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Estado de Minas

Após retirada de telas de Portinari, Igrejinha da Pampulha será fechada para reforma

Quadros que trazem as cenas da via-sacra e que decoram a Igreja de São Francisco de Assis, ícone da Pampulha, também serão restaurados e foram retirados em procedimento complexo


postado em 18/10/2017 06:00 / atualizado em 18/10/2017 08:10

Durante quatro horas, equipe de especialistas se reuniu na nave para a remoção de 14 telas ameaçadas pela umidade(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Durante quatro horas, equipe de especialistas se reuniu na nave para a remoção de 14 telas ameaçadas pela umidade (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Obras de arte a caminho da recuperação. Em uma operação que durou quatro horas e envolveu segurança, técnica e muito cuidado, foram retirados na tarde de ontem das paredes da Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha, os 14 quadros recriando as cenas da via-sacra pintados por Cândido Portinari (1903-1962) e destaque do templo construído entre 1943 e 1945, com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012). Em um veículo escoltado pela Polícia Militar do Meio Ambiente, as peças seguiram para a reserva técnica do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor), da Escola de Belas Artes, no câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde deverão ficar durante um ano.

Eram 14h20 quando a diretora do Cecor/UFMG, professora Bethânia Reis Veloso, reuniu a equipe formada por 10 especialistas e 20 alunos do cursos de conservação-restauração da instituição para começar o trabalho, que foi precedido de um laudo detalhado sobre a situação das telas integrantes do conjunto reconhecido como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e tombado pelo município, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG). “Há descolamento da policromia, manchas generalizadas devido à umidade, sujeira e outros problemas nas obras”, disse a diretora. Trata-se da segunda vez que os quadros saem do seu lugar – a primeira também foi para restauração, há 25 anos.

Acompanhando toda a movimentação de ontem ao lado do capelão da chamada Igrejinha da Pampulha, padre Otávio Juliano de Almeida, a coordenadora-geral do Memorial da Arquidiocese, Maria Goretti Gabrich Freire Ramos, explicou que a medida faz parte do termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado em 2016 com o Ministério Público de Minas Gerais, representado pela promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico e Cultural de BH, Lilian Marotta Moreira. “Estamos aproveitando o período antes das chuvas para fazer o serviço. Os quadros só retornarão quando a igreja estiver totalmente restaurada. A partir de 19 de novembro, ela será fechada”, afirmou Goretti. A remoção foi acompanhada ainda por técnicos do Iphan, Iepha e Fundação Municipal de Cultura, da Prefeitura de Belo Horizonte.

Remoção das pinturas foi precedida de um laudo sobre cada obra(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Remoção das pinturas foi precedida de um laudo sobre cada obra (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)

ARTE NO CORAÇÃO No interior do templo, considerado cartão-postal de BH e visitado por turistas do mundo inteiro, os quadros com molduras se dividem em dois grupos: oito do lado direito e seis do esquerdo de quem está de frente para o altar. O primeiro a ser retirado foi “Jesus é condenado à morte”, conforme assinalou o padre Otávio. “Este conjunto é muito importante e necessário. Há problemas de infiltração causadores de umidade, o que põe em risco o acervo. Agora, vamos esperar a obra da igreja”, afirmou o sacerdote, adiantando que a última missa será celebrada em 18 de novembro. Com emoção, a conservadora-restauradora Alessandra Rosado, do Cecor, lembrou que “os quadros não existiriam sem a igreja, e a igreja não existiria sem os quadros. Tudo isso está no nosso coração, faz parte do imaginário dos mineiros”.

Em nota, a PBH, via Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), informou que executará as obras de restauração da igreja. Serão feitos serviços de recuperação das juntas de dilatação e das pastilhas externas, impermeabilização, substituição dos painéis de madeira, pintura, polimento do piso de mármore e limpeza das fachadas. O orçamento previsto é de R$ 1,8 milhão, com recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas. Mas, face à suspensão do contrato com a empresa que realizaria as obras, a Sudecap informou que “aguarda autorização do Iphan para fazer novo processo licitatório, a fim de contratar a execução dos serviços”. A nota diz ainda que “uma vez finalizado o processo licitatório, o prazo para a execução da obra é de um ano após a emissão da primeira ordem de serviço”.

Em seguida, técnicos iniciaram a retirada sob supervisão(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Em seguida, técnicos iniciaram a retirada sob supervisão (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)

EMBALAGEM A retirada de cada quadro durou em torno de 15 minutos. Depois de desparafusado o suporte, cada tela foi colocada sobre uma mesa forrada com material apropriado, depois embalada em papel e acondicionada em caixa de madeira fornecida pela empresa Mudanças Damasceno, especializada em obras de arte, com caminhão climatizado, que não cobrou pelo serviço. Antes de ir para as caixas, as peças passavam por um laudo, que teve a participação da estudante do último ano de conservação-restauração Sarah Bernardo. O último a ser embalado foi “Jesus é depositado no sepulcro”. A equipe do Cecor teve a presença também do professor Willi de Barros, da área de conservação preventiva, que fez medições do microclima e umidade. O serviço de restauro está estimado em R$ 26 mil, com cobrança apenas do material.

As telas foram embaladas cercadas de cuidados. Restauro ficará a cargo da UFMG(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
As telas foram embaladas cercadas de cuidados. Restauro ficará a cargo da UFMG (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)

Antes do trabalho de restauração no Cecor, que deverá começar em fevereiro, a equipe da professora Bethânia fará uma série de estudos, envolvendo um grupo multidisciplinar de químicos, físicos, biólogos, especialistas em raios x e outros equipamentos. Os conservadores-restauradores farão análises sobre o avanço da degradação, da estabilização da estrutura e outros aspectos.

Enquanto a equipe trabalhava, turistas olhavam pela porta de vidro. Entre eles, um grupo europeu de estudantes de dança, formado por jovens alemães, franceses e suecos. À frente, a mineira Ana Cláudia Moura e João Oliveira, que morou oito anos em BH e está há dois no país escandinavo. “A igreja é muito azul”, elogiou, na tarde quente e com céu da mesma cor, a sorridente alemã Fiona Everding, de 28 anos.

Um tesouro derretendo
Em 27 de dezembro, o Estado de Minas mostrou a situação de perigo à qual estavam expostos os quadros da igreja da Pampulha, que pertence à Arquidiocese de Belo Horizonte. Na época, a superintendente do Iphan em Minas, Célia Corsino, sugeriu a remoção de pelo menos três deles, que estavam danificados. A equipe de reportagem flagrou, depois de forte chuva, até mesmo baldes no interior da construção ícone da cidade, enquanto funcionários colocavam capas nas telas e secavam o chão com panos. As infiltrações também apodrecem as placas curvas de madeira do forro original da nave.

Memória
A revolta das noivas

O processo de restauração se tornou um ponto polêmico na história da Igreja  São Francisco de Assis. A obra deveria ter começado em novembro de 2016, mas esbarrou em mais de 200 casamentos que estavam marcados para este ano. O problema chegou a tal ponto que, em 30 de outubro de 2016, inconformados com um possível fechamento do templo, casais de noivos fizeram uma manifestação na porta do templo. Depois do acordo com o Ministério Público de Minas Gerais, ficou decidido que a intervenção só começaria em 2018. A igreja abriga também obras de Paulo Werneck (1903-1962) e Alfredo Ceschiatti (1918-1989), além de ser rodeada pelos jardins do paisagista Burle Marx (1909-1994).


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