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Estado de Minas

Chegada da lama ao Rio Doce leva medo e caos a Governador Valadares

Sem água nem previsão de quando poderá captá-la no agora lamacento Rio Doce, Prefeitura de Valadares se arma para enfrentar a mancha que torna concentração de ferro 10 mil vezes pior que a tolerada e mata toneladas de peixe, revoltando ribeirinhos


postado em 11/11/2015 06:00 / atualizado em 11/11/2015 09:34

O caseiro Heber José e o resultado da poluição:
O caseiro Heber José e o resultado da poluição: "Só aqui, salvamos uns 300 quilos de peixe. Mas isso não é nada perto do que morreu. Nem os mais resistentes aguentaram" (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)

Governador Valadares e Periquito – A Prefeitura de Governador Valadares decretou estado de calamidade pública em razão do desabastecimento de água, enquanto o Ministério Público entrou na Justiça contra a mineradora Samarco, pedindo que a empresa arque com os prejuízos da maior cidade do Vale do Rio Doce, com 278.363 habitantes. A lama das duas barragens da mineradora, que se romperam a mais de 300 quilômetros de distância, em Mariana, na Região Central do estado, inviabilizou a captação de água no Rio Doce e a administração municipal não sabe quando vai poder retomar o abastecimento. Ontem, a mancha mais densa de resíduos ainda passava pelo município, preocupando moradores, revoltando comunidades ribeirinhas e matando toneladas de peixes. A população está desde o fim de semana estocando água como pode. Reservatórios, tanques, bacias ou garrafas plásticas estão cheias, ao contrário das distribuidoras de água mineral, que ontem registraram filas de dobrar quarteirão. Nas torneiras de moradias e lojas de pelo menos cinco bairros – Centro, Santa Terezinha, São Paulo, Ilha dos Araújos e São Pedro –, não cai uma gota desde ontem de manhã.



O Ministério Público ajuizou ação civil pública cobrando da Samarco, liminarmente, todos os custos estipulados pelo plano emergencial da prefeitura. As demandas principais são 80 caminhões-pipa, que totalizam 800 mil litros de água por dia, especialmente para hospitais e escolas, 80 mil litros de óleo diesel, 50 reservatórios de 30 mil litros, um veículo com tração nas quatro rodas, um barco a motor, entre outros. “O MP já entrou com pedido no Judiciário para que se cumpra imediatamente todo o plano emergencial, sob pena de multa diária de R$ 1 milhão”, disse a prefeita Elisa Costa (PT).

Ontem, a Samarco havia disponibilizado 13 dos 80 caminhões pedidos. Veículos de São Paulo estavam a caminho, mas tiveram prejuízo no deslocamento devido à greve dos caminhoneiros, segundo a assessoria da mineradora. A prefeitura conseguiu mais nove veículos e os 22 começaram a buscar água fornecida pela Copasa em Frei Inocêncio (a 40 quilômetros de distância) e Ipatinga (100 quilômetros).

O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) tem feito análises constantes da água para avaliar quando será possível retomar a captação. Com relação ao ferro, por exemplo, o nível admitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é de 0,03 miligrama por litro de água. Ontem, um dos testes apontava 410mg/l, quantidade mais de 10 mil vezes maior que a tolerável. A turbidez da água estava 80 vezes acima do permitido para tratamento. A lama que entrou na Usina Hidrelétrica de Baguari, no município de Valadares, demorou 16 horas para chegar até a área urbana da cidade. Como o gerente-geral da hidrelétrica, Walter Leite, informou que a lama grossa ainda era constante ontem na barragem, hoje o dia ainda será de muito barro no leito do Rio Doce, principalmente na área da captação municipal. O Serviço Geológico do Brasil passou a monitorar desde ontem a onda de lama mais densa, separadamente da cheia do rio. Enquanto o nível aumentado já havia chegado a Colatina (ES), a pior parte dos resíduos ainda estava entre Valadares e Tumiritinga.

Diante das previsões nada animadoras quanto ao abastecimento de água da cidade, os 278 mil habitantes sabem que o melhor é prevenir. “Desde a sexta-feira, quando começou a circular informação da falta de água, a gente começou a encher baldes. Da torneira ainda está saindo um restinho, mas não vai durar muito”, afirmou a dona de casa Maria das Graças Alves, de 63 anos, ao lado da mãe, Maria Alves, de 83, que nunca enfrentou situação semelhante. “Tinha tempo em que nossa preocupação era a enchente do rio. Mas a água passava e ia embora. Agora, a gente fica aqui, sem saber quando a água vem.”

BATALHA POR ÁGUA Nas prateleiras do comércio da região, água mineral virou artigo de luxo. Em uma das principais distribuidoras da cidade, 300 garrafões, de 25 ou 10 litros, foram vendidos durante a tarde e a previsão era de que nova remessa só chegasse na segunda-feira. A fila dobrava quarteirão. “Desde segunda-feira cortaram o abastecimento e não se encontra mineral para comprar. A gente teve informação de que só aqui estava vendendo, por isso essaa fila enorme”, afirmou a auxiliar de limpeza Jaqueline Tais, de 21, que voltou com o garrafão vazio para casa. “Conseguimos de 10, pelo menos, apesar de estar mais caro”, contou Paulo Henrique Lopes. Com a procura, o preço do garrafão maior pulou de R$ 20 para R$ 27 e o do menor, de R$ 7 para R$ 13.

Pelas ruas em Valadares moradores e comerciantes se viram como podem, carregando garrafões embaixo do braço. Alcides Caumo, dono de restaurante e churrascaria em um dos melhores pontos da cidade, trocou as toalhas de tecido por papel e, se a água não voltar, passará a usar copos plásticos. Para não correr riscos – já que os 150 mil litros da caixa d’água serão suficientes para apenas três dias –, está reativando um poço artesiano abandonado há 15 anos. Pelo menos três faculdades suspenderam as aulas na cidade.

Lágrimas por causa da degradação

Ao atravessar de balsa o Rio Doce, Evelyn Timóteo sentiu uma vontade incontrolável de chorar. Na pequena embarcação, de menos de 4 metros quadrados, a garota de 12 anos dividia espaço com colegas de escola e dezenas de peixes mortos, alguns de mais de 10 quilos, retirados do rio. Ao sair e pisar em terra, a garota olhou para trás e não se aguentou: desabou em lágrimas ali mesmo.

“Na escola, ensinaram que tem de cuidar do meio ambiente. Antes, já estava triste. Depois do que aconteceu lá em Mariana, ficou pior ainda”, lamentava a menina, enquanto observava a água barrenta do Rio Doce, que mudou do esverdeado habitual para o vermelho. “Se não cuidar, daqui a uns dias não vamos ter mais nada. Nem rio, nem peixe”, acrescentou a mãe da garota, Suelen Timóteo, de 31, enquanto cuidava das outras duas filhas pequenas. “Tento ensinar esse amor pela natureza para eles. A gente mora aqui do lado do rio. É claro que foi um acidente, mas a população também precisa cuidar.”

O sentimento de mãe e filha resume a tristeza que tomou conta da população que vive às margens do Rio Doce. Segunda-feira, a barragem da Usina de Baguari abriu uma das comportas, liberando lama vermelha e toneladas de peixes mortos para Governador Valadares. Muitos moradores, no desespero, tentaram salvar alguns para devolvê-los ao rio quando o barro vermelho cheio de minério ralear – mas isso não tem previsão para ocorrer.

“Só aqui, salvamos uns 300 quilos de peixe. Mas isso não é nada perto do que morreu”, conta o caseiro Heber José, que mora em Baguari, distrito de Valadares. “Eu queria pedir aos fazendeiros, empresários, políticos, que pensassem no meio ambiente. Nós vamos ficar uns três, quatro anos sem comer um peixe do Rio Doce. A gente tem nossos filhos. E os netos, bisnetos, como é que eles vão passar?”, preocupa-se Heber. (RD)


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