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Estado de Minas

Desafio: Repórteres do EM passam três dias com água apenas para necessidades básicas

Relatos da experiência ajudam a alertar para a importância de economizar diante das dificuldades de ficar sem água em casa


postado em 01/02/2015 06:00 / atualizado em 01/02/2015 08:17

Viver sem água na torneira e no chuveiro é um inferno – banho de caneco, panela suja na pia da cozinha e aquela sensação de que nada está limpo. Milhares de mineiros já vivem esta situação caótica e, em alguns casos, chegaram a ficar 15 dias no seco, buscando baldes em bicas e minas longe de casa. Para sentir na pele os efeitos da crise hídrica, os repórteres Gustavo Werneck e Márcia Maria Cruz passaram três dias, cada um em sua casa, com um estoque de água suficiente para as necessidades básicas. Tarde da noite, depois do serviço, o jornalista esquentou água no fogão, temperou com alguns litros frios numa bacia e encarou o desafio de tomar banho sem ducha. Para evitar pratos e talheres sujos, comprou material descartável. No segundo dia da simulação de falta de água,  a repórter teve certeza de que a carestia não é algo distante. Não adianta buscar soluções para economizar água e aumentar o gasto de energia elétrica. Ela também apagou as luzes, abriu a geladeira apenas o tempo necessário e reduziu o consumo de bens industrializados. O racionamento voluntário não foi fácil e a experiência serviu para levar à reflexão sobre excessos e desperdício. Cada copo de água agora é visto por eles como um tesouro.

Lembretes espalhados pela casa ajudaram na 'tarefa' de passar três dias sem água(foto: Edésio Ferreira/EM/D. A. Press)
Lembretes espalhados pela casa ajudaram na 'tarefa' de passar três dias sem água (foto: Edésio Ferreira/EM/D. A. Press)
PRIMEIRO DIA
Banho com caneco

Meu primeiro dia sem água começou, na verdade, na véspera. Fiquei imaginando como seria tomar banho, escovar os dentes, lavar vasilhas, dar descarga, enfim, manter a rotina de qualquer cidadão. Vou confessar: até sonhei que usava a pia da cozinha, tal a ansiedade. De volta à realidade, comprei pratos, talheres e copos descartáveis – sou adepto do lixo reciclado, então não seria problema, depois, limpar o material e deixá-lo na porta para o caminhão recolher. Comprei também galão (cinco litros) de água mineral e balde (16 litros) e o enchi, com mais cinco recipientes. No total, quase 80 litros. Não satisfeito com o “arsenal”, escrevi cartazes com a frase “Estamos sem água” (foto) e espalhei por todo o apartamento – dessa forma, não correria o risco de abrir torneiras.

No verão, costumo tomar até três banhos por dia para ficar de corpo limpo e alma lavada. O que fazer agora? Na primeira manhã, lavei o rosto e escovei os dentes com a água do galão; a ducha rápida foi na academia de ginástica, algo que nunca havia feito nos 14 anos que vou lá. À noite, na volta do trabalho, esquentei uma panela de água no fogão, temperei com alguns litros da fria e tomei o velho banho de caneco, deixando um resto para jogar sobre a cabeça no fim. Lembrei-me do conforto da água morna escorrendo pelo corpo depois de muitas horas de trabalho e pensei como seria ficar no seco, num racionamento bravo, sem uma gota para dar uma refrescada.

SEGUNDO DIA
luzes apagadas


Pia da cozinha cheia é o fim. Como dei folga para a empregada, que vem dois dias na semana, usei o material reciclável para fazer as refeições e passei a comer mais fora, evitando acumular panela suja e aumentar minha aflição. Mas, como isso nem sempre é possível, me virei como pude e vi que há uma “logística” toda especial para lavar vasilhas e talheres com pouca água: ainda não peguei muito o jeito, mas prometo que vou aprender, pois nunca se sabe! Outro detalhe importante é estar preparado para zanzar pela casa com baldes e panelas cheias.

Num copo de plástico, escrevi Gus, sílaba inicial do meu nome, e o deixei ao lado do galão de água mineral, para não sujar outro. Me sentindo treinado para tempos de crise, passei também a abrir menos a geladeira, de forma a economizar energia, e apagar todas as luzes.


Nos momentos de folga, fiquei de olho na reserva de água, “milimetrando” o nível dos baldes. Lembrei-me de uma dona de casa que entrevistei na semana passada em Urucânia, na Zona da Mata, que, com o bebê recém-nascido, caminhara dois quilômetros para garantir um balde cheio e cuidar da higiene dele. Será que chegaremos a este ponto?, refleti sem parar. Se pia suja é uma tragédia, pior ainda o vaso sanitário, portanto, guardar água para o ritual da manhã é sagrado. Em mais de uma vez, recolhi o restinho da água do banho noturno para despejar na privada na manhã seguinte.

TERCEIRO DIA
Pele engordurada


A falta de água e o medo de viver uma situação de escassez prolongada me deixaram irritado. Fui sentindo a pele engordurada, embora fazendo o possível para manter a higiene completa. Novamente, tomei uma ducha na academia de manhã, e, desta vez, encontrei uma situação diferente, pois o banheiro estava em obras. Era o imprevisto batendo à porta, mas relaxei e procurei ser bem rápido. Cheguei em casa suando em bicas, por causa do sol do meio-dia, e vi as roupas acumuladas pelos cantos. Ligar a máquina de lavar, nem pensar, pelo menos por enquanto!

Quando comecei meu “racionamento”, não troquei as roupas de cama e banho, como faço toda terça-feira. Senti uma morrinha na toalha de banho e, mesmo com pouca água, resolvi imediatamente colocá-la de molho. Olhei no espelho e fiz cara de nojo. Neste último dia, a água do meu reservatório particular estava por um fio.  Cheguei em casa por volta de meia-noite e meia e repeti o ritual de esquentar a água e misturar com água fria, sonhando com uma chuveirada deliciosa na sexta-feira. E, claro, fazer a barba. (Gustavo Werneck)

Baldes foram a 'salvação' para armazenar um pouco de água para o consumo diário(foto: Edésio Ferreira/EM/D. A. Press)
Baldes foram a 'salvação' para armazenar um pouco de água para o consumo diário (foto: Edésio Ferreira/EM/D. A. Press)
PRIMEIRO DIA
Tormento do vaso


Ao saber que simularia falta d’água por três dias, listei as vezes em que precisaria dela durante o dia e defini as prioridades. Comprei um balde de 20 litros para reservar e enchi as garrafas da geladeira, cada uma com 2 litros. No total, teria à disposição 24 litros para três dias. Pensei que, com tão pouca água, não teria como lavar as vasilhas. Almoçaria na rua e em casa comeria frutas, biscoitos e pães. A água reservada seria para o banho, para beber e dar ao Scott, meu cachorro de estimação.
O banho pela manhã é o momento em que me preparo para o dia. Diante da escassez, a primeira providência foi cortá-lo. Tomaria apenas à noite. Essa mudança teve consequência em todos os meus outros hábitos. Meu relógio biológico funciona regularmente pelas manhãs. Estava aí o primeiro desafio.


A maior preocupação era ter água para o vaso sanitário. Foi o que mais me atormentou. Pensei que poderia reaproveitar o pouco de água que consegui guardar. Usei uma bacia de plástico pequena para não deixar a água se esvair pelo ralo. Procurei regular o meu intestino para ir ao banheiro à noite. Seria feito à moda antiga, como minha avó costumava fazer: esquentar a água no fogão e molhar com caneca. Não era muita água, 5 litros. Primeiro, distribui a água pelo corpo e usei um pouco para fazer espuma e a que restou para eliminar o sabão. Depois joguei o que reaproveitei no vaso.

SEGUNDO DIA
Aniversário seco

Era o dia do meu aniversário, então pensei em fazer uma massagem relaxante. Tive a ideia antes de saber da restrição hídrica a que estaria submetida, então não teve como cancelar. A massagista sugeriu que eu deveria tomar um bom banho quando chegasse em casa. Sem falar com ela, pensava que teria apenas 5 litros para todo o dia e que não poderia gastá-los de manhã. Deixei para tomar banho à noite, mas este dia, por efeito da massagem, foi o mais difícil de resistir a ir ao banheiro.  
Para fazer a higiene matinal, nos três dias, usei um copo de água para escovar os dentes e lavar o rosto. À noite, como tinha ficado o dia inteiro com o óleo da massagem, precisei usar um pouco mais de água para ficar razoavelmente limpa. Foram 7 litros e não 5 como no primeiro dia. Fiquei preocupada, pois não cumpri a cota do dia. O melhor momento do dia era quando tomava banho, porque poderia enfim ir ao banheiro. Era mesmo um alívio poder usar a água do banho para jogar no vaso. Nunca pensei que a falta d’água poderia mudar tão profundamente minha rotina.

TERCEIRO DIA
Escovar os dentes e dormir


Neste dia, não dei conta. Já estava cansada de tomar banho apenas à noite e irritada com a falta d’água para cuidar da casa. Olhava para o cesto e a roupa suja acumulava. Dividi em duas partes a água que me restava, cerca de 6 litros. Tomei um banho com 3,5 litros. Deixei o resto no balde (foto) para tomar banho à noite. Nos três dias, a água ocupava todo o meu pensamento. Mesmo fora de casa, o meu ímpeto era economizar, porque pensava que, se desperdiçasse, poderia faltar a alguém.
Ao ir para casa no fim da jornada, o que mais queria era tomar um belo banho, mas também estava com fome e vontade de ir ao banheiro. Eu não tinha nem 3 litros d’água e evidentemente não daria para fazer as três coisas. Para jantar, uma conserva de berinjela, feita por minha mãe, que estava na geladeira e pãezinhos. Para tomar banho, teria que esquentar a água e preparar a bacia. Desisti. Usei apenas um copo dessa água para escovar os dentes e lavar o rosto. O melhor era dormir e esperar o dia seguinte, quando, enfim, poderia usar o chuveiro. (Márcia Maria Cruz)


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