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Estado de Minas

Longas internações são desafios para doentes, médicos e psicólogos

Maneira de lidar com a situação varia, mas pode influir até em quanto tempo mais durará a recuperação


postado em 16/02/2014 06:00 / atualizado em 16/02/2014 08:33

"Se a gente ficar encarando com desânimo, tristeza, fica mais difícil ainda. Prefiro pensar positivo, para os problemas se tornarem mais leves, o fardo ficar menos pesado", Tamires Galgane Ferreira, de 25 anos, que luta contra a leucemia, com a mãe, Hildete Lopes Madureira Ferreira, de 52 (foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)


Tão indispensáveis quanto temidas, as instituições hospitalares em Belo Horizonte abrigam, nas redes estadual e municipal, a média de quase 6 mil internados por mês. Desses pacientes, a maioria receberá alta em horas ou dias. Outros, porém, precisam enfrentar semanas ou meses, às vezes isolados em um quarto, para impedir que uma infecção se aproveite do sistema imunológico frágil. Saber administrar essa limitação é um desafio diário enfrentado por médicos, enfermeiros, psicólogos, parentes e pelos próprios pacientes. Obter sucesso na tarefa pode, inclusive, influir em quanto tempo mais será necessário para vencer a doença. Para encarar o desafio, uns lançam mão do bom humor. Outros lutam para suportar a rotina. Todos, porém, sentem falta de quando o cotidiano não exigia tantos exames e doses pesadas de medicamentos e paciência.

Na ala de suporte clínico para pacientes oncológicos da Santa Casa de Belo Horizonte, o leito 3 é ocupado por uma integrante do grupo que tenta usar o bom humor como terapia. Apesar do riso fácil, Tamires Galgane Madureira Ferreira, de 25 anos, passou, desde janeiro de 2013, mais tempo no hospital do que em casa. Já foi internada “umas oito vezes”, como contabiliza. O mais longos dos períodos durou 38 dias. A última estadia começou em 6 de janeiro. Mas a jovem não mostra qualquer sinal de autopiedade e fala tranquilamente sobre sua adversária, a leucemia.
Antes da atual internação, os médicos haviam constatado que a doença tinha regredido. Mas em um exame de rotina a jovem teve a notícia da volta da enfermidade, sendo reinternada no mesmo dia. Sentiu o golpe. “Chorei muito quando soube”, lembra. “Mas depois passei a encarar com a mesma fé, a mesma força, acreditando que vai dar certo”, diz.

Com apenas duas camas, o quarto de Tamires tem janela ampla, sem obstáculo à luz solar. Uma televisão ajuda a entreter pacientes e visitantes. Apesar da firmeza da paciente, os médicos perceberam que desta vez ela ficou um pouco abatida. “Está mais séria, não sorri tanto quanto antes. Algumas coisas a chateiam mais”, aponta a médica Mariana Barbosa Silva, que acompanha a jovem desde a primeira internação. Um dos motivos de aborrecimento é o isolamento que impede Tamires de ter contato com outras pessoas ou de sair do quarto. Ela também pediu para receber mais visitantes, o que não foi permitido. Os descontentamentos, porém, não a enfraquecem. “Ela tem a cabeça muito boa, sempre alto-astral, uma força enorme”, diz a médica.

Sentada na cama, Tamires informa que mora em Dom Joaquim, na Região Central, com os pais, uma irmã e dois sobrinhos. Fala com familiares todo dia, por telefone. Sente falta dos momentos de despreocupação em casa. “Tenho saudade da minha cama, da família. Brinco muito com as crianças. É muito bom”, diz. No hospital, um dos passatempos é ler. A moça está sempre acompanhada da mãe, a dona de casa Hildete Lopes Madureira Ferreira, de 52, que dorme em uma poltrona reclinável, estreita e sem espaço suficiente para os pés.

“A gente se acostuma ao dia a dia aqui. As meninas são muito gentis, adoro todo mundo”, elogia Tamires, referindo-se aos profissionais da equipe que a acompanha. “Se a gente ficar encarando com desânimo, fica mais difícil. Prefiro pensar positivo, para os problemas se tornarem mais leves”, diz, com o mesmo sorriso sincero.

SAUDADE A receita de Tamires para lidar com sua batalha não funciona para todos os pacientes. A dona de casa Eva Aparecida de Lima, de 46, sabe bem da dificuldade de conseguir doses de bom humor para vencer o semblante abatido. Ela parece fazer um esforço enorme, ininterrupto, para represar as lágrimas. É da filha Aryelly, de 19, o papel de tentar animá-la. “Eu chamo para andar um pouco pelos corredores, mas ela emburra”, diz. Em voz baixa, a mãe explica: “É que eu quero ir embora”. Ela passou três dos últimos quatro meses internada, por causa de uma trombose e da produção insuficiente de hormônios. Não sabe quando terá alta.

Eva ocupa o leito 27 da ala de clínica médica da Santa Casa de BH. Seu quarto é maior que o de Tamires: tem seis camas, e a dela fica em um canto. A luz do Sol entra fraca pelas duas janelas. A primeira internação da dona de casa durou de outubro a dezembro de 2013. Recebeu alta, mas cerca de um mês depois o quadro se complicou e ela voltou a ser internada, em 10 de janeiro. A filha Arielly passou a pernoitar em um assento reclinável a seu lado, a pedido da psicóloga. “Percebemos que Eva estava ficando depressiva”, conta a enfermeira coordenadora da clínica médica, Nayara Cristina Silveira.

Para ficar com a mãe, Arielly largou o emprego de vendedora de calçados e trancou a matrícula no curso de enfermagem. A presença constante da filha trouxe algum alento a Eva, mas ela continua abatida. Durante a primeira internação, gostava de andar pelo hospital, para exercitar as pernas e olhar outros rostos. “Era de brincar, falar mais. Agora só fica na cama”, lamenta a moça. Às vezes, o movimento intenso no quarto coletivo dificulta o sono. “Tem dia que não consigo dormir por causa dos barulhos, eles andam para cima e para baixo”, explica.

Eva mora em Matozinhos, na Região Central de Minas, com Arielly, a mãe e um irmão. “Sinto muita falta de uma sobrinha, de quem eu cuido como se fosse filha, quando a mãe dela vai trabalhar”, acrescenta, deixando uma lágrima escorrer. Quase todo dia fala por telefone com os parentes mais próximos. Sempre chora. Tarefas anteriores à internação, que costumavam ser feitas com automatismo, são agora lembradas como extraordinárias. “Gosto de arrumar a casa, lavar roupa, preparar a comida...”, diz Eva. “Sinto muita falta de casa”, resume.

 

EM RECUPERAÇÃO

 

5.600 pacientes, em média, ocupam leitos de hospitais municipais e estaduais em BH a cada mês

2.700 são internados por mês apenas na Santa Casa da capital


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