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Estado de Minas

Refugiados enfrentam o desafio de reconstruir sua vida no novo ano em BH

Venezuelano, José Miguel celebra a acolhida e sonha com a vinda de parentes


postado em 01/01/2019 06:00 / atualizado em 10/06/2019 19:58

O venezuelano José Miguel conta com a acolhida de duas novas família: Ederlei e Márcia Martins e os filhos deles Murilo e Marcela, e o casal Márcia Andrade e Alexandre Perdigão(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press.)
O venezuelano José Miguel conta com a acolhida de duas novas família: Ederlei e Márcia Martins e os filhos deles Murilo e Marcela, e o casal Márcia Andrade e Alexandre Perdigão (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press.)

Virada de ano é sinônimo de confraternização, balanço pessoal e expectativas para a nova jornada. É tempo também de reunir a família e os amigos para celebrar e curtir as pessoas queridas. Entretanto, o direito de usufruir desse clima de afeto e paz é tirado de muitos. A perseguição à raça, religião, nacionalidade ou posição política faz com que muitas pessoas sejam obrigadas a abandonar seus países, lares e cidades e recomeçar a vida do zero. E o coração aperta pelo desencontro. “Saiba aproveitar e valorizar a sua família. Saiba dar um abraço, falar eu te amo. O afeto é o que temos de mais importante. E estar separado dos familiares é muito difícil,” aconselha o jovem José Miguel Silva, de 25 anos. José está longe da família há nove meses, quando partiu da Venezuela rumo ao Brasil. E teve que passar o Natal e e o Ano-Novo longe dos pais e dos irmãos. Mas com esperança de um futuro melhor, acolhido por duas famílias belo-horizontinas, que agora chama de suas.

Ainda um pouco acanhado ao comentar os motivos que o trouxeram à capital mineira, José disse que não foi uma escolha: era líder estudantil e fazia oposição ao governo atual de seu país. Foi privado de liberdade duas vezes – uma em 2014 e outra em 2017. Depois, sua família começou a ser ameaçada de morte. “Fui obrigado a sair da Venezuela. Foi necessário pelo bem-estar das pessoas que amo. Até então, nunca havia pensando em fazer isso, mas acredito que a sociedade deve participar da política. E eu estava muito envolvido”, apontou o jovem, que já se comunica muito bem em português. Para ele, um dos maiores desafios foi deixar o pai, que tem 70 anos e mora sozinho. “Dói muito”, resumiu.

Todos os dias, dezenas de venezuelanos em situação parecida com a de José ingressam no Brasil em busca de uma vida melhor. Quando não são perseguidos, vêm no fluxo migratório provocado pelo agravamento da crise político-econômico no país, governado pelo presidente Nicolás Maduro. A Venezuela vive um cenário de cortes de programas sociais, inflação nas alturas, escassez de alimento. 

A nova etapa da vida do venezuelano José, que se desenrola na capital mineira, começou em 2018. A mudança dele para Belo Horizonte ainda está sendo um processo de descobertas, desafios e muita aprendizagem. José deixou dois irmãos, os pais e amigos em sua cidade natal. Também precisou abandonar o curso de psicologia, no qual já estava para se formar. Ele saiu da cidade por via terrestre, passou por Boa Vista (RO) e chegou à capital mineira em 13 de março. E tudo isso sem conhecer praticamente ninguém. “Vim sozinho. Mas já conhecia o Brasil, em especial, Belo Horizonte. Estive na Jornada Mundial da Juventude de 2013. Conheci uma família e, quando precisei de abrigo, entrei em contato com ela”, conta o jovem. A partir daí, várias pessoas o ajudaram. Hoje, está acolhido em uma casa paroquial no Bairro Planalto, na Região Norte de BH. “Fiz amigos de verdade, são todos como uma grande família. São pessoas que acreditam em mim e me deram muitas oportunidade em um momento em que eu não tinha nada”, completou.

Solidariedade


A enfermeira Márcia Andrade, de 35, e o professor Alexandre Perdigão, de 36, foram os primeiros a acolher o jovem venezuelano. “Conhecemos José Miguel em 2013, na Semana Missionária da Jornada Mundial da Juventude. Estávamos organizando a vinda de mais de 200 jovens do México, Venezuela e Argentina. Desde então, esse contato permanece, por meio das redes sociais”, contou Márcia. Passado algum tempo, os venezuelanos começaram a relatar os horrores que estavam vivendo: falta de comida, baixos salários, falta de emprego e repressão. “Até que um dia José nos contou que estava correndo risco de morte e que precisava do nosso apoio. Antes disso, nunca tínhamos acolhido ninguém e não sabíamos como ele deveria proceder. Só sabíamos que ele precisava do nosso apoio para dar seguimento à sua vida”, revelou a enfermeira.

O casal começou a pedir doações para garantir moradia e emprego a José. “Ele é uma pessoa muito esforçada e dedicada. chegou aqui com o objetivo de trabalhar para trazer sua família, que sofre com a loucura que seu país se tornou. E não há como não se emocionar quando se ouve que ele teve apontada uma arma para sua cabeça e viu sua mãe deixar de comer para o alimentar. É gratificante ouvir a mãe dele agradecer por tudo o que fizemos por ele e escutar dele que não tem preço voltar para casa e ter sua família para abraçar”, contou a mulher. O percurso de José foi inspirador.  Márcia diz que, diante disso tudo, aprendeu a dar valor às pequenas coisas do dia a dia, como condição poder fazer suas refeições, conviver com a família e voltar para o lar depois do trabalho: “São pequenas coisas cuja real importância só alcançamento depois que conhecemos a realidade do outro.”

A família de outra Márcia, essa de sobrenome Martins, de 47, também abriu os braços para acolher José. “Ele chegou magro, nos contando a realidade lamentável da Venezuela. É um rapaz educado, prestativo e acabou cativando a família”, comentou. Márcia ficou muito sensibilizada com a história dele. “Fiquei muito assustada com a falta da liberdade de expressão imposta pela ditadura. Uma cruel realidade”, lamentou.

Assim como no Natal, o Ano-Novo é um momento importante para José. E, pela primeira vez, passou as festas longe da família de sangue. “Vou tentar fazer videoconferência. Mas ter internet é difícil para eles. Lá, temos muitos problemas com esse tipo de serviço. Meu pai, por exemplo, precisa sair de casa para tentar contato”, planejou. Em Belo Horizonte, convites não lhe faltaram e José terminou se dividindo nas comemorações. Natal com uma família e Ano-Novo com a outra.

O maior desejo de José é encurtar essas distâncias, por isso, quer que 2019 seja um ano de encontros, já que 2018 foi marcado por tantas despedidas. Ele conta que pretende trazer o irmão para BH e, em seguida, rever toda sua família. “Como não posso voltar, pois serei preso, vamos dar um jeito de nos encontrar aqui no Brasil”, planeja. E não está sozinho nesta missão. As pessoas que o acolheram também querem que o sonho de José se concretize: “Que a gente consiga, com a ajuda de muitos. Quem sabe ano que vem nossa ceia não se multiplica e conseguimos colocar mais quatro pratos à mesa? Desejo não falta, vontade também não”, completou Márcia.


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