Dançar sem preocupação, cuidar das bonecas, ser bombeiro ou tudo o que a imaginação permitir. A brincadeira é sagrada para as crianças atendidas pela Casa de Acolhida Padre Eustáquio (Cape), no Bairro São Luís, Região da Pampulha em Belo Horizonte “Aqui é permitido a elas serem crianças e viverem a infância da melhor maneira possível”, afirma a psicóloga Paola Duarte. Oitenta e sete crianças e adolescentes com idades entre 0 e 18 anos são acolhidos com seus respectivos familiares no momento em que passam pelo tratamento do câncer. Vindas do interior e até de outros estados, as famílias ficam sem chão ao receber o diagnóstico de doenças como leucemia, tumores no cérebro, doenças hematológicas e outros problemas que requerem um tratamento complexo. Para que os filhos possam viver, as mães não medem esforços e vão aonde for necessário para que os pequenos se recuperem.
A residência foi criada, em 2013, para hospedar as crianças e os pais enquanto elas passam por tratamentos na Santa Casa de Misericórdia, Hospital das Clínicas, Hospital da Baleia e Associação Dreminas. Ao todo, são 4 mil metros quadrados de área construída. Os quatro andares contam com 32 suítes, “adoleteca”, biblioteca, brinquedoteca, sala de fisioterapia, auditório, capela e sala de informática. Desenhos e grafites dão cor e vida a cada ponto da casa, por onde os pequenos correm e brincam. Tudo tem que funcionar para que eles se sintam em casa ou para que, pelo menos, o sentimento de ficar distantes de seus lares seja amenizado.
O Xerife Woody e a namorada Jessie acolhem as crianças quando chegam à brinquedoteca. Em tamanho natural, os personagens do filme Toy Story não deixam dúvida que naquele espaço a brincadeira é sagrada. Manoel Lucas Avelar dos Santos, de 11, coloca o capacete amarelo e convida a amiga Joana Mara Xavier, de 8, para jogar totó na “adoleteca”. Manoel explica que é o lugar na casa para os adolescentes, onde podem jogar videogame ou disputar uma partida de totó. O pequeno Arthur Amaral Loyola, de 2 anos, anda de velotrol , enquanto Thialyta Rakelny evolui nos passos de dança. A menina adora hip hop.
Muitas vezes, as mães deixam outros filhos nas cidades de origem para acompanhar o que está em tratamento. Foi o que ocorreu com a dona de casa Elza Inocêncio de Avelar, de 38 anos, mãe de Manoel. “Larguei minhas quatro meninas. Melhor do que aqui só a casa da gente mesmo. É um momento muito difícil”, diz. Ela lembra que, no primeiro momento do tratamento do filho, ficou nove meses vivendo no Cape. “Ai de mim se não fosse a casa! Agradeço muito a Deus por ter encontrado este lugar”, diz emocionada. Elas ficam por conta da recuperação dos filhos, que precisam ir aos hospitais para receber a medicação e tratar eventuais sequelas trazidas pela doença.
O amor aos filhos aproxima as mães, que se ajudam dando suporte umas às outras. “É muito difícil ver o filho da gente doente. Mas aqui a gente não entra em depressão”, diz Ana Raquel Castro de Oliveira, de 26, mãe de Thialyta. “As pessoas moram longe. É difícil ir e voltar. A casa é a melhor maneira para encontrar tranquilidade”, completa. Elizabete Pereira Santana, de 28, veio do Rio de Janeiro para cuidar da filha. “Gabriela teve que colocar um globo ocular no lugar do olho que precisou ser retirado por causa da doença.” Nos momentos que não estão acompanhado os filhos nos hospitais, as mães participam de oficina de artesanato, passam por sessões de terapia e massagem. Todas também são acompanhadas por nutricionistas e psicólogas.
Uma das preocupações da equipe da casa é dar o suporte emocional aos responsáveis pelas crianças. “A mãe tem que estar bem para que os meninos sigam bem no tratamento”, diz a coordenador social Simone Souza. Para fortalecer o espírito, as mães podem participar de momentos de oração nos finais de semana. Aos domingos, são celebradas missas na capela que fica na casa. “As pessoas voltam dos hospitais com diagnósticos não muito bons. Se não acreditar e não tiver fé, é o fim. Aqui não tratamos da doença nem da morte. Tratamos da vida. Aqui não tem lugar para tristeza”, afirma coordenadora administrativa Mônica Araújo. Devido ao tratamento, as crianças precisam se afastar da escola. Para que o estudo não seja interrompido, a casa assinou convênio com a Prefeitura de Belo Horizonte para o funcionamento de uma turma multisseriada. É uma das primeiras experiências em casas da acolhida em todo o Brasil.
DOAÇÕES As jogadoras do time feminino do América Futebol Clube fizeram a alegria das crianças da Casa da Acolhida Padre Eustáquio (Cape) na manhã de ontem. Elas foram até lá para brincar com a garotada. As atletas entregaram 368 quilos de alimentos que foram doados por torcedores na decisão do Campeonato Mineiro, realizado há uma semana na Faculdade Universo.
O espaço é mantido com as doações do Instituto Dona Lucinda, mas os gastos são muito altos, o que faz com que a direção da casa busque outras fontes de recurso. Para manter o espaço, são gastos cerca de R$ 120 mil por mês. “O tratamento é muito longo. Muitas crianças passam mais tempo na casa de apoio do que no hospital e do que em suas próprias casas”, diz Mônica. A casa foi idealizada por José Marcílio de Moura Nunes, filho de uma das chefs de cozinhas mais renomadas de Minas Gerais, Dona Lucinha.
Um dos gastos mais elevados é com o pagamento de transporte para que as crianças possam ir para consultas e sessões de tratamento. Mônica lembra que, se a instituição tivesse um carro próprio, a situação ficaria mais fácil. “Gastamos de R$ 13 mil a R$ 14 mil somente com táxi”, relata. A equipe conta com 21 colaboradores, entres os quais cozinheiros, psicólogos, orientadores e funcionários da área administrativa.