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Estado de Minas

Com repasses em atraso, Santa Casa reduz oferta de leitos e demite funcionários


postado em 15/05/2016 06:00 / atualizado em 15/05/2016 07:51

Saulo Coelho, provedor voluntário da Santa Casa, aposta na Lei Rouanet para preservar o patrimônio(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS)
Saulo Coelho, provedor voluntário da Santa Casa, aposta na Lei Rouanet para preservar o patrimônio (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS)
Tombado pelo patrimônio histórico municipal, o prédio da Santa Casa de Misericórdia que pegou fogo fazia parte das construções mais antigas, assim como a Maternidade Hilda Brandão, que está em processo adiantado de reforma desde que passou a abrigar a atual diretoria da instituição. “Aqui neste prédio, onde estamos agora, já nasceu muita gente”, comentou, em tom amargurado em função do incêndio e dos cortes nas despesas da Santa Casa, o ex-deputado federal e Saulo Coelho, de 66 anos, provedor voluntário há 16 anos e o segundo a permanecer por mais tempo no cargo (o recordista é José Maria Alkmin, que completou 36 anos no cargo). É o principal responsável por profissionalizar a gestão da Santa Casa, triplicando em sua administração o número de leitos, que se tornou a maior fatura SUS entre as Santas Casas do Brasil. Mas este ano não teve jeito. Com repasses governamentais em atraso, já houve corte de 43 leitos e outros podem ocorrer.

 


Desde o incêndio, Coelho revela ter mandado instalar mais um extintor de incêndio na própria sala, por precaução, embora já houvesse outro equipamento no corredor. Faz o último comentário distraído, enquanto acompanha pela tevê o primeiro dia da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado. Coelho conta ter estado presente no processo igual de Fernando Collor de Mello, em 1992, quando votou a favor do impedimento. Preferia estar aqui na Santa Casa ou lá no Congresso?, é feita a pergunta à queima-roupa. “Na Santa Casa. Dá trabalho, mas é mais gratificante”, responde o ex-presidente da extinta Telecomunicações de Minas Gerais (Telemig), que carregou para a Santa Casa o modelo de gestão da telefônica, incluindo o seu braço direito à época, Gonçalo Barbosa, que atualmente concentra as superintendências de planejamento, finanças e recursos humanos do grupo.

  “Se for para escolher entre comprar o medicamento e trocar fios elétricos, o provedor manda salvar a vida do paciente. Mas esse incêndio mostrou que precisamos renovar a estrutura e que não temos dinheiro para isso”, afirma Barbosa, que sabe dizer de cor todos os números da Santa Casa, especialmente os deficitários. Pela primeira vez desde que foi implantado o programa Mil Leitos SUS, em 2008, o complexo hospital sofreu, entre abril e maio, o primeiro corte de leitos, que foram enxugados de 1.086 para os atuais 1.043. A redução passou despercebida pela população, pois à medida que os pacientes recebiam alta, as vagas deixaram de ser oferecidas pouco a pouco. “Se continuarem deixando de nos pagar, vamos ter de negociar novos cortes de leitos com o município”, avisa.


Ajustes

Ex-diretor sindical, o superintendente de finanças e recursos humanos, concomitantemente, Barbosa diz que evita ao máximo fazer cortes na folha de pagamentos, que corresponde a R$ 18 milhões mensais entre salários e encargos, mas que este mês houve 120 demissões na Santa Casa. “Também vamos rever os valores dos contratos com nossos mais de 550 fornecedores. Estamos trocando a marca da cera usada no chão até o fio cirúrgico e os medicamentos por genéricos, revendo toda a estrutura sem comprometer a qualidade da assistência”, garante o superintendente, segundo o qual os atrasos nos repasses do governo federal levam em média 50 dias, por meio do governo municipal, e os do governo estadual já acumulam cinco meses.

Com jeito pacificador, o provedor Saulo Coelho tenta tranquilizar como pode a sua diretoria, que desde que ele assumiu foi encolhida de oito para três superintendências. “Se você disser ao analista de um banco que uma empresa está devendo R$ 3 milhões por mês, ele vai falar logo que está quebrada. No entanto, a Santa Casa não está. Os pacientes continuam sendo atendidos e muita gente nos estimula com agradecimentos e sugestões”, explica o ex-político, que está pensando em aumentar o caixa da instituição apostando em repasses de emendas parlamentares e em projetos culturais e de preservação do patrimônio com o apoio da Lei Rouanet. Por fim, Coelho cita uma frase atribuída ao seu antecessor mais longevo: “A Santa Casa é um milagre que se renova a cada dia”.


Fogo começou em ventilador

 

Apesar de ser um dos últimos erguidos pelo Grupo Santa Casa, na década de 1940, nem mesmo o prédio principal de 11 andares, onde estão alojados os pacientes, que se sobressai dos demais pela altura e pelo duvidoso tom azul- calcinha, está imune ao risco de sofrer um incêndio. A estrutura, que completa 70 anos em junho, mais nova em relação às outras do século passado, foi projetada com acesso dos elevadores pela torre central, o que inviabiliza a adaptação de portas corta-fogo, por exemplo. “Estava de férias no dia do incêndio, mas uma pessoa me ligou na hora para avisar. Naqueles segundos, imaginei o pior cenário, pensando que o fogo tivesse atingido o prédio principal. Poderia ter sido pior”, desabafa o superintendente-geral, Porfírio Andrade.

Com o jaleco branco, o médico percorre os destroços do acidente provocado pelo curto-circuito em um ventilador de teto, que destruiu 100% dos equipamentos médicos em manutenção, avaliados em R$ 4 milhões, mas curiosamente preservou mais da metade das fichas e prontuários em papel dos milhares de pacientes recentes que já estiveram internados na Santa Casa. “Provavelmente surgiu daqui o foco do incêndio, segundo explicaram os bombeiros. Este ventilador deve ter encostado em alguma proteção e ficou parado. O material foi se aquecendo progressivamente e entrou em curto, mas não chamou a atenção de ninguém”, detalhou Andrade, que interditou o prédio por recomendação dos técnicos da defesa-civil que, entretanto, não chegaram a condenar o que restou da estrutura. A decisão de demolir está a cargo dos responsáveis.

Guardadas em arquivos de metal, que isolam a entrada de oxigênio, parte das fichas restaram chamuscadas pelas chamas, mas permanecem com os dados intactos, escritos em máquinas de datilografia. Em sua maioria, as fichas são identificadas pelo nome do paciente e suas profissões: servente, lavrador, balconista... “Perdemos um percentual pequeno de 30% a 40% de prontuários recentes, mas temos arquivado nos sistemas de computador o nome do paciente e de onde ele veio. Esse não é o maior dos nossos problemas”, afirma Andrade, esclarecendo que prontuários datados do século passado e a memória das gerações antepassadas atendidas pela Santa Casa estão resguardadas por empresas especializadas em arquivar documentos, distribuídos em lugares diferentes de Minas. A cada mês, somam-se outras 3,5 mil novas fichas de altas no hospital, em proporção crescente desde 2008.

Urgência

Entre as decisões a serem tomadas de urgência, com a queima do prédio centenário, estão a realocação dos setores de engenharia de medicina e depósito, além da reposição dos equipamentos que estavam em manutenção. “Perdemos R$ 1 milhão em aparelhos respiradores, mas temos cerca de 200 como esses funcionando na UTI neonatal. A cada duas horas nasce um bebê na Santa Casa”, ilustra Andrade, com pena de verificar o respirador de última geração, da melhor marca disponível no mercado, com os botões de regulagem derretidos e vidros estilhaçados. Ao todo, as perdas em equipamentos atingem perto de R$ 4 milhões, entre tomógrafos, balanças e mesas de cirurgia.

Passado o susto, a expectativa da Santa Casa é evitar que novos focos de incêndio atinjam os outros 12 prédios que compõem o quarteirão inteiro do complexo, localizado estrategicamente na região hospitalar de BH. “Aqui o teto e o forro do piso eram inteiramente de madeira, presos a colunas muito pesadas de concreto. Assim que pegou fogo no teto, as madeiras caíam no chão e incendiavam, criando reação em cadeia. As paredes com mais de 40 centímetros criavam uma panela de pressão por dentro, ao mesmo tempo em que isolavam o calor em relação aos outros prédios. Foi o que salvou”, explica. Dos outros prédios construídos na mesma época, o da Hilda Brandão já está com a reforma adiantada, mas a antiga enfermaria, ao lado da maternidade, preserva a mesma estrutura do depósito, com teto e piso em madeira.

Doações que salvam vidas


“Pode tirar foto porque hoje estou bonita”, sorri Joicymara Martins Ozório, de 24 anos, com as tranças nos cabelos cuidadosamente ajeitadas pela enfermeira Ana Caroline. Depois de ficar entre a vida e a morte após o parto do caçula Caleb, a paciente de Tumiritinga começou a melhorar no Dia das Mães, quando foi desentubada. Chegou a ter febre de 42 graus, manifestação de uma peritonite aguda, sendo tratada com compressas de gelo por 10 dias na UTI, ao custo de R$ 6 mil por dia. Pelo tratamento, o SUS reverte no máximo R$ 1,5 mil diários, limitados a 15 dias per capita.

A jovem mãe foi atendida na UTI Jonny de Andrade Faria, que leva esse nome em homenagem à mãe do banqueiro Aloysio de Andrade Faria, um dos homens mais ricos do país, que em 2011 fez doação de R$ 6 milhões à Santa Casa. Com o recurso, foram revitalizadas as UTIs do segundo e do décimo andares do hospital, com 40 leitos cada uma, que contrastam com o restante do piso de corredor da enfermaria, ainda antigo. “Uma senhora de muitas posses, querendo deixar o inventário organizado, perguntou qual era a necessidade de momento da Santa Casa. Pagou diretamente na fábrica por 10 berços da melhor marca do mercado, com respirador acoplado, além de um aparelho de ecocardiograma avaliado em R$ 74 mil”, conta a pediatra Filomena Camilo do Vale, que se nega a revelar a identidade da doadora, a pedido dela própria.

Doações como essas garantem a sobrevivência da Santa Casa, além do atendimento em larga escala pelo SUS.

Memória

Chegada com a cidade


No Brasil, as santas casas existem desde a primeira metade dos anos 1500 com a missão de atender aos pobres. Em Belo Horizonte, o complexo hospitalar nasceu dois anos depois da fundação da cidade, em 1889. Nos anos 1940, passou por ampliação com a construção do prédio principal pelo provedor José Maria Alkmin, que atualmente aloja os pacientes e se destaca pela altura. Além do atendimento a pacientes 100% SUS, o grupo conta com funerária humanizada e investimento no hospital-escola, com mestrado e doutorado em enfermagem e mais de 150 pesquisas clínicas em andamento.


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