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Estado de Minas

DA FELICIDADE À SAUDADE: reportagem do EM segue jornada sentimental nas linhas de BH

Do embarque ao ponto final, flagrantes, descobertas e dificuldades de um desafio coletivo


postado em 04/10/2015 09:00 / atualizado em 04/10/2015 09:44

Nos dias úteis, cerca de 1,6 milhão de pessoas utilizam os ônibus diariamente(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Nos dias úteis, cerca de 1,6 milhão de pessoas utilizam os ônibus diariamente (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

A reportagem do Estado de Minas segue na jornada sentimental pelas linhas que ligam vidas e histórias em Belo Horizonte. Às 17h30, desembarca na Área Hospitalar em busca do ônibus que leva para a Saudade, na Região Leste. É preciso correr para pegar o 9801 (Santa Cruz–Saudade). Três meninos que saem de uma escola pegam carona do lado de fora, na Rua Álvares Maciel, e seguem – escutando um funk bem alto – pendurados nas portas até o Paraíso, que, com letra maiúscula, é o bairro, não o Éden.

Sacolejando a bordo, há tempo para indagar sobre denominações tão curiosas. O Bairro Saudade, por exemplo, leva esse nome por causa do Cemitério da Saudade, construído por lá em 1941, em uma das partes mais elevadas da cidade. Enquanto o motorista Cláudio Santana, de 47 anos, acelera cuidadosamente pelas ruas estreitas do lugar, é possível observar a fusão das cores no lusco-fusco da capital mineira. Tons de rosa, laranja e amarelo se fundem no horizonte e enchem a alma de sentimento nostálgico. “Tenho saudade da minha família que mora na roça, lá em Pimenta de Baixo, distrito de Piranga”, confidencia o motorista.

Depois que a luz do dia se vai, um gato aproveita o asfalto ainda quente da Rua Doutor Brochado, em frente ao ponto final do 9801, para se deitar. Enquanto passageiros esperam pela saída do próximo ônibus, um senhor faz um discurso de ódio contra o governo, xinga palavrões e maldiz o voto alheio. O gato pega no sono e quase é atropelado por um carcomido Kadett. São 18h15. A maioria dos passageiros agora é formada por estudantes, que embarcam de banho tomado. O perfume das mulheres e os cabelos molhados passam a dominar o ambiente e animam a equipe de reportagem, que segue no 10º ônibus do dia.

Logo no começo da jornada, às 11h, a linha 3030, que seguiu do Bairro Funcionários para o Bairro Pilar, também estava repleta de estudantes, a caminho de uma universidade da Região do Barreiro. Contrariando o senso comum, apenas duas pessoas tateavam seus smartphones, enquanto quatro estudavam atentamente. “Eu não sei o que é genoma até agora”, segredou uma estudante para a outra, sentada ao lado. “Os nucleotídeos formam o genoma”, resumiu a colega.

Ver galeria . 12 Fotos No letreiro, o destino e a esperança de passageirosAlexandre Guzanshe/EM /D.A. Press
No letreiro, o destino e a esperança de passageiros (foto: Alexandre Guzanshe/EM /D.A. Press )


TENSÃO E AMEAÇA

Enquanto o 3030 fazia o retorno no Centro, na Avenida Afonso Pena, três mulheres pegaram carona penduradas na porta. Uma delas gritava que ninguém poderia prendê-la. Quase na Praça Sete, um policial militar ordenou que descessem – sem sucesso. Quando o coletivo passava em frente ao prédio da Prefeitura de BH, uma viatura policial aguardava as três, mas elas conseguiram escapar. Um amigo do trio ficou irritado com o repórter fotográfico, que registrou a cena. Desceu do ônibus ameaçando “um tiro na cara”, mas apenas vociferou. Alívio que não tiveram as pessoas que estavam no mesmo ambiente em que ameaça igual se concretizou, na quinta-feira, em um ônibus da linha 1502, nos cinco estampidos que tiraram a vida de um fiscal.


Refeito o susto, voltando do Bairro Pilar, a reportagem desembarca em frente ao BH Shopping, no Belvedere. Troca para o ônibus da linha 010 (BH Shopping–São Francisco). Mais que nos deslocamentos dentro da cidade, essa viagem faz jus ao nome, pois segue majoritariamente pelo Anel Rodoviário. No micro-ônibus, padrão das linhas suplementares, o tamanho reduzido permite escutar a conversa alheia.

Duas moças falam sobre a atitude de uma terceira, que elas acreditam trair o marido. “Ela chega lá e diz: 'Oi, amor!’ na maior cara de pau”, se indigna a que segue sentada na poltrona do corredor. Da janela, é possível ver o muro vermelho de um drive-in, no Bairro Betânia, na marginal da estrada, e a mulher sentada na portaria, que tecla em um celular.

O desembarque é no Anel mesmo, logo após cruzar o viaduto sobre a Avenida Amazonas. Em nossa vida passageira, hora de embarcar no 3053, que vem do Barro Preto, Região Oeste, e vai até a Estação Barreiro, próxima parada. O sol abrasador das 14h ameaça cozinhar os passageiros. Cinco estão dormindo e nem prestam atenção aos cartazes colados embaixo do viaduto da Cidade Industrial: shows do Roupa Nova e do Racionais Mcs. São indiferentes também à pichação que conclama à revolução e pede que os cidadãos não votem.

A Avenida Amazonas, com as avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado, forma o conjunto dos principais corredores de tráfego da capital. A BHTrans estima que até o fim do ano que vem, a Amazonas terá seu Move, assim como as outras duas.

GARGALO NA PONTA

Enquanto o BRT não chega à Amazonas, a reportagem embarca no 65 (Centro – Estação Vilarinho) às 19h50, na Avenida Santos Dumont, no Centro. O Move está lotado, mas o ar-condicionado ajuda – funciona bem. As televisões repetem notícias em loop infinito: novo disco do U2, política na Grécia, nova música de Paula Fernandes e previsões astrológicas. A recomendação é para que os escorpianos tenham paciência na vida amorosa.

As janelas fechadas, o ar-condicionado e o barulho do motor contribuem para que as pessoas fiquem indiferentes ao que ocorre do lado de fora, nas avenidas Antônio Carlos e Pedro I. Um senhor, em pé, lê em um Kindle, vários passageiros ouvem música e outros cochilam. Muitos olhares furtivos para a moça vestida com roupa de ginástica, cujos braços estendidos revelam axilas perfeitamente depiladas. Após 25 minutos, o Move passa pela Estação Pampulha e é possível ver, à direita, o circo armado – aquele mesmo anunciado horas atrás, enquanto aguardávamos o 1505 no Centro da cidade.
Para quem precisa seguir em uma das linhas alimentadoras, quando se chega à Estação Vilarinho, o único circo imaginável é o de horrores. A fila para embarcar no 641, com destino ao Bairro Serra Verde, é imensa. O ônibus da linha alimentadora chega e todos entram. Mantendo a analogia circense, o lotação se parece com os velhos carros de palhaço, onde um número improvável de pessoas se espreme.

Reclamações são o ruído de fundo, difuso, onipresente. “Todo dia é assim: passa a cada 40 minutos. Ninguém consegue ficar esperando o próximo”, protesta a vendedora Edileidi Silva, moradora do Bairro Minas Caixa. Antes do Move, ela saía do Centro às 19h e chegava a sua casa pouco depois das 20h. Agora, se consegue embarcar na linha alimentadora às 20h20, chega às 21h. “É uma falta de respeito”, resume a promotora de vendas Luciana Pereira. Vida que segue, viagem também. Amanhã, é dia de embarcar de novo.


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