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Estado de Minas EXTREMOS GERAIS

Futebol e política ilustram ligação cultural de mineiros com São Paulo

Mineiros da divisa têm no estado vizinho referência para quase tudo, incluindo futebol e política. O que não garante total harmonia, como provam memórias da Revolução de 1932


postado em 20/11/2016 06:00 / atualizado em 20/11/2016 08:05

Do alto da Serra da Mantiqueira em Extrema, vista privilegiada de São Paulo (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Do alto da Serra da Mantiqueira em Extrema, vista privilegiada de São Paulo (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Cidade mais ao Sul de Minas, providencialmente batizada, Extrema atrai turistas, ciclistas, esportistas radicais e trabalhadores de todo o país, com suas trilhas em meio à Serra da Mantiqueira e empregos em suas fábricas. Futebol e política ilustram ligação cultural com São Paulo, com a capital paulista localizada a 100 quilômetros de distância, no trecho final da Rodovia Fernão Dias. Na rodoviária, ainda no pé da serra, nove horários de ônibus para a capital paulista, a 100 quilômetros, e nenhum para Belo Horizonte, a 476 quilômetros de distância. Fundada como Santa Rita de Extrema, uma igreja em homenagem à santa é o centro da cidade, no alto de um morro. A vista de alguns ângulos revela montanhas brilhando nos olhos. No topo da serra ao fundo, rampas de voo livre se voltam para os dois lados da divisa. No lado paulista avista-se a Represa do Jaguari e a vizinha cidade de Joanópolis. No lado mineiro, a própria Extrema.

Os vizinhos vivem uma história de amor, interdependência e escaramuças. Além dos ataques a bancos da era moderna, enfrentados dos dois lados da divisa, a principal delas foi a Revolução de 1932, considerada o maior movimento armado do país no século 20, que opôs o estado de São Paulo à ditadura de Getúlio Vargas e a forças militares de outros estados, incluindo Minas. O diário de um morador de Extrema do início dos anos 30 revela o ambiente nos meses que precederam a batalha, que colocou mineiros e paulistas na mira de armas: “Ficou organizada uma guarda civil que, arrecadando carabinas, fazia todas as noites a guarda da villa”, escreveu. Trincheiras foram montadas nas serras e no local teriam ocorrido combates.

A vizinha paulista Joanópolis também guarda suas memórias da Revolução de 32, conta Walter Cassalho, historiador da cidade. Na época, o medo de uma invasão mineira deixou moradores apreensivos, cavando trincheiras no caminho da Pedra do Lopo, na serra que segue para o lado mineiro. Inspetores de quarteirão faziam rondas noturnas e vigias na área rural monitoravam movimentações suspeitas. No caso de invasão, estava combinado um sinal com um tiro de morteiro. Uma festa de casamento confundida com atividade inimiga detonou um alarme falso. Com a explosão, a população correu às pressas para o ponto de encontro secreto em uma fazenda. No susto, até um velório foi abandonado às pressas.

Na cidade mineira de vias íngremes, população tem mais identificação com a capital paulista (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Na cidade mineira de vias íngremes, população tem mais identificação com a capital paulista (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Campos de outras batalhas


Quem transita entre os dois lados da divisa, seja de bicicleta ou não, perceberá fatalmente que as batalhas entre mineiros e paulistas, simbolizadas historicamente pela Revolução de 1932, seguem nos dias modernos, mas em campos menos beligerantes, como futebol e política. Nestes, com inequívoca vantagem para o estado vizinho. Em Extrema, no Bar e Restaurante Central, o assunto é a bola. “Olha, aqui dá pra contar na mão os cruzeirenses e atleticanos. Aumentou um pouco, porque veio gente de fora, mas era meia dúzia, eu sei o nome de todos”, diz Luis Carlos Toledo, palmeirense responsável pelo estabelecimento. Nas conversas, só se ouvem comentários sobre o desempenho de equipes paulistas, partidas importantes no Morumbi e Pacaembu, que estão a menos de duas horas de viagem, e aonde torcedores vão e voltam no mesmo dia. “Mesmo na política, a influência é paulista”, acrescenta. Até 15 anos atrás, os canais de tevê eram todos de São Paulo, assim como a propaganda eleitoral.

Mas no futebol há também as equipes locais. No campo do saudoso Extrema Futebol Clube, as quartas de finais da Primeira Divisão municipal contavam com o que seria um clássico do futebol internacional, o confronto direto entre Arsenal e Boca Juniors, que terminou com protestos de jogadores, revoltados contra o indefeso juiz, e o placar de 1 a 0 para a equipe britânico-mineira sobre os platino-alagoanos. Atual campeão, o Arsenal mineiro começou com jogadores internos de um orfanato. Uma família inglesa adotou uma das crianças e apadrinhou a equipe, que joga junta há seis anos, dois dos quais com o nome atual e patrocinador. “Nós que representamos Extrema no Sul de Minas”, vangloria-se Rogério Tadeu, fundador e dirigente do Arsenal mineiro.

Os rivais Boca Júniors, de uniforme azul e amarelo, são todos alagoanos, à exceção de um – cearense. A equipe nasceu em Alagoas em 2003, conta Esron Marcos da Silva, que chegou a Extrema em 2006 para trabalhar na indústria de alimentos. Só da cidade alagoana de Chã Preta, ele informa, vieram mais de mil, atraídos pela oferta de empregos. Já no primeiro ano em terras mineiras, foram campeões da Segunda Divisão municipal. “Mas é difícil lutar contra times com mais recursos e em tão pouco tempo chegar na Primeira Divisão”, conta o jogador. “Isso é uma satisfação e um incentivo”.

Chefe do setor de eventos da prefeitura que coordena o campeonato, Ronaldo Guimarães conta que este ano o número de clubes foi recorde: “São 36 clubes em três divisões”. No início de outubro, o Arsenal F. C. venceu a final contra o Olímpico nos pênaltis, conquistando o bicampeonato municipal.

(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

NOTAS DO PEDAL


Passada a divisa entre Minas e São Paulo pela Rodovia Fernão Dias, no primeiro trevo à esquerda a SP-036 leva até a cidade paulista de Joanópolis, na rodovia chamada de Entre Serras e Águas, que se insinua entre a Represa do Jaguari, integrante do Sistema Cantareira, e a Serra da Mantiqueira. A estância turística é conhecida como “Capital do Lobisomem”, e, na entrada da cidade, um boneco simpático da fera (foto) serve de cenário para fotos dos visitantes. Para os mais precavidos, nos bares é disponibilizado também o Repelente de Lobisomem, cachaça artesanal vendida a R$ 2 a dose.

Pão politizado

São pelo menos três as versões sobre a origem do pão que homenageia o Partido Republicano Paulista (PRP), encontrado apenas na cidade de Joanópolis, na divisa com Minas Gerais. A primeira diz que teria sido criado por moradoras que o serviam aos homens abrigados nas trincheiras em 1932. A segunda, apresentada por historiadores, conta que em meados dos anos 1930, com a cidade dividida entre apoiadores do PRP e do Partido Constitucionalista (PC), um padeiro teria criado a quitanda como manifestação política. Segundo o padeiro Hélio Antônio Toledo, de 58 anos, da Padaria Pão da Montanha, a receita leva “massa de um tipo mais adocicado, com erva-doce”. “Na época, um padeiro sentado via um aviãozinho com as letras PRP escritas, aí teve a ideia de fazer o pão no formato de avião”, explica ele, apresentado a versão que indica o formato da massa pronta. Fornadas saem todos os dias e a unidade custa R$ 1,70.

(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
DIÁRIOS DA BICICLETA


Missão cumprida. E comprida

Encharcado pela chuva, alcanço Camanducaia no início da noite, com a temperatura caindo. Uma pensão simples serve de abrigo e, saindo pela manhã, pedalo o último trecho mineiro da Fernão Dias. Passo direto pela entrada para Extrema, aos pés da Serra da Mantiqueira, e em pouco tempo alcanço a divisa com São Paulo, no km zero do lado paulista. Além das placas, dois postos de gasolina marcam o limite entre os estados. Finalizando o trajeto cortando o estado, da Bahia a São Paulo, aguardo uma janela de tempo para encarar a última parte da empreitada: seguir até a cidade paulista de Joanópolis e encontrar a “Estrada do Abel”, o acesso por terra mais ao sul de Minas, cruzando de volta a Serra da Mantiqueira. Levei em conta duas dicas de trilheiros de Extrema: a falta de acostamento na SP-036 e o isolamento nas estradas de terra da divisa – “Subida forte e muito bicho à noite”, avisa um deles. Num 7 de setembro com tempo aberto sigo para Joanópolis, primeiro pela BR-381 e depois pela rodovia denominada Entre Serras e Águas, aproveitando o feirado para evitar as carretas carregadas de madeira na pista estreita. Na manhã seguinte, mantido o sol, encaro a serra guiado por GPS e alcanço a divisa no início da tarde, sinalizada por um pequeno marco de pedra. Poucos metros adiante, entrando em Minas, uma porteira branca à direita dá acesso à primeira propriedade do estado. A estrada de terra continua no relevo acidentado, com subidas que parecem intermináveis. O cenário segue impressionando em meio às montanhas. No fim da tarde, o suor acumulado ao longo do dia preocupa, diante da queda da temperatura. De volta ao asfalto, alcanço Monte Verde com o sol se pondo. Uma oferta de acomodação feita dias antes se prova palavra vazia e sigo em busca de preços menos turísticos. Zelito, o cara das bikes em Monte Verde, me consegue uma vaga num chalé para viajantes, minha quilometragem e trajeto servindo de crédito ainda uma vez. Das margens do Rio Carinhanha à Serra da Mantiqueira, completo um exercício de nomadismo e autonomia na travessia de norte a sul do estado, um recorte contemporâneo de Minas que registra a diversidade de paisagens, histórias e personagens em mais de 1.500 quilômetros de pedaladas entre esses Extremos Gerais.


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