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Estado de Minas

Niemeyer e JK se uniram para criar Pampulha, agora Patrimônio Cultural da Humanidade

Talento de jovem arquiteto e espírito empreendedor de Juscelino Kubitschek construíram a obra que se tornaria semente de Brasília. Confira entrevista com bisneto de Niemeyer


18/07/2016 11:00 - atualizado 18/07/2016 09:19

Nas décadas de 1940 e 1950 a Pampulha viveu seu auge como ponto de lazer de BH. Competições de esqui foram realizadas nas águas da lagoa
Nas décadas de 1940 e 1950 a Pampulha viveu seu auge como ponto de lazer de BH. Competições de esqui foram realizadas nas águas da lagoa (foto: ArquivoEM)
De Belo Horizonte para o mundo, com paradas obrigatórias no Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo Cassino; na Casa do Baile, atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design; no Iate Golfe Clube, hoje Iate Tênis Clube; e na Igreja de São Francisco de Assis, integrantes do conjunto moderno reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

O título conquistado ontem era almejado há 20 anos, mas só ganhou impulso em 2012, na administração do prefeito Márcio Lacerda, com empenho do presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, e da ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jurema Machado, entre outras autoridades das áreas federal, estadual e municipal.

Mas, para entender melhor toda essa história, que teve o auge com a ousadia do prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976), mineiro de Diamantina, e os projetos do jovem arquiteto carioca Oscar Niemeyer (1907-2012), é preciso voltar no tempo: mais exatamente à década de 1930, quando foi construído o lago artificial da Pampulha. Para dar forma à empreitada, o então prefeito Otacílio Negrão de Lima (1897-1960) mandou represar o Córrego Pampulha e pôs em prática o projeto do engenheiro Henrique de Novaes. A obra, para abastecimento de água da capital, ficou pronta em 1938.

Ao assumir a prefeitura em abril de 1940, o prefeito JK evidenciou sua preocupação com o controle urbano e o crescimento da cidade. Apelidado de “prefeito furacão”, ele convidou o urbanista francês Alfred Agache, então realizando vários trabalhos no Brasil, para estudar a potencialidade da região. O encontro de ideias não deu certo, pois enquanto JK via na Pampulha a vocação para o turismo, lazer e bairro de elites, Agache sugeria uma cidade-satélite, com a missão de absorver as novas demandas de habitação e de se tornar um cinturão de abastecimento agrícola.

No livro Porque construí Brasília, de 1975, Juscelino explicou sua posição: “Discordei do ilustre urbanista, pois o que tinha em mente era capitalizar, em benefício de Belo Horizonte, a beleza daquele recanto com a formação de um lago artificial, rodeado de residências de luxo, com casas de diversões que se debruçassem sobre a área”.

As formas da Igrejinha da Pampulha já se destacavam no ambiente da lagoa ainda com poucos sinais de ocupação urbana em 1949
As formas da Igrejinha da Pampulha já se destacavam no ambiente da lagoa ainda com poucos sinais de ocupação urbana em 1949 (foto: ArquivoEM)


O ENCONTRO
Ainda em 1940, JK decidiu ampliar a área da barragem e fazer um concurso para a construção de um cassino. Porém, o vencedor não convenceu com seu projeto, parecido com o Hotel Quitandinha, de Petrópolis (RJ). Sem perder o foco, JK pediu opinião a Gustavo Capanema (1900-1985), ministro da Educação do governo Getúlio Vargas. Capanema havia passou pela experiência de construir o prédio do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, hoje Palácio Gustavo Capanema, primeira construção moderna no país.

Para tanto, convidara o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), que revolucionou a arquitetura mundial, sendo chamado de “pai da arquitetura moderna”. “Assim, foi Capanema que apresentou Niemeyer ao prefeito Juscelino Kubitschek”, conta a diretora do Conjunto Moderno da Pampulha/Fundação Municipal de Cultura (FMC), a arquitetura e urbanista Luciana Feres, que foi a Istambul representando o Executivo municipal no encontro da Unesco.

Niemeyer trabalhava na equipe que projetara o prédio do Ministério da Educação e, com o aval de Capanema e do arquiteto Lúcio Costa (1902-1998), JK o convidou para trabalhar em BH. No livro A forma na arquitetura, de 1978, Niemeyer registrou: “Mas se o prédio do ministério projetado por Le Corbusier constituiu a base do movimento moderno no Brasil, é à Pampulha – permitam-me dizê-lo –, que devemos o início da nossa arquitetura, voltada para a forma livre e criadora que até hoje a caracteriza”.

Convite feito, convite aceito: Niemeyer trabalhou nove meses nos projetos das construções inauguradas em 16 de maio de 1943, com a presença do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), que andou de barco na lagoa, nas imediações do Iate.

DESPERTAR
Em conversas com amigos – e nas páginas do seu livro As curvas do tempo: memórias, de 1998, Niemeyer disse que a Pampulha significou um despertar na sua carreira, servindo de referência até para o projeto de Brasília, inaugurada em 1960 e fruto da sua parceria com o urbanista Lúcio Costa (1902–1998). “A Pampulha foi o começo da minha vida de arquiteto”, registrou o mestre.

Enquanto o mundo ainda valorizava o ângulo reto, a Pampulha explodia em curvas. Com efeito, vai ficar na história uma das frases de Niemeyer que resumem esse pensamento: “Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein”. E evocou Minas, lembrando que as curvas estavam presentes nas “velhas igrejas barrocas”.

JK e Niemeyer se juntaram para viabilizar construção que agora é Patrimônio Cultural da Humanidade
JK e Niemeyer se juntaram para viabilizar construção que agora é Patrimônio Cultural da Humanidade (foto: ArquivoEM)

ENTREVISTA

Carlos Ricardo Niemeyer - bisneto do arquiteto

‘‘Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha’’


“Oscar Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha e dizia que ali foi verdadeiramente o início de sua arquitetura”, diz o superintendente da Fundação Niemeyer, Carlos Ricardo Niemeyer, bisneto do arquiteto. Nesta entrevista, ele fala ao Estado de Minas da satisfação pela conquista do título para a Pampulha e ressalta a necessidade de preservação da região.

Qual o sentimento dos herdeiros de Niemeyer diante da conquista, pela Pampulha, do título de Patrimônio Cultural da Humanidade?

É uma felicidade muito grande, pois, além de mais um reconhecimento mundial da importância da arquitetura de Niemeyer, contribui para a preservação dessa obra. Brasília já recebeu esse título, sendo a primeira grande obra modernista a ser reconhecida como patrimônio mundial, e sabemos o quanto isso foi importante para que a cidade, as obras de Niemeyer e o Plano Piloto de Lucio Costa não sofressem uma descaracterização. Esse título, acreditamos, é fundamental para a preservação da Pampulha.

Seu bisavô chegou algumas vezes a temer pelo futuro da Pampulha, principalmente quanto à Igreja de São Francisco de Assis, que tem pilares de madeira. Quais deverão ser os cuidados, de agora em diante, para a preservação?


Oscar Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha e dizia que ali foi verdadeiramente o início de sua arquitetura. E ele manifestava sempre seu descontentamento com interferências no conjunto arquitetônico, em especial as mudanças feitas no Iate Tênis Clube. A preservação de suas obras, e mesmo dos espaços vazios em seu entorno eram motivo de preocupação constante.

Um título não é garantia de conservação, tanto que Ouro Preto, no início da década passada, esteve perto de perdê-lo. Qual o maior significado dessa chancela da Unesco, tendo em vista que, recentemente, o painel feito por Portinari para a Igreja de São Francisco de Assis foi pichado?

O título realmente não é uma garantia. Mas é fundamental para destacar a importância dessa obra arquitetônica como patrimônio histórico e cultural, ajudando na conscientização da população. São ações como essas que contribuem para educar as pessoas e as novas gerações. Esse título, conjugado a ações de educação patrimonial e atividades turísticas, forma uma consciência coletiva e diminui as chances de atos de vandalismo.

Os olhos do mundo estarão, a partir de agora, voltados para a Pampulha. De que forma Oscar Niemeyer gostaria que os visitantes vissem a sua obra?

Niemeyer, quando desenhava, buscava fazer sempre algo diferente, que causasse surpresa. Esse era um objetivo de sua criação. Acho que é isso que ele gostaria: que as pessoas tivessem uma grande surpresa ao ver sua obra cheia de beleza e liberdade.


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