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Estado de Minas

Crença no anonimato e impunidade favorecem racismo na internet

Preconceitos se amplificam na internet, numa escalada de ofensas contra cidadãos comuns e celebridades. Para especialista, agressores acreditam que tecnologia proporciona o anonimato e de não há lei que seja capaz de punir


postado em 31/12/2016 06:00 / atualizado em 31/12/2016 08:17

Vítimas das ofensas estão mais confiantes para denunciar os crimes: no dia 20, um grupo protestou em shopping da capital contra preconceitos de cor(foto: Alexandre Guzanshe/Em/DAPress - 20/12/16)
Vítimas das ofensas estão mais confiantes para denunciar os crimes: no dia 20, um grupo protestou em shopping da capital contra preconceitos de cor (foto: Alexandre Guzanshe/Em/DAPress - 20/12/16)
Um crime tipificado em duas legislações do século passado, mas que ainda encontra espaço nos dias atuais, desafiando a polícia diante da grande quantidade de casos a serem investigados. Ofensas de racismo e injúria racial, protagonizadas por pessoas que incitam preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou origem, ocorrem diariamente em Minas. Somente neste ano, 401 casos foram denunciados, até novembro, uma média de 36 ocorrências a cada 30 dias. Mas, o que chama a atenção das autoridades é como o crime tem se perpetuado na internet, com trocas de informações depreciativas, que deixam evidentes as marcas de um passado de discriminação no Brasil. De modo geral, são comentários feitos em postagens de fotos, que divulgam também endereços de sites racistas e fazem intercâmbio com símbolos nazistas. Entre os casos de injúria racial de repercussão nacional, um ganhou destaque no noticiário nas últimas semanas. O alvo foi a menina Titi, de 3 anos, filha adotiva dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank.

Após a denúncia, feita em novembro pelos pais, a Polícia Civil do Rio de Janeiro apurou que uma adolescente de 14 anos, moradora de Guarulhos, em São Paulo, foi responsável pelas ofensas raciais. A menina confessou o ato e contou que criou um perfil falso numa rede social, usando o nome e as fotos de uma amiga. No depoimento à polícia, ela disse que não se preocupou com as consequências e que fez isso para “zoar” a amiga. A adolescente também disse à polícia que escolheu o perfil de Giovanna Ewbank de forma aleatória e que sabe que os comentários foram de cunho racista.

Em Belo Horizonte, um caso de injúria racial ainda está nas mãos da Polícia Civil, sem solução. A vítima foi a atriz Cristal Lopez, de 34, que denuncia ter sofrido as ofensas depois que um amigo postou uma foto dos dois em uma rede social. Ambos são negros. “A foto foi feita na saída de uma festa e postada no Facebook. No dia seguinte, meu amigo me ligou dizendo que havia visto o comentário, que me chamava de macaca e dizia que nós dois merecíamos morrer”, lamenta Cristal. Segundo ela, as ofensas prosseguem com tom de ameaça: “Se eu encontrar vocês na rua, eu vou dar facada em vocês de cima até embaixo. Eu sei muito bem onde vocês andam”.

Apesar de ela ter denunciando o crime à Polícia Civil e à Defensoria Pública de Minas Gerais, o caso permanece sem identificação do autor. “Na Delegacia de Crimes Cibernéticos fui informada de que o perfil era falso, mas nunca me deram um retorno para dizer se identificaram a pessoa que o criou. Inclusive, fui informada na ocasião de que são apenas duas delegacias no estado inteiro, as duas em Belo Horizonte, e já sobrecarregadas com investigações de crimes na internet, que ocorrem todos os dias em grande quantidade”, contou a atriz. Ela lamenta a falta de uma resposta e disse ter se sentido ameaçada. “É muito ruim passar por uma situação dessas. Além de sofrer com o preconceito, fiquei morrendo de medo de que algo me acontecesse. Fiquei com mania de perseguição, isolada, desconfiando das pessoas”, lembra.

DESAFIO
Na avaliação da atriz, foi justamente o ambiente virtual que encorajou o autor das ofensas a fazê-las. “A internet deu coragem às pessoas para falar coisas que elas não diriam pessoalmente. E, como nem todos os casos são solucionados, as ocorrências de discriminação se tornaram um desafio para a sociedade”, acredita. Para Cristal, ainda é necessário mais investimento em tecnologia e estrutura humana e física nas polícias para dar cabo aos casos de preconceito na rede.

Especialista em Direito de Internet, o advogado Alexandre Atheniense afirma que o total de ocorrências revela o quanto o brasileiro gosta ofender pela internet e age dessa forma a partir de duas falsas crenças: de que a tecnologia proporciona o anonimato e de que não há lei que seja capaz de punir os infratores. “São pessoas que não tiveram educação para lidar com o ambiente digital. Não que o mundo presencial seja diferente do digital, porém neste, todas as atitudes são potencialmente maiores, para o bem ou para o mal. Se o agressor já estava acostumado a agir dessa forma presencialmente, sua atitude se repete no mundo digital, só que de forma amplificada”, explica.

Na avaliação do especialista, a legislação estabelece penas suficientes para punir os agressores, mas em alguns casos ainda há dificuldades para identificação da autoria. “As chances de identificação têm aumentado, mas as autoridades não estão preparadas para enfrentar o volume de ocorrências”, avalia. Ele diz, no entanto, que com a vigência do Marco Civil da Internet, a legislação passou a permitir ao ofendido a solução mais rápida dos casos por via judicial.

PROTESTO Por outro lado, vítimas de racismo também estão mais confiantes em denunciar esses casos. No dia 20, um grupo de aproximadamente 50 pessoas protestou em um shopping de Belo Horizonte, em repúdio à denúncia de racismo supostamente praticado por seguranças do local. Segundo os manifestantes, três mulheres e dois adolescentes negros que circulavam pelo centro de compras três dias antes teriam sido seguidos por seguranças do estabelecimento. No grupo, estava a estudante Ayana Amorim, de 22. Ela diz que desde o momento em que chegaram, todos foram observados pelos seguranças. “Foi então que eu perguntei: ‘Por que isso está acontecendo?’ e o funcionário respondeu: ‘A presença de vocês está ameaçando a segurança do shopping’”, relata a jovem, dizendo que os funcionários teriam tentado expulsar os dois adolescentes do local. No dia do protesto, o grupo se concentrou na portaria do shopping e depois percorreu alguns corredores carregando cartazes. Um deles dizia: “Tire o racismo do caminho que eu quero passar com a minha cor”.

CELEBRIDADES NO ALVO

Alguns casos de ofensas e injúrias raciais na internet que tiveram repercussão nacional

Maria Júlia Coutinho – jul/2015 – A jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju do Jornal Nacional, foi vítima de comentários racistas na página oficial do Facebook, logo depois de se destacar pela sua cobertura da previsão do tempo. #SomosTodosMaju foi uma hashtag criada pelos internautas em apoio à jornalista.

Thaís Araújo – nov/2015 – A atriz Taís Araújo foi alvo de comentários racistas no Facebook depois de publicar uma foto. A imagem passou a receber comentários preconceituosos de diferentes perfis.

Ludmilla – mai/2016 – A cantora Ludmilla recebeu comentários racistas de homem em uma rede social. Ludmilla postou uma foto em sua conta pessoal no Instagram e foi surpreendida pelo preconceito. O autor das ofensas pediu desculpas pela rede social.

Preta Gil – jul/2016 – A cantora Preta Gil denunciou mensagens de ódio recebidas pelas redes sociais. No Facebook, a artista desabou, dizendo que atacaram a sua cor, seu trabalho e seu corpo.

Titi, filha do Bruno Gagliasso
– nov/2016 – O ator Bruno Gagliasso registrou queixa por comentários racistas contra a filha de 2 anos. Os comentários foram feitos em uma foto publicada pela atriz Giovanna Ewbank, mulher doator e mãe da menina, em seu perfil em uma rede social.

MARCAS DA DISCRIMINAÇÃO


401

Casos de ofensa e injúria racial denunciados de janeiro a novembro deste ano em Minas Gerais

36
Média de ocorrências a cada 30 dias no estado


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