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Estado de Minas

Liberação de depósito de rejeitos de minério em Nova Lima assombra vizinhança

MP prepara recurso contra decisão que liberou deposição de rejeitos e obras em complexo minerário que poderá abrigar mais de cinco vezes a lama liberada na tragédia de Mariana


postado em 12/11/2018 06:00 / atualizado em 12/11/2018 07:19

Movimentação no vale que deve ser coberto por lama de rejeitos de mineração, a poucos metros de comunidades: moradores perdem o sono e MP tenta embargar construções(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Movimentação no vale que deve ser coberto por lama de rejeitos de mineração, a poucos metros de comunidades: moradores perdem o sono e MP tenta embargar construções (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)


Em um vale que sustenta plantações de eucalipto a mais de 100 metros de altura, uma frota de caminhões circula carregada de terra e pedras, ao lado de tratores e operários que aos poucos erguem uma das maiores barragens de rejeitos de minério de ferro da Grande BH. Por enquanto, no fundo desse vale, o dique de partida, a estrutura inicial sobre a qual a barragem vai se desenvolver, ainda é pequeno e não parece ameaçar ninguém. Mas o que apavora a vizinhança formada por dois condomínios e quatro propriedades rurais é justamente a fase em que a represa começará a receber rejeitos e sucessivos alteamentos, atingindo as raízes das árvores no alto dos morros. As obras estão a todo vapor. E o Ministério Público (MP) corre contra o tempo para tentar frear, mais uma vez, a implantação desse imenso reservatório, chamado Maravilhas 3, construído pela gigante da mineração Vale, com capacidade de armazenagem três vezes maior que o volume que vazou da Barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, no maior desastre socioambiental da história do país (veja arte).

Segundo a promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Nova Lima, Cláudia Ignez, o MP prepara um recurso na coordenação da Procuradoria de Justiça de Defesa dos Direitos Difusos e Coletivos, que atua junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em decisões de segunda instância. A procuradoria foi acionada depois que a tutela de urgência que obteve a paralisação do lançamento de rejeitos no complexo, deferida em outubro, foi cassada no fim do mesmo mês. Mas a batalha é bem mais antiga. No fim de outubro do ano passado, o MP já havia conseguido liminar suspendendo o andamento do projeto de Maravilhas 3, mas a decisão foi revogada. O argumento dos representantes do Ministério Público é que, além de colocar em risco direto as populações vulneráveis, um eventual colapso das barragens tem potencial para afetar até o suprimento de água da Região Metropolitana de BH, já que a lama escorreria pela calha do Rio das Velhas, de onde sai 48% do abastecimento da população da Grande BH.

É essa a ameaça que Crysta Alves, moradora do Condomínio Estância Alpina, vê crescer dos fundos de sua casa, onde observa aterrorizada o avanço da construção da Barragem de Maravilhas 3, que, caso se rompa e siga pelo vale, como ocorreu no desastre da Samarco, há três anos, arrasaria sua propriedade e a de dezenas de vizinhos. De acordo com a mineradora Vale e com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a estrutura conseguiu todas as licenças e seguirá o Plano de Segurança de Barragens, contando com oito sirenes de alerta e treinamento de autossalvamento para os moradores da área mais vulnerável.

Mas isso não tranquiliza de forma alguma os moradores que acompanham aflitos a construção do empreendimento. “Já foi estimado que, caso ocorra o rompimento dessa barragem, a lama e os rejeitos que estiverem estocados ali levarão apenas 24 segundos para atingir as primeiras casas. Nem com sirenes ou treinamento seria possível escapar de uma onde vindo nessa velocidade e com essa abrangência”, disse o advogado, Gustavo Rocha Miranda, de 33, que é o síndico do Condomínio Estância Alpina.

Para Crysta, o avanço da barragem não é o início de um pesadelo, mas a continuação de um tormento, pois sua propriedade já se encontra sob o barramento de Maravilhas 2, estrutura também operada pela mineradora Vale e que retém 101 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Sozinha, essa represa já corresponde a duas vezes e meia a quantidade de material originário das minerações da Vale e da Samarco na Barragem do Fundão, cujo rompimento vitimou 19 pessoas, atingiu outras 500 mil e devastou a Bacia do Rio Doce e até o litoral brasileiro. Para Maravilhas 3, a previsão é de armazenagem de 108 milhões de metros cúbicos.

“Estou aqui desde antes da chegada dessas duas barragens. Cheguei em 1998, quando havia poucas casas. Meus vizinhos já estão apavorados. Gostaria de me mudar, mas não está fácil conseguir quem queira comprar um imóvel aqui, ainda que de fim de semana”, conta Crysta Alves. Um dos pedidos constantes da última ação ajuizada pelo Ministério Público é exatamente que a mineradora Vale indenize os moradores das áreas mais ameaçadas, mediante a aquisição de todas as propriedades imobiliárias situadas na zona de autossalvamento – como é definida a área em que o poder público não teria tempo de socorrer as comunidades em caso de colapso, e as vítimas em potencial teriam de tentar se salvar por conta própria.

VIZINHANÇA INTRANQUILA Enquanto não há decisão de mérito sobre a ação, de acordo com a moradora, a Vale tem feito uma política de boa vizinhança na medida do possível, restringindo obras nos fins de semana, mas isso é pouco para trazer tranquilidade, avalia. “Não temos informações sobre as reais dimensões e medidas para nos proteger contra uma tragédia. Assim, não vai ter como conseguir passar uma noite tranquila aqui. E olhe que a obra ainda não começou ainda plenamente e está a apenas 10 quilômetros da minha casa”, disse.

O síndico do Estância Alpina, Gustavo Miranda, conta que mesmo com todos os esforços e licenças, o empreendimento já trouxe transtornos. “Foram inúmeras explosões em fins de semana, tráfego intenso de caminhões trazendo muitos ruídos e levando poeira das estradas e da obra para os vários condomínios e propriedades”, disse. Para ele, a única forma de solucionar o problema seria interromper as obras e abandonar o empreendimento. “Não há como ter segurança e tranquilidade com esse tipo de obra, duas barragens enormes em volta dos condomínios. A solução é não ter nada. Ou então indenizar todos que vivem abaixo. Comprei este terreno para um plano de vida com a minha esposa, uma vida mais tranquila no futuro. Mas não tenho coragem de construir nada aqui mais. E ninguém mais consegue vender. Quase ninguém vem mais nos fins de semana”, disse Miranda.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


Mineradora diz que barragens são seguras


A mineradora Vale informou, por meio de nota, que a Barragem de Maravilhas 2 foi construída pelo método de alteamento a jusante, o mesmo que será usado em Maravilhas 3, o que as difere em termos de segurança da Barragem do Fundão, que tinha alteamento a montante. A diferença das duas técnicas construtivas é que o alteamento a montante segue na direção de onde vem o rejeito, fazendo com que a estrutura, ao ser alteada, se apoie sobre o espraiamento de areia que desce com o rejeito já acumulado. No outro método, o alteamento ocorre na frente do barramento inicial, se apoiando no solo firme e na estrutura de barragem. “Isso permite a compactação de todo o corpo da barragem, melhor controle da drenagem interna e maior resistência a sismos (tremores de terra), além de não apresentar risco de liquefação do maciço”, sustenta a empresa.

Segundo a mineradora, a disposição de rejeitos em Maravilhas 3 ainda não foi iniciada, porque a barragem se encontra em processo de construção. A Vale afirma que as duas barragens estão seguras. Maravilhas 2 tem um Plano de Segurança de Barragens e Plano de Ação de Emergência de Barragens “conforme define a Portaria 70.389/2017 do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), e passa por auditorias e revisão periódica de segurança, sendo a última em setembro deste ano. Maravilhas 2 também possui Declaração de Condição de Estabilidade emitida por auditor externo”, informou a Vale.

Em relação a Maravilhas 3, os planos de Segurança e o de Ação Emergêncial de Barragens estão em elaboração. “Serão protocolados junto à Defesa Civil e à prefeitura no início da operação. Salienta-se que Maravilhas 3 cumpriu todos os processos requeridos na fase de licenciamento ambiental, possuindo Licença Ambiental de Instalação emitida pela Semad.” Um levantamento realizado pela Vale, em parceria com a Defesa Civil de Nova Lima e a comunidade local, estimou uma população de 53 pessoas na zona de autossalvamento de Maravilhas 3. “Já foram instaladas e testadas todas as oito sirenes previstas para a área e, conforme prevê a legislação, serão realizados treinamentos internos e externos”, informou a mineradora.


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