomes Santana, de 24, vítima da barragem do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de BH, que se rompeu na última sexta-feira e levou tudo que estava pela frente. Passado o sepultamento precoce do jovem, Eliane busca forças e ajuda psicológica para seguir em frente. Tratar a saúde mental torna-se prioridade para aqueles que ficaram. Aplicação de Reiki, de auriculoterapia e uso de florais também estão sendo recomendados.


A preocupação tem fundamento. No ano passado, o Núcleo de Pesquisa e Vulnerabilidade em Saúde da UFMG (Naves) e a Cáritas Regional Minas Gerais, divulgaram uma pesquisa que avaliou o quadro psicológico dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, em Mariana, na Região Central do estado. Os dados indicaram um quadro de depressão em 28,9% da população de indivíduos afetados, percentual cinco vezes superior ao constatado na população geral do país (5,8%) segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A depressão é um transtorno que afeta 11,5 milhões de brasileiros. O risco de suicídio foi identificado em 16,4% dos entrevistados.

Para evitar que o índice se repita com as vítimas da tragédia de Brumadinho, muitos voluntários de diferentes frentes – ONGs, igrejas, instituições – e profissionais contratados pela Vale estão tentando ajudar os atingidos a superar ou assimilar o que ocorreu no dia 25 de janeiro. Por toda parte na cidade é possível encontrar pessoas com um adesivo ou um crachá improvisado com a identificação “psicólogo”. Muitos batem de porta em porta para oferecer atenção aos que mais precisam. Uma das iniciativas é da ONG Nação, que trouxe dezenas de profissionais para tratar a saúde mental dessas pessoas. “Temos várias frentes. Equipes acompanhando velórios e outras acompanhando pessoas que estão no pior do momento: a tortura de não saber onde está seu ente querido”, explicou a psicóloga da ONG, Rosana Dório, que é pós-doutora em luto em situação de tragédia e atuou no acolhimento das famílias das vítimas da Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, há seis anos. “O impacto de uma notícia dessa já é terrível, mas, quando o impacto se prolonga, essas pessoas vão se machucando cada vez mais”, acrescentou.

Por isso a busca ansiosa por listas atualizadas com os nomes angustia tantas famílias. O Corpo de Bombeiros luta contra o tempo em busca de pessoas vivas soterrada pelo mar de lama. Entretanto, sabe-se que as chances já são muito pequenas. Encontrar o corpo, no entanto, é importante para que as pessoas encerrem o ciclo da vida por meio de um velório digno e de um enterro. “Se a pessoa não fecha o ciclo, ela fica em um estado de sofrimento que pode até mesmo afetar a fisiologia dela”, disse. Portanto, neste primeiro momento, o objetivo é ouvir. Para minimizar o sofrimento, é preciso entender as necessidades básicas do “paciente”. Assim, mais que compartilhar o sofrimento, a vítima pode dar vida, por meio da lembrança, àquilo que está perdendo.“Fazer reviver essa vida é fundamental para sobrevivência psíquica. Ajudamos na transição entre o ter e o perder.”

Tristeza sem fim Elaine, que perdeu o filho David, procurou ajuda psicológica em um posto de saúde da zona rural de Brumadinho. “É a segunda vez que eu venho. Está sendo muito importante para entender o que está acontecendo”, disse ela, ainda com o os olhos cansados e marejados. O ciclo de David foi encerrado com o sepultamento, na última terça-feira. A prima dela, Zilma Gomes, de 61, está também devastada com a perda de “seu filho de coração”, mas acredita que o maior sofrimento era de não saber se o jovem estava vivo ou morto até a identificação do corpo.

Johnny de Andrade, de 25, acompanhou a avó ao mesmo posto onde estava Elaine. “Graças a Deus, todos nós sobrevivemos. Mas, a lama pegou duas casas e três chácaras. Desde então, ela está desnorteada”, contou, enquanto a senhora era atendida pelo psicólogo. “Ela já tinha problema com glicose, mas, desde então, a taxa começou a subir muito. Fica muito nervosa, cabeça fraca. Melhor vocês (reportagem) nem falarem sobre isso com ela, porque começa a passar mal”, lamentou o jovem. “A ficha ainda não caiu”, acrescentou ele, que carrega a lembrança de ver o mar de lama descer pela janela da cozinha e toda a família correr para o carro para escapar.

De acordo com a psicóloga Rosana, sintomas são considerados “normais” em situações “anormais”, como o rompimento da barragem. “Sono, grito, choro, pesadelo, falta de apetite, diarreia e vômito são sintomas esperados em caso de situação traumática. O evento traumático causa um impacto na pessoa. Em alguns casos, a estrutura psíquica suporta e as vítimas conseguem sair sem adoecimento”, informou. Para isso, no entanto, o trabalho precisa ser ininterrupto: “O acompanhamento tem que ser continuo. Atuamos há seis anos como voluntários com as vítimas do incêndio da Boate Kiss”.

No Espaço Conhecimento, em Brumadinho, onde as vítimas estão concentradas, aguardando a notícias dos entes queridos, a Vale contratou 45 psicólogos da empresa Optum para ficar 24 horas à disposição de quem necessite. De acordo com Carmem Cremonezi, gerente de operações de bem-estar da empresa, a procura é significativa. Não foi possível levantar números. Psiquiatras e psicólogos da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) também fazem plantão para dar suporte às famílias. Os profissionais estão atuando também no apoio a parentes no Instituto Médico-Legal (IML) de Belo Horizonte. Médicos legistas estão sendo liberados para reforçar a equipe.

TRATAMENTO ALTERNATIVO Outro trabalho importante oferecido pela Secretaria de Saúde de Brumadinho é o tratamento com auriculoterapia – técnica de acupuntura em pontos do ouvido externo – para diagnóstico e tratamento, além de  aplicação de Reiki e uso de floral. “A auriculoterapia trabalha o estresse, o medo e aumenta a imunidade. Também trabalhamos com terapia de florais, distribuindo as doses emergenciais para trabalhar e centrar a pessoa”, contou Zuma Borsato, enfermeira acupunturista da rede de saúde da cidade. Os medicamentos psiquiátricos ainda podem ser necessários em alguns casos, mas o trabalho psicológico e terapêutico pode ajudar no alívio momentâneo dessas famílias. Elaine Gomes Costa Santana terminou a sessão com o psicológico e fez os três procedimentos. “Estou muito mais relaxada, fiquei até com sono”, relatou ela. Zuma atende cerca de 10 pessoas por dia.


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