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Estado de Minas

Justiça aperta o cerco a detentos de Ribeirão das Neves em regime semiaberto

Pente-fino em cartas de trabalho do principal polo prisional do estado constata que a maioria era fraudada.


postado em 10/05/2014 06:00 / atualizado em 10/05/2014 07:03


Fraudes em série identificadas no esquema do regime semiaberto levaram a Justiça a determinar que detentos do maior complexo carcerário de Minas saiam das penitenciárias para trabalhar somente em empresas parceiras da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). Investigação do Ministério Público (MP) estadual e do Serviço de Inteligência da Seds mostrou a falta de controle no cumprimento das penas dos detidos em Ribeirão das Neves, na Grande BH, ao identificar que a maioria das cartas de trabalho externo apresentadas por eles era falsa. A apuração constatou contratação de presos por empresas fantasmas, uso do CNPJ de firmas sem o conhecimento dos donos e aberrações como a emissão de 100 cartas de emprego por um mesmo estacionamento. Sem fiscalização efetiva, na prática os presidiários deixavam a cadeia para fazer o que bem entendessem na rua. Com o endurecimento das regras, advogados de detentos já tentam reverter a decisão, apelando ao Tribunal de Justiça.

“Havia uma indústria de cartas de emprego, com pessoas especializadas em forjar os documentos e criar firmas falsas”, afirma a juíza titular da Vara de Execução Penal de Ribeirão das Neves, Míriam Vaz Chagas. O fim da farra foi decretado em novembro, quando as decisões da juíza passaram a tornar obrigatório o emprego de detentos em empresas parceiras da Seds, por meio do Programa Trabalhando a Cidadania. O entendimento foi fruto de ação conjunta entre o Judiciário, a Seds e a Promotoria de Justiça de Execução Penal, responsável pela investigação extensa das fraudes.

“O portão da penitenciária era igual a portaria de motel: tinha gente saindo e entrando o tempo todo. O preso apresentava um papel assinado por não sei quem, informava que estava trabalhando, saía da penitenciária às 6h e só voltava às 20h. Lá fora, podia ir para casa, para a boca de fumo, podia roubar...”, afirma o promotor de Justiça de Execução Penal de Neves Henrique Nogueira Macedo. Ao lado da também promotora de Execução Penal Ana Cecília Junqueira Gouvêa, ele detectou irregularidades graves. “Ligamos para vários estabelecimentos e verificamos que os presos nunca haviam trabalhado neles. Diagnosticamos que o problema era endêmico”, conta o promotor.

Segundo ele, a situação do maior polo do sistema prisional de Minas era um espelho do que ocorre no país. Neves concentra em seus sete presídios 13% da população carcerária de Minas. De um total de 53 mil detentos, cerca de 7 mil estão no município da Região Metropolitana de BH. Lá, encontram-se 1 mil presos em regime semiaberto, todos trabalhando fora das penitenciárias – 700 deles no novo sistema de parceria e 300 ainda no esquema antigo. O montante representa 54% dos 1.853 presidiários do semiaberto que trabalham fora dos presídios em todo o estado. A maior parte está na penitenciária José Maria Alkmim (PJMA).

PIZZARIA Acionado pela direção do presídio, o Serviço de Inteligência da Seds também descobriu fraudes como a representada pela concessão de cinco cartas de emprego a detentos por uma pizzaria no Bairro Alípio de Melo, na Região Noroeste de Belo Horizonte. Ao chegar ao endereço, a equipe encontrou uma farmácia que jamais havia contratado presidiários. Em um estacionamento na Rua São Paulo, no Centro de BH, a informação era de que havia quatro detentos fichados. “Um advogado do estacionamento tinha usado o CNPJ da empresa sem o conhecimento do dono”, afirma o diretor-geral da PJMA, Igor Tavares.

A juíza Míriam Vaz Chagas reconhece que a fiscalização da veracidade das cartas tem limitações. Segundo a magistrada, a exigência da Justiça era de que o detento apresentasse carta de emprego com papel timbrado da empresa, o CNPJ e o carimbo com firma reconhecida do responsável pela contratação. “Muitas vezes, com menos de dois dias de prisão eles apresentavam carta de emprego. Fazíamos a conferência na junta comercial, mas havia pessoas especializadas em forjar documentos”, conta.

As fraudes incluíam desde a falsificação até cartas concedidas por empresas de amigos dos presos, sem a necessidade de que o detento trabalhasse efetivamente. O subsecretário de Administração Prisional, Murilo Andrade de Oliveira, admite que também falta fiscalização para verificar se o detento está realmente no trabalho. “Ele sai e volta para o presídio sem um controle diário ou mensal. O acompanhamento só é feito quando há suspeita de irregularidade ou demanda da unidade prisional, do MP ou da Justiça. Estamos tentando tornar isso uma rotina”, diz.

A contratação por empresas parceiras do estado foi a saída encontrada para pôr fim à farra. “Antes, não havia um pensamento formado no sentido de obrigá-los a isso”, afirma a juíza. Agora, somente se o estado não conseguir oferecer a vaga é que será dada oportunidade de apresentar cartas de trabalho externo. A postura, entretanto, já está sendo questionada. “Estamos enfrentando recursos por parte de advogados buscando desqualificar nossa decisão. Os presos não estavam acostumados a isso”, diz a magistrada.

"Havia uma indústria de cartas de emprego, com pessoas especializadas em forjar os documentos e criar firmas falsas", Míriam Vaz Chagas,juíza titular da Vara de Execução Penal de Ribeirão das Neves (foto: juarez rodrigues/EM/D.a Press)


Por trás das grades


53.081
presos em unidades prisionais

13.000
detentos com autorização para trabalhar

6.000
com autorização para estudar

7.910
cumprem pena em regime semiaberto

1.853
autorizados a trabalhar fora das penitenciárias (23,4% do regime semiaberto)

2.750
presos trabalham por meio do sistema de parcerias (dentro e fora das unidades)


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