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Estado de Minas

Gruta da Lapa da Forquilha Tesouro natural desprotegido

Redescoberta de gruta explorada por Peter Lund, depois de 180 anos de esquecimento, chama a atenção para vulnerabilidade de formações de importância histórica e científica


postado em 10/10/2016 06:00 / atualizado em 10/10/2016 08:46

Acesso aos salões da cavidade natural: dono da propriedade também sonha com proteção do poder público(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Acesso aos salões da cavidade natural: dono da propriedade também sonha com proteção do poder público (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Baldim e Cordisburgo – A redescoberta da gruta da Lapa da Forquilha em Baldim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, uma das primeiras exploradas pelo cientista dinamarquês Peter Lund em Minas Gerais, no século 19, foi comemorada, mas sua vulnerabilidade reacende o alerta sobre a necessidade de conservação das cavidades naturais. Principalmente porque Minas Gerais é o estado que conta com o maior número dessas formações, somando 6.184 (38,5%) das 16.034 cadastradas no Brasil. No caso da Lapa da Forquilha, o projeto do Centro Universitário Newton Paiva prevê a criação de mudas para replantio da área de amortecimento que abrange um raio de 250 metros no entorno da área da caverna, que naquele caso chega a se estender por 861 metros quadrados, ter 571 metros de projeção horizontal e desnível de 11,83 metros.

O projeto conta com a colaboração do dono da propriedade onde a gruta se encontra, um fazendeiro que pede para não ser identificado, porque não deseja chamar a atenção de pessoas da região enquanto a caverna não contar com dispositivos de proteção efetivos. “No fim, eu sou o responsável pela caverna. Gostaria muito que ela fosse conservada, seja pelo poder público ou com algum apoio como área particular (Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN)”, afirma.

De acordo com o proprietário, várias pessoas, ao terem notícias dos estudos feitos na Lapa da Forquilha, vão ao local e o depredam, fazendo inscrições ou removendo formações milenares, como as estalactites. Rastros da depredação mais evidentes são pichações, com datas dos anos 1960 em diante. Outra fase do projeto da Newton Paiva tem investido em uma forma de conscientizar a população sobre a importância de se conservar a cavidade natural histórica. “Estamos ensinando às crianças do município sobre o estudo das cavernas e seu valor histórico. Distribuímos material educativo e estamos querendo contar com apoio da prefeitura, da igreja e de outros setores, para depois passar para a educação ambiental para os adultos”, disse o espeleólogo e doutorando em química Luciano Faria, um dos responsáveis pelo projeto.



ROTA LUND Uma das saídas seria incluir a gruta em um projeto do governo do estado denominado Rota das Grutas Peter Lund. “Com isso, não apenas se demarcam áreas de proteção, mas um corredor de grutas com interesse histórico e científico. A inclusão da Gruta da Forquilha poderia ser uma opção para sua conservação”, afirma Faria. De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o programa pretende estruturar um produto único, o Roteiro Turístico Ambiental Rota das Grutas de Lund, envolvendo o Museu de Ciências Naturais da PUC Minas (Belo Horizonte), as Grutas Lapinha (Lagoa Santa), Maquiné (Cordisburgo), Rei do Mato (Sete Lagoas) e Parque Estadual do Sumidouro (Lagoa Santa/Pedro Leopoldo).

Pichações em paredes da gruta são marcas de décadas de abandono(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Pichações em paredes da gruta são marcas de décadas de abandono (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


“O projeto não é específico para preservação de grutas, mas tem a finalidade de promover o desenvolvimento regional por meio do turismo, com a estruturação de um roteiro turístico nacional e internacional, único e singular, pautado em elementos naturais e culturais da região cárstica nos municípios que englobam a Rota das Grutas Peter Lund (Belo Horizonte, Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Sete Lagoas e Cordisburgo)”, informou a secretaria. Contudo, esse projeto depende ainda de atrair o interesse de investidores, pois o modelo de implantação é por meio de parceria público-privada (PPP).

Se a gruta histórica que estava desaparecida carece de cuidados, outras formações de grande relevância por sua opulência também se encontram desprotegidas. É o caso da Gruta da Morena, em Cordisburgo, na Região Central de Minas. A caverna tem muitos rastros de entradas de pessoas, como lixo espalhado nos acessos e no seu interior. Parte da mata do entorno chegou a ser removida para um trabalho de filmagem que ainda instalou maquinário e escadas de madeira para permitir a passagem de cerca de 30 pessoas. “O desmate do entorno pode acabar com uma caverna. A vegetação funciona como uma mata ciliar, que impede que detritos sejam levados pela chuva para dentro da gruta e a soterrem. Por outro lado, se a área de recarga da água que continua esculpindo a cavidade deixar de reter e armazenar as chuvas, o processo natural pode ser interrompido”, afirma Faria. Na Gruta da Morena ainda há muita vida, como peixes dentro do seu rio, morcegos e até fungos que brilham no escuro.

(foto: Reprodução/CBE)
(foto: Reprodução/CBE)
Descrição da Lapa da Forquilha por Lund

“A meio caminho de Sumidouro, uma grande roça de milho da fazenda. Tem-se do lado direito do caminho vista para uma alta cadeia de montanhas, que se estende para longe da plantação e deve ser a Serra da Lapa. A gruta perto de Forquilha tem sua entrada na direção N (Norte) e constitui-se de um corredor que depois se divide em vários braços ramificados, alguns dos quais sem dúvida se encontram com uma abertura em um monte de terra de enxurrada com crescimento de árvores junto com cupinzeiros com canais cobertos que levam para o exterior. Esses canais estavam todos esfarelados, de maneira que se desintegravam ao simples toque. A altura dos corredores é de cerca de três a 12 pés (90 centímetros a 3,6 metros) e alguns estão bastante entupidos com terra de cor vemelho-tijolo ou amarelo-acinzentado, contendo uma quantidade muito grande de fragmentos de pedra. Uma excepcional quantidade dessa terra já foi retirada, e grandes montes da mesma, lavados, espalham-se uniformemente no exterior da gruta, que vem sendo explorada há 40/50 anos. Fora dela havia dois troncos colossais. Nenhum fóssil e nem ossos frescos.”

Os passos do pioneiro

O naturalista e médico dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) seguiu pela primeira vez para o Brasil para estudar botânica e zoologia, entre 1825 e 1829, nas cercanias do Rio de Janeiro. Em 1833, Lund retorna para uma expedição pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Em Curvelo, na Região Central Mineira, encontrou outro dinamarquês, Peter Claussen, que o apresentou às grutas da região cárstica do Vale do Rio das Velhas. Intrigado com a grande variedade dessas formações praticamente inexploradas, decidiu estabelecer residência em Lagoa Santa e estudou uma grande variedade de fósseis encontrados nas cavernas entre Sabará e Curvelo. Grande parte de seus achados que ficaram no Brasil se perderam, mas a maioria do material que foi enviado para museus dinamarqueses permanece conservada.

Joia sem cuidado oficial


O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) informou que o licenciamento e o trânsito de pessoas em cavernas é de controle do município onde está a formação e do estado. “O instituto só regula as cavernas que estão em unidades de conservação federais e os trabalhos científicos que serão realizados no seu interior”, afirma o chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav) do ICMBio, Jocy Brandão Cruz. De acordo com ele, sempre que uma caverna sofre impactos, outras duas devem ser conservadas como compensação. Quando isso não ocorre outras medidas compensatórias são negociadas, o que já está ocorrendo em 15 cavidades mineiras.

Cavernas de relevância baixa, média e alta podem ser objeto de licenciamento ambiental estadual, mas não as de relevância máxima. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) tem outro entendimento sobre o tema, e sustenta que apenas as cavernas que se encontram em unidades estaduais de proteção ambiental estão sujeitas à sua guarda. “São elas: a Gruta Rei do Mato, Gruta de Maquiné, as quatro cavernas da Lapa Vermelha (inclusive a gruta onde foi encontrado o crânio de “Luzia”, hominídeo mais antigo das Américas), as que se encontram nos monumentos naturais de Santo Antônio, Vargem da Pedra, Várzea da Lapa, Experiência da Jaguara, Lapa Nova de Vazante, Sumidouro (gruta da Lapinha e outras cavidades) e nos parques estaduais da Lapa Grande e Cerca Grande”, informou.


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