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Estado de Minas

Dez anos após a morte de Jean Charles, parentes e amigos renovam apelo por justiça

Na data que marca os 10 anos da execução do mineiro pela polícia em Londres, homenagens foram realizadas diante do local da tragédia


postado em 23/07/2015 06:00 / atualizado em 23/07/2015 07:04

A prima Vivian Menezes diante do painel que relembra o brasileiro executado:
A prima Vivian Menezes diante do painel que relembra o brasileiro executado: "É inacreditável o que ocorreu" (foto: JUSTIN TALLIS/AFP PHOTO)
Londres – Em contraponto aos oito estampidos que 10 anos atrás tiraram a vida de um inocente, um minuto de silêncio, dor e indignação. Pouco depois das 10h de ontem (6h em Brasília), parentes e amigos de Jean Charles de Menezes relembraram em Londres o momento da morte do mineiro e voltaram a cobrar punição dos envolvidos na desastrada operação policial que matou o eletricista brasileiro, ao confundi-lo com o terrorista etíope Osman Hussein.

Em dia 22 de julho de 2005, naquele mesmo horário, Jean, então com 27 anos, foi alvejado repetidas vezes diante dos passageiros de um vagão na estação de metrô de Stockwell, ao Sul de Londres. A Scotland Yard, polícia metropolitana, foi considerada culpada pelos erros na ação, mas até hoje ninguém foi criminalmente punido pelo episódio. Como mostrou o Estado de Minas nas primeiras repostagens da série “Jean Charles – 10 anos depois...”, publicadas nos dias 19 e 20, a última esperança de familiares e amigos para pôr fim a uma década de impunidade é um recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Tedh), em Estrasburgo (França).

Nessa quarta-feira, com flores e velas, um grupo de 10 pessoas próximas a Jean relembrou a memória do mineiro, em frente ao painel inaugurado em 2010 na estação de Stockwell, sob olhar de curiosos e de jornalistas brasileiros e britânicos. Criado por uma artista sul-africana, o memorial foi autorizado há cinco anos pela empresa que gerencia o metrô de Londres, e até hoje recebe flores e cartas de apoio, muitas de brasileiros que visitam o local para prestar homenagens e tirar fotos. O mosaico de azulejos coloridos, com foto e a palavra “inocente” em letras garrafais, acrescenta: “nascido em Gonzaga e baleado aqui, em 22/7/2005”.

“Há 10 anos, meu primo veio até aqui e foi morto. É inacreditável pensar no que ocorreu, ele era um inocente, querendo ajudar sua família. Queremos a punição dos responsáveis pela operação”, disse Vivian Menezes Figueiredo, de 34 anos, prima de Jean e que vive Londres desde a época da execução. “Nenhuma pessoa foi condenada. Só gostaríamos de pedir que a justiça fosse feita”, reforçou Alessandro Pereira, de 32, também primo do brasileiro.

Em sua versão, a polícia alegou acreditar que Jean Charles fosse Osman Hussein, suspeito de tentar, sem sucesso, promover um ataque terrorista um dia antes, em uma ação ligada aos atentados de 7 de julho, quando quatro homens-bomba atacaram o metrô de Londres e deixaram 52 mortos. Segundo a polícia, Hussein vivia no apartamento 21 da Scotia Road, no bairro de Tulse Hill. Jean Charles morava no 17.

SEM CONDENADOS
A Scotland Yard foi considerada culpada pela Justiça britânica, em 2007, pelos erros na operação, e teve de pagar uma multa. Em 2009, chegou a um acordo de indenização com os pais do brasileiro, com valor em torno de 100 mil libras esterlinas, cerca de R$ 286 mil na época. Porém, nenhum agente ligado à ação foi condenado. No mês passado, um advogado britânico do governo argumentou no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que os policiais que executaram a vítima não tinham nenhuma responsabilidade pessoal pela morte.

O então diretor da polícia, Ian Blair, desgastado pelo caso, deixou o cargo em 2008. Recebeu 400 mil libras quando renunciou, em outubro daquele ano. Dois anos depois, virou nobre, “Lord Blair de Boughton”, após ser nomeado para uma cadeira na Câmara dos Lordes, a Câmara Alta do Parlamento britânico.

Patrícia Armani da Silva, prima de Jean que morava com o mineiro em Londres na época, também criticou a ação policial. “Eles precisavam matar alguém naquele dia, porque a pressão era muito grande por causa dos atentados do dia 7 de julho e, depois, do dia 21”, afirmou, em referência aos ataques à bomba que mataram 52 pessoas e da ameaça ocorrida na véspera da execução. “Foi uma grande sacanagem, pois, por mais que a cidade estivesse vivendo um momento de puro horror, eles estavam lidando com a vida de pessoas. E falharam”, disse ela, em referência à sucessão de falhas operacionais apontadas na investigação sobre a morte (leia abaixo).

Um passado que teima em não passar


Em reportagens especiais publicadas em suas edições de domingo e segunda-feira, o Estado de Minas mostrou que, uma década depois do assassinato de Jean Charles, seus pais continuam morando na propriedade rural simples em Gonzaga, na qual o filho foi criado. O repórter Pedro Ferreira revelou que eles não apenas não conseguiram deixar para trás o fantasma da tragédia, como hoje veem um dos netos, de 17 anos, sonhar em também partir para o exterior. O projeto é recorrente na cidade do Vale do Rio Doce, que tem boa parte de sua economia movimentada pelos dólares e euros enviados por moradores que vivem nos Estados Unidos ou na Europa. De Londres, o repórter Renan Damasceno contou que a última esperança de parentes de Jean que ainda vivem na Inglaterra é o recurso sob responsabilidade da advogada e ativista Harriet Wistrich, que começou a ser julgado no mês passado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

SUCESSÃO DE FALHAS ATÉ A EXECUÇÃO

Fotos do verdadeiro alvo não chegaram
A polícia obteve imagens do terrorista com quem Jean Charles de Menezes foi confundido, o etíope Osman Hussein, mas elas não chegaram às mãos dos agentes nas ruas. As imagens chegaram a ser entregues na sede da Scotland Yard, mas ficaram esquecidas.


Jean não foi parado a caminho do metrô
O policial responsável por gravar a entrada e saída de pessoas do prédio suspeito urinava no momento em que Jean saiu,
por isso não foi capaz de identificá-lo. Os policiais tiveram várias oportunidades para abordá-lo, mas apenas o seguiram, inclusive dentro do ônibus. A equipe de vigilância esperava uma ordem de abordagem, que não foi dada.


Falhas de comunicação e de identificação
A força-tarefa criada para combater a ameaça terrorista que se instalou na Inglaterra contava com agentes que, aparentemente, tinham problemas de comunicação. Integrantes da equipe de vigilância e da Polícia Metropolitana usavam códigos diferentes para se referir às características do suspeito. Em vez de radiocomunicadores capazes de funcionar dentro da estação do metrô, usavam telefones celulares.


Indecisão do comando de operações
A comandante da operação, Cressida Dick, demorou para tomar uma decisão quando o suspeito estava na porta do metrô. Em depoimento, os policiais da vigilância disseram estar aptos a parar Jean sem uso de violência ou risco à população. Mas a ordem de Cressida para detê-lo veio tarde demais, quando Jean já estava na escadaria.


Suspeito não recebeu advertência
As 17 testemunhas que estavam dentro do vagão em que Jean Charles foi assassinado disseram não ter ouvido qualquer alerta dos policiais à paisana à vítima, antes dos disparos. Os agentes tiveram tempo suficiente para observar o comportamento do brasileiro e avaliar se ele aparentava risco ou não.


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