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Estado de Minas

Cine-Theatro Central completa 85 anos e será reformado

Casa de espetáculos de Juiz de Fora, na Zona da Mata, passará por reforma para preservar sua impressionante decoração com sabor neoclássico


postado em 29/03/2014 06:00 / atualizado em 29/03/2014 07:11

O interior do cinema, que, segundo o pró-reitor da Universidade Federal de Ouro Preto, é um verdadeiro museu. (foto: acervo ufjf/divulgação)
O interior do cinema, que, segundo o pró-reitor da Universidade Federal de Ouro Preto, é um verdadeiro museu. (foto: acervo ufjf/divulgação)


O número de lugares do Cine-Theatro Central, de Juiz de Fora, inaugurado em 30 de março de 1929, surpreende – 1.851 cadeiras. Basta lembrar que o Grande Teatro do Palácio das Artes, inaugurado em 1971, tem 1.705 lugares. Mas o que impressiona mesmo, ainda hoje, é o interior da casa, decorada em dourado e tendo no teto monumental pintura do italiano Ângelo Bigi (1887-1953). “São 20 camarotes, palco de 120 metros quadrados, 1,5 mil bicos de luz, 16 saídas”, informa Waltencyr Parizzi, de 85 anos, que trabalhou no local por mais de 50 anos. Fez de tudo: foi bilheteiro, lanterninha, programador, gerente e assistente da diretoria. Amanhã, o Cine-Theatro Central completa 85 anos.

“O Cine Central tinha prestígio. Os lugares eram disputados”, conta Parizzi, lembrando-se de sessões com quase o dobro da capacidade do cinema e muita gente em pé nos corredores. A programação era basicamente de produções norte-americanas, sendo exibidos três filmes por semana. Aventuras e seriados, na segunda e terça; musicais, nas quartas e quintas; e “filmes água-com-açúcar” nos fins de semana. Histórias bíblicas sempre faziam sucesso. Programação que convivia com apresentação de óperas, peças de teatro e de cantores do rádio. “Como não existia televisão, conhecia-se os artistas por filmes ou em shows”, diz.

Para ir ao cinema, as pessoas se vestiam com apuro: homens usavam chapéus e as mulheres, luvas. Estudantes davam trabalho na hora de aumentar o preço dos ingressos. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) organizava longas “filas bobas”: grupos de alunos enfileirados iam até a bilheteria, enrolavam, não compravam ingresso e voltavam para o fim da fila. Eram tempos, lembra o ex-gerente, que Juiz de Fora não tinha nada – barzinhos, escola noturna ou televisão. Como as mulheres não podiam “nem entrar em um café”, fazia sucesso a sessão feminina das quartas-feiras, com meia-entrada para elas e programação de musicais e filmes românticos. “Quando terminava a sessão, o cinema estava perfumado”, recorda Parizzi.

A popularidade das sessões femininas tinha motivo. “Como não se podia beijar na rua, era no cinema que se beijava o namorado”, conta o ex-bilheteiro. E, mesmo assim, correndo risco: se o lanterninha flagrasse o casal, o rapaz podia ser posto para fora. “Caso alguém estivesse beijando, o funcionário chegava, acendia a lanterna e dizia para o rapaz que tinha um telefonema esperando por ele lá fora. Ao chegar à sala de espera, ele era advertido pelo gerente, que lembrava que cinema era lugar de respeito.”

A fachada discreta remete ao estilo art-déco e não sinaliza o rico conteúdo da sala de exibição(foto: acervo ufjf/divulgação)
A fachada discreta remete ao estilo art-déco e não sinaliza o rico conteúdo da sala de exibição (foto: acervo ufjf/divulgação)


MAGIA

Adentrar o salão gigantesco, com decoração cheia de detalhes e pinturas no teto, por si só tinha impacto indescritível, garante o pintor Carlos Bracher, de 74 anos. Ele conheceu o Cine Central quando tinha 11 anos. “O lanterninha te recebia e ajudava a achar um lugar. Você se sentava na poltrona e, antes de começar a sessão, tocavam trechos da Cavalleria rusticana, de Mascagni. As luzes iam se apagando calmamente, até tudo ficar escuro. E começava o filme ou a ópera”, conta. “Esse ritual mexia sensorialmente com as pessoas e melhorava qualquer filme. Fazia de cada sessão um momento mágico. Nenhum outro cinema do mundo, pelo que eu saiba, tinha isso”, observa. A trilha musical, de acordo com Bracher, foi escolhida por um italiano da equipe de construtores, empenhado em eternizar a ópera.

“Não era um cineminha”, enfatiza o pintor, contando que o tamanho da casa é impressionante e lembra “o Scala de Milão e o Municipal do Rio”. E impunha um certo rigor e solenidade. Barulho de qualquer tipo – inclusive de desembrulhar balas –, assim como gente comendo, recorda, era malvisto. Contribuindo para o glamour do Cine-Theatro Central, lembra Bracher, estava também a localização: na parte alta da Rua Halfeld, “a alma urbana de Juiz de Fora, epicentro de vida social e cultural até o fim dos anos 1960”. Posição aguçada pela vizinhança com o Bar Salvaterra que, como lembra o artista, era o point da intelectualidade.

Suntuosidade além da fachada

O Central, explica a historiadora Izaura Rocha, surgiu como projeto destinado a dar a Juiz de Fora um teatro definitivo. Foi marco para a história da cidade, vinda do século 19, de tablados improvisados ou casas com infraestrutura precária, onde se apresentavam grupos mambembes. Um deles, o Polythema, barracão com telhas de zinco, seria demolido para dar lugar ao Cine-Theatro Central, projeto da Companhia Central de Diversões, sociedade formada em 1927 por Francisco Campos Valadares, Químico Corrêa, Diogo Rocha e Gomes Nogueira. A grandiosidade do projeto arquitetônico deve-se a Raphael Arcuri, que estourou o orçamento previsto para a construção. A obra foi salva com a entrada na sociedade do pai de Raphael, proprietário da construtora Pantaleone Arcuri.

Depois de um ano e quatro meses de obras, o Cine-Theatro Central foi inaugurado em 30 de março de 1929, com a apresentação da fita muda Esposa alheia – o som só chegaria nos anos 1930. Edifício de linhas retas, ao estilo art-déco, com fachada discreta e suntuosa ornamentação interna, a cargo de Ângelo Bigi. O artista fez decoração de sabor neoclássico, com cenas de ninfas e faunos em jardins paradisíacos e medalhões com efígies que dão aura de heróis da cultura aos compositores Wagner, Verdi, Beethoven e Carlos Gomes. O prefixo musical (trecho da Cavalleria Rusticana), era tocado ao vivo pela orquestra do Cine-Theatro, que na época dos filmes mudos recebia o público no foyer e depois fazia fundo sonoro para a fita.

"Como não existia televisão, conhecia-se os artistas por filmes ou em shows"- Waltencyr Parizzi, ex-bilheteiro, lanterninha e programador do Central (foto: Alexandre Dornelas/divulgação)


REFORMA

O Cine-Theatro Central vai passar por reformas, anuncia Henrique Duque de Miranda, reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). As obras, orçadas em R$ 944 mil, devem começar segunda-feira e ficam prontas até agosto. É a maior intervenção no prédio desde a restauração de 1996. Inclui tratamento e recomposição da pintura externa e interna, restauro de janelas, ornamentos e ladrilhos hidráulicos, troca de cortinas, impermeabilização do terraço e das marquises, entre outros serviços. “É a última repaginação do Cine-Theatro Central, atendendo a problemas que precisam ser solucionados e complementando reforma ampla já em andamento”, explica o reitor.

Para Gerson Guedes, pró-reitor de Cultura da UFJF, o teatro, assim como o Museu Murilo Mendes, são elos entre a universidade e a vida cultural de Juiz de Fora. “Não é só uma casa de cultura, mas um museu aberto à visitação”, observa. “Por isso, precisamos da reforma, até para adequar o equipamento cultural aos parâmetros de segurança solicitados pelo Corpo de Bombeiros para conceder alvará”, diz. Outra frente de trabalho em andamento é o edital Ciranda Central, de seleção de projetos voltados para o público infantojuvenil dedicados à formação de público para as artes cênicas.


PALCO E TELA
Durante muitos anos, como explica a historiadora Izaura Rocha, o Cine-Theatro Central abrigou exibições cinematográficas e apresentações teatrais. Perfil típico das casas dos anos 1920, época em que o cinema deixava de ser curiosidade técnica e se afirmava como espetáculo e divertimento para todas as classes sociais. Há outros antigos cine-teatros em Minas Gerais, que foram revitalizados e estão em funcionamento, como o Brasil (1932), em Belo Horizonte; o Municipal (1943), de Nova Lima; e o Vila Rica (1958), de Ouro Preto.


Linha do tempo


1929 – Esposa alheia, filme mudo, inaugura o Cine-Theatro Central, que ganha som em 1930.
1948 – Grande Otelo faz show carnavalesco com artistas de rádio e, em 1949, Oscarito estrela peça.
1954 – Bibi Ferreira apresenta Senhora, inspirada em José de Alencar, com companhia dirigida por ela.
1960 – O filme Os dez mandamentos é exibido e faz sucesso pelos efeitos especiais.
1967 – Primeiro Festival de Cinema de Juiz de Fora tem protesto contra a censura e a ditadura militar.
1971 – Canção Casa no campo, de Zé Rodrix e Tavito, vence o 1º Festival de Música Popular.
1982 – Começam as manifestações pela compra e tombamento do Cine -Theatro.
1994 – O Central é adquirido pela UFJF e ganha tombamento federal pelo Iphan.
1996 – Reinauguração com show de vários artistas, entre eles João Gilberto, que canta Oh! Minas Gerais.


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