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Estado de Minas

Estado de Minas 'redescobre' obras de Athos Bulcão em Belo Horizonte

No momento em que uma exposição em cartaz na capital mineira celebra os 100 anos do 'artista de Brasília', reportagem rastreou duas obras assinadas por ele


postado em 22/04/2018 06:00 / atualizado em 22/04/2018 07:39

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press(foto: Peças em madeira azul e verde permanecem no auditório da Secretaria Regional Oeste, com função acústica: obra além da azulejaria)
Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press (foto: Peças em madeira azul e verde permanecem no auditório da Secretaria Regional Oeste, com função acústica: obra além da azulejaria)

Apenas 43 passos separam dois tempos da história do artista plástico Athos Bulcão (1918-2018), mestre na arte da azulejaria, nas relações com Belo Horizonte. Na Praça da Liberdade, do mesmo lado da rua, estão o Edifício Niemeyer, referência moderna com a fachada revestida pelos ladrilhos hidráulicos assinados por ele, e a exposição comemorativa do centenário de nascimento do carioca, atração do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Quem se dispuser a conhecer mais sobre o trabalho de Bulcão, chamado de “o artista de Brasília”, vai se surpreender ao encontrar duas obras no prédio da Secretaria Regional Oeste, no Bairro Salgado Filho. A rigor, foi uma descoberta até para a equipe do Estado de Minas, pois, no site da Fundação Athos Bulcão, que registra as obras do artista plástico, a informação era de que duas peças dele, com função acústica, estão no prédio do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em BH.

Com essa informação, e a partir da entrevista com a secretária-executiva da fundação, Valéria Cabral, que confirmou a existência dos trabalhos, a matéria começou a ser apurada. Contudo, a assessoria do TCE informou que não guardava as peças. A segunda opção, aleatoriamente, foi procurar no Tribunal de Contas da União (TCU) em Minas.


De novo, veio a negativa dos assessores que trabalham na sede, na Rua Inconfidentes, no Bairro Funcionários, na região Centro-Sul da cidade. Mais pesquisa e, rastreando os trabalhos, foi possível chegar ao à ex-sede do TCU, hoje cedida à Prefeitura de Belo Horizonte para funcionamento da Regional Oeste. Novos contatos com a PBH e as portas se abriram: no local do antigo plenário, estão as obras em verde e azul. A localização foi comunicada à secretária-executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral.


Em BH, há obras também no acervo da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, no Bairro Gameleira, na Região Oeste. Como perda lamentável, vem a revelação de que, num shopping da região da Pampulha, as peças foram retiradas sem deixar resquícios, deixando apenas a pintura branca no lugar de cores vibrantes. Na capital, conforme explicou Valéria, o então jovem artista foi assistente de Cândido Portinari (1903-1962) no painel sobre a vida de São Francisco. Ela diz que Athos Bulcão apenas pintou os azulejos, ficando toda a criação a cargo de Portinari.

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


INTERROGAÇÃO A vida do artista tem sabor de descoberta para todos os públicos. Basta observar e acompanhar um grupo de professores na Praça da Liberdade. Os olhos deles brilharam diante do Edifício Niemeyer e, no semblante de alguns, veio a interrogação ao ouvir o nome de Athos Bulcão (1918-2018), o carioca de múltiplos talentos que deixou vasto legado mundo afora, principalmente em azulejaria. Durante visita ao espaço público, na Região Centro-Sul da capital, a turma da rede municipal viu, à luz do conhecimento, o prédio de 1954 projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e dono, na fachada, das peças azuis e brancas assinadas por Bulcão.


“Estamos fazendo muitas descobertas aqui na praça”, disse Gláucia Botelho, da Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) Padre Tarcísio, na Vila Marçola, também na Centro-Sul, ao fazer a visita guiada. Os belo-horizontinos podem se orgulhar, já que há outros trabalhos do artista plástico, como na Secretaria Regional Oeste da prefeitura, no Bairro Salgado Filho.


No mesmo grupo, Fábio Júnior Oliveira Rodrigues, da Umei Jardim Guanabara, na Região Norte, se mostrava surpreso ao aliar o nome do artista plástico à obra. “Sei da importância de Oscar Niemeyer para BH, conhecia este prédio, mas não tinha ideia de quem era Athos Bulcão. Esse tipo de informação, sobre o patrimônio cultural, é de grande valor”, afirmou Fábio Júnior, único homem do grupo e que trazia, assim como as 20 colegas, páginas impressas com fotos e texto sobre os monumentos do Circuito Liberdade. À frente do grupo estava a coordenadora do curso de formação de professores de educação infantil da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a pedagoga Ana Cláudia Figueiredo, e a professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) Marília Ávila, que dava as explicações sobre o conjunto.


A exposição citada pela educadora está a apenas 43 passos do Edifício Niemeyer e celebra os 100 anos de nascimento de Athos Bulcão: no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), são apresentadas as diferentes atuações do carioca morto aos 90 anos, a exemplo de cenografia, figurino, fotografia, pintura, desenho e escultura, e um segmento dedicado a artistas mais jovens que o têm como referência. Bem na lateral esquerda, tendo o Edifício Niemeyer como cenário, há um cubo gigantesco, com réplicas dos ladrilhos hidráulicos (20cm x 20cm) da fachada do prédio e azulejos de outros de Brasília e São Paulo.

ÍCONE Presente à abertura da mostra 100 Anos de Athos Bulcão, que vai até 24 de junho, a secretária-executiva da Fundação Athos Bulcão, Valéria Cabral, lamenta a situação dos ladrilhos hidráulicos da fachada do prédio ícone do nobre espaço público. “Estavam imundos e, como opção perigosa, fizeram uma limpeza no estilo lava-jato, usando um produto químico que tirou a cor original das peças. Enfim, ficou descaracterizado em toda a extensão”, disse Valéria, que trabalha há 22 anos na fundação criada há 25 e se refere ao artista plástico como professor. “Em Brasília, há 260 obras do professor. Ele é matéria obrigatória no quarto e quinto períodos do ensino fundamental da rede pública”, contou.


No cubo, há também uma referência aos azulejos criados, na década de 1990, especialmente para um shopping da Região da Pampulha. “Eram nas cores amarelo, laranja e preto”, conta Valéria Cabral, mostrando a face em preto e branco com a assinatura do artista. Hoje, trata-se apenas de uma sessão nostalgia, pois saíram de cena em 2006 para não voltar. O sentimento de perda domina o ambiente, mas, bola para frente e a secretária-executiva cita outras obras em BH: o acervo da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, no Bairro Gameleira, na Região Oeste.


No Bairro Salgado Filho, o trabalho de Bulcão também pode ser admirado, desta vez no auditório da Secretaria Regional Oeste. São duas peças em madeira, uma azul e outra verde, nas laterais, com função acústica para o antigo plenário de 60 lugares. Inaugurado em 1997, o prédio era ocupado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) até ser cedido, por tempo indeterminado, à PBH. Segundo Valéria Cabral, o projeto esteve a cargo do arquiteto João Filgueiras Lima (1931-2014), conhecido como Lelé, e responsável pelos edifícios-sede do TCU Brasil afora. “Na verdade, o arquiteto dizia que projetava para Athos integrar”. Valéria explica que o artista se preocupa com tudo, do desenho a estudo de cores, passado pelo tom dos tapetes. “Nada era por acaso, obedecia a critérios.”


A ligação de Bulcão com Belo Horizonte passa pelas mãos de Oscar Niemeyer, com quem trabalhou muito em Brasília (DF). Os dois se conheceram na casa do paisagista Burle Marx (1909-1994), criador dos jardins da Igreja São Francisco de Assis, do Museu de Arte da Pampulha (MAP) e outros no entorno da Lagoa da Pampulha. Jovem, Athos estava fazendo um desenho, o qual agradou Niemeyer. Na sequência, o arquiteto disse que ele poderia fazer azulejos para o teatro municipal de Belo Horizonte, que nunca saíram do papel. Na capital, o jovem foi assistente de Cândido Portinari (1903-1962) no painel sobre a vida de São Francisco. Valéria Cabral explica que Athos Bulcão apenas pintou os azulejos, ficando toda a criação a cargo de Portinari.

REVESTIMENTO Sobre a limpeza do Edifício Niemeyer (de 15 andares, com 45 metros de altura e um terço ocupado por ladrilhos hidráulicos, onde não há janelas), o engenheiro Frederico Alexandre Costa Alves, da MKS Edificações, responsável pela restauração, informa que os “ladrilhos hidráulicos estavam naturalmente descorados”. Para se fazer uma comparação, explicou, foi deixada, “sem lavar”, uma faixa do lado da Avenida Brasil. Frederico acrescenta que a limpeza foi manual, embora com uso de produtos químicos para tirar o encardido do revestimento.  Já a direção do Shopping Del Rey, em nota, informa que o painel de revestimento, assinado por Athos Bulcão, integrou o projeto arquitetônico original do centro de compras. “A obra ficou na portaria de entrada do empreendimento durante 15 anos e foi encoberta após apresentar sinais de desgastes naturais do tempo, que comprometeram a forma estética criada pelo artista. A tomada de decisão sobre o processo de revitalização do espaço foi analisada por uma equipe de especialistas, comandada pelo arquiteto responsável pelo projeto. Antes de optar pela substituição da serigrafia, os responsáveis verificaram a lista de obras tombadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).”


QUEM FOI


» Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro em 2 de julho de 1918 e passou a infância em Teresópolis (RJ). Perdeu a mãe, Maria Antonieta da Fonseca Bulcão, de enfisema pulmonar antes dos cinco anos, sendo criado com o pai, Fortunato Bulcão, entusiasta da siderurgia, amigo e sócio de Monteiro Lobato, com o irmão Jayme, 11 anos mais velho, e com as irmãs adolescentes Mariazinha e Dalila, que substituíram a mãe.
» Enquanto crescia, o menino passava muito tempo em casa e, por ser muito tímido, misturava fantasia e realidade, conforme texto da Fundação Athos Bulcão. Na família, havia um interesse pela arte e suas irmãs o levavam frequentemente ao teatro, a espetáculos das companhias estrangeiras, à ópera e à Comédia Francesa. Athos, aos quatro anos, ouvia Caruso no gramofone, e ensaiava desenhos sem, no entanto, chamar a atenção da família. Chegou às artes graças a uma série de acidentais e providenciais lances do acaso.
» Na juventude, foi amigo de alguns dos mais importantes artistas brasileiros modernos, os maiores responsáveis por sua formação: Carlos Scliar, Jorge Amado, Pancetti, Enrico Bianco, que o apresentou a Burle Marx, Milton Dacosta, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Ceschiatti, Manuel Bandeira e outros.
» Aos 21 anos, os amigos o apresentaram a Portinari, com quem trabalhou como assistente no mural de São Francisco de Assis, na Pampulha, em BH, e aprendeu muitas lições importantes sobre desenhos e cores. A trajetória artística de Athos Bulcão é especialmente consagrada ao público em geral. Quem viaja pelo mundo, pode ver os trabalhos dele na França, Argélia, Índia, Nigéria, Cabo Verde e Itália. Faleceu após uma parada cardiorrespiratória em dia 31 de julho de 2008, aos 90 anos.


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