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Estado de Minas

"Defender quem faz isso com uma adolescente desacordada é ser estuprador também"

Vítima violentada por tio por mais de 10 anos diz que carrega a culpa de ter permanecido em silêncio


29/05/2016 06:00 - atualizado 29/05/2016 08:34

“Defender quem faz isso com uma adolescente desacordada é ser estuprador também. As pessoas não têm o direito de culpar alguém que não deu consentimento”, revolta-se a jovem J.A., de 21 anos, referindo-se à menina do Rio, de 16, que apareceu desmaiada, seminua, em vídeos divulgados na internet por alguns de seus 33 estupradores, que se vangloriavam do ato nos filmes. Ela sabe bem o que está dizendo. Durante a vida inteira, a estudante escondeu de si mesma e da família de que foi seguidamente violentada por um tio, desde os 4 anos até por volta de 14. “Vivi no silêncio, carregando uma culpa que não era minha”, conta a moça, até que, ano passado, entrou em depressão grave, com tendência suicida.

Ao atingir o fundo do poço, J.A. decidiu se abrir como a flor de lótus, bela e forte, segundo ela. É símbolo do coletivo de mulheres Alzira Reis, fundado em 2014 no câmpus Saúde da UFMG. “Descobri que não estou sozinha. Todo mundo evita falar disso, principalmente na família, não é? É um assunto desagradável, principalmente quando a bomba estoura. Mas meu tio me olhava como se eu fosse um pedaço de carne e era uma tortura psicológica ficar encarando-o em todas as festinhas”, revela ela, que contou o ocorrido aos pais e descobriu que o abuso havia acontecido com outras duas primas. “Ele não chegou a penetrar porque doía e eu me afastei”, lembra.

No mundo inteiro, meninas e adolescentes sofrem as consequências da violência sexual contra mulheres, que precisa ser denunciada e combatida, defende a médica psiquiatra Gislene Valadares. Entre as consequências para as vítimas, estão doenças orgânicas e psicológicas, como depressão, ansiedade, insônia, nervosismo e síndrome do pânico. “É um evento difícil, traumático e humilhante na vida de uma mulher, mas na medida em que ela percebe que o problema não é só com ela, ela poderá ressignificar outros aspectos de maior importância na sua vida”, completa, lembrando que a violência sexual é infinitamente mais praticada contra a mulher, em cerca de 90% dos casos.


“Ser mulher não é fácil. Minha impressão é de que a gente não é dona do próprio corpo, de que nossa cultura foi constituída da maneira em que a mulher foi criada para servir”, compara a integrante do coletivo feminino, que já reúne mais de 50 mulheres presencialmente e mais de 1,5 mil em um clube aberto no Facebook. “Somos chamadas de radicais, mas aos poucos vamos conseguindo uma abertura maior, até entre professores. A própria existência do coletivo inibe muita coisa no câmpus”, diz J.A., lembrando o estupro coletivo registrado na UFMG.

A doutoranda em ciência política Clarisse Goulard Paradis defende que a cultura do estupro é disseminada na sociedade. “É a estratégia patriarcal de controle do corpo da mulher. Existe uma classificação da mulher santa e da puta. A mulher é vista como coisa, objeto e não como sujeito”, diz. Para a doutoranda, que empreende pesquisa sobre o feminismo, há uma ideia de que o corpo da mulher é de propriedade pública. Muitas vezes, os homens que cometem violência sexual são vistos como loucos, mas Clarisse alerta que o estupro é uma prática recorrente, é algo estrutural.


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