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Estado de Minas

Especialista analisa desastre em Brumadinho

Engenheiro considera que trabalho de encerramento das atividades da Mina Córrego do Feijão pode ter afetado a estabilização. Preocupação agora é com as áreas minerárias de Congonhas


postado em 27/01/2019 05:08 / atualizado em 27/01/2019 09:07

Barragem que estava sendo desativada tinha 86 metros de altura e comprimento da crista de 720m. Os rejeitos dispostos ocupavam área de 249,5 mil metros quadrados (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Barragem que estava sendo desativada tinha 86 metros de altura e comprimento da crista de 720m. Os rejeitos dispostos ocupavam área de 249,5 mil metros quadrados (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Os trabalhos para a “aposentadoria” da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, podem ter contribuído para o rompimento. Por meio de nota, a Vale afirmou que se encontrava “em desenvolvimento o projeto de descomissionamento da mesma”, ou seja, de desativação. No fim do ano passado, a vale recebeu licença para o reaproveitamento dos rejeitos no local e para o encerramento das atividades. Na avaliação de especialista, essa é mais uma de várias outras tragédias que Minas vai assistir nos próximos anos. Preocupação agora é com as áreas minerárias de Congonhas, Região Central do estado.


De acordo com a Vale, a barragem tinha como finalidade a deposição de rejeitos provenientes da produção. “A mesma estava inativa (não recebia rejeitos), não tinha a presença de lago e não existia nenhum outro tipo de atividade operacional em andamento. No momento, encontrava-se em desenvolvimento o projeto de descomissionamento da mesma”, afirma a nota. Ainda de acordo com a empresa, a barragem foi construída em 1976, pela Ferteco Mineração (adquirida pela Vale em 27 de abril de 2001), pelo método de alteamento a montante. Trata-se de um método em que vários degraus são erguidos contra o talude ou contra a parede da estrutura que dá sustentação à barragem, à medida que a quantidade de rejeitos aumenta. A altura da barragem era de 86 metros, o comprimento da crista de 720 metros. Os rejeitos dispostos ocupavam área de 249,5 mil metros quadrados e o volume disposto era de 11,7 milhões de metros cúbicos.


A mineradora voltou a afirmar que a barragem tinha declarações de estabilidade, “emitidas em 13/6/18 e em 26/9/18, referentes aos processos de Revisão Periódica de Segurança de Barragens e Inspeção Regular de Segurança de Barragens, respectivamente”. Acrescentou que o local tinha “fator de segurança de acordo com as boas práticas mundiais e acima da referência da norma brasileira. Ambas as declarações de estabilidade mencionadas atestam a segurança física e hidráulica da barragem”. E que passava por inspeções de campo quinzenais. A mineradora ainda não sabe dizer os motivos para o ocorrido.


Professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e da pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o engenheiro hidráulico Carlos Barreira Martinez diz que é arriscado falar na hipótese, mas que é possível que o processo de descomissionamento tenha sido gatilho para o desastre. “Quando passa com caminhões em área que contém mistura de água e rejeito muito fino de minério, somado à sobrecarga, causa a liquefação do material e pode funcionar como gatilho para desestabilização e rompimento estrutural. Mas, tudo tem que ser investigado”, diz. Ele explica que o tipo de construção com alteamento para montante tem alguns problemas do ponto de vista operacional. “Não pode ser levado muito rápido, tem que ser lento, para dar tempo de o minério ser drenado. E não pode fazer um carregamento muito forte”, afirma.

ARAPUCA Outro ponto grave considerado pelo engenheiro é o fato de o escritório estar localizado embaixo da barragem. “É um potencial de dano enorme. Como a empresa coloca os funcionários embaixo de tudo? É uma arapuca. Puxou o gatilho, a arapuca cai”, afirma. O especialista compara a barragem ao corpo humano para explicar os motivos pelos quais houve rompimento dessa dimensão num local que não constava em relatórios de danos de órgãos diversos. “Há um monte de pessoas à nossa volta. Algumas com problema de coração, outras com problema de fígado ou pulmão. Alguém morre, e não é a que estava doente. Havia um problema que não foi detectado e a coisa foi acontecendo”, compara. “A estrutura não entra em colapso de uma hora para outra. Elas dão sinais. É preciso instrumentalizar e analisar o dado, mas as empresas não investem no conhecimento. Querem apenas tirar minério, exportar e fazer dinheiro. Não se interpreta a imagem para resolver o problema.”


Para o especialista, duas atitudes poderiam diminuir os riscos. A primeira é seguir a Lei de Segurança de Barragens e outra é o Exército participar do processo de segurança, inclusive, na fiscalização – linha adotada nos Estados Unidos, que viveram pesadelos semelhantes no início do século 20. Na opinião de Martinez, uma intervenção federal nas áreas da Vale, mantidas as garantias do corpo societário da empresa, para análise do que está ocorrendo, seria importante nesse caso.  
O professor estima situações ainda piores. “Não vai mudar. Vamos ter acidente muito pior daqui a dois ou três anos. Temos centenas de estruturas com problemas no país e estamos criando um passivo atrás do outro. E o grande passivo na área de mineração está em Minas Gerais. Meu grande medo é Congonhas.”

RISCO A cidade dos profetas de Aleijadinho, na Região Central do estado, cuja economia também é movida pela mineração, viveu, nos últimos tempos, uma batalha pela estabilidade das barragens. No início do ano passado, um comandante do Corpo de Bombeiros foi transferido depois de considerar uma área de exploração da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) propensa a rompimento.


Em setembro de 2017, o Estado de Minas mostrou que a situação das obras na barragem era tão grave que o governo do estado criou um comitê próprio para traçar um plano de evacuação, independentemente das ações da empresa. Em dezembro daquele ano, a CSN e a prefeitura começaram a desenvolver treinamentos e sinalizações de alerta para as comunidades ameaçadas pela barragem. A mineradora apresentou ao Ministério Público documentos atestando a estabilidade da estrutura e a conformidade com exigências feitas pela promotoria.


Ano passado, laudo da Central de Apoio Técnico (Ceat) e do Núcleo de Crimes Ambientais (Nucrim) do Ministério Público declararam a estabilidade da Casa de Pedra. A estrutura é uma das mais perigosas do estado, pois se ergue sobre três bairros com cerca de 4,8 mil pessoas que estão no raio de uma ameaça em caso de rompimento.


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