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Estado de Minas

Pacientes tentam administrar a ansiedade em longos períodos de internação


postado em 16/02/2014 06:00 / atualizado em 16/02/2014 08:24

Estéfany Pereira dos Santos, que se recupera no Hospital das Clínicas, acompanhada da mãe, Ana Paula: riso fácil e afeição reconhecida por toda a equipe médica(foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)
Estéfany Pereira dos Santos, que se recupera no Hospital das Clínicas, acompanhada da mãe, Ana Paula: riso fácil e afeição reconhecida por toda a equipe médica (foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)


O Hospital Odilon Behrens lidera o ranking de pacientes internados na rede pública de Belo Horizonte, com média mensal de 1.630 dos 5,6 mil pessoas em leitos de unidades de saúde estaduais e municipais na capital. Já a Santa Casa de BH, instituição filantrópica, tem média de 2,7 mil doentes em seus leitos ao mês, divididos em 35 especialidades, das quais as com maior contingente são clínica médica, quimioterapia, cardiologia, cirurgia geral, ortopedia, pediatria e obstetrícia.

Na avaliação do médico Nildo Dantas, que trabalha no Odilon Behrens, o ambiente hospitalar nem sempre facilita o conforto do doente, fundamental durante o tratamento. “Infelizmente, esse ambiente gera muita ansiedade. Isso é inevitável. O lugar não para, tem o barulho inerente ao trabalho. Às vezes, a luz de um quarto tem de ser acesa no meio da noite para algum paciente receber remédio e os outros acabam acordando”, constata.

O caso de pessoas em internações longas é ainda mais delicado, afirma a coordenadora do curso de psicologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e do serviço de Psicologia da Santa Casa, Valenir Dias Machado Correira da Costa. “O paciente não toma banho na hora que gostaria, não dorme como gostaria. Uma pessoa fragilizada sofre mais e a recuperação é mais lenta”, aponta. “Em uma longa internação, é preciso lidar com o sofrimento por mais tempo. Nos casos em que não é possível prever quando haverá alta, a angústia é ainda maior.” Segundo ela, a grande questão é o processo de adaptação, muito subjetivo: “Cada um vive de acordo com sua condição emocional”.

Muitos sorrisos e efeição reforçada

Estéfany Pereira dos Santos, de 12 anos, não conhece a teoria por trás do desafio de enfrentar as longas internações, mas na prática faz do riso uma espécie de terapia. No seu rosto marcado pela batalha contra doença é frequente um sorriso brando, que espreme os olhos e esconde os dentes, mas que também pode evoluir para uma franca gargalhada. Com um tumor na glândula pineal, a garota tem deficiência na produção de vários hormônios, que precisam ser continuamente repostos. Após uma primeira etapa do tratamento, iniciado em outubro de 2012, o câncer passou um ano sem se manifestar, até que houve a recidiva em novembro de 2013 e ela precisou ser novamente internada. Desde então, chegou a receber autorização para passar uma semana em casa, mas em dois dias o quadro se complicou e ela teve de voltar ao hospital.

Estéfany ocupa o único leito de um dos quartos da pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG, na região hospitalar de BH. Com os cabelos rareando, busca passar o tempo vendo televisão, mexendo no notebook e colorindo desenhos fornecidos pela instituição. Também brinca com uma espécie de mola colorida e um objeto que lança bolhas de sabão. “O que eu mais gosto de fazer é dormir”, diz, sorrindo. Com o tempo, os médicos perceberam que a menina também adora comer e pediram reforço nas refeições. Omelete é o prato predileto. “A comida daqui é gostosa. Mas a da minha mãe é melhor”, elogia.

A mãe é Ana Paula Pereira da Silva, de 29, que trabalhava como vendedora de calçados, mas largou o emprego para ficar com a filha o tempo todo. A família mora em Vespasiano, na Grande BH. A menina sente saudade de brincar de boneca com uma prima, de andar de bicicleta, de frequentar a escola. No começo do tratamento, mostrava-se inconformada. “Ela chorava mais. Amadureceu bastante”, diz Karla Rodrigues, oncologista pediátrica do hospital.

Agora, Estéfany nem precisa mais que a acordem às 7h para tomar medicação. E se afeiçoou a todos os funcionários com quem convive. Todo mês tem contato com um interno diferente, estudante de medicina. Sente falta daqueles a que mais se apega, mas se acostumou à rotatividade. “É muito dócil”, descreve Karla. “Ela é muito animada, mas aqui fica mais prostradinha. Ela entende, ou tenta entender a situação”, resume a mãe.

"Sinto falta de tudo: minha cozinha, os almoços com a família no domingo, fazer pavê, minhas tortas de banana e abacaxi. Pôr aqueles pratos todos ''em riba' da mesa, aquela animação...", Clarina Mota dos Santos, paciente do Hospital Odilon Behrens (foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)


A falta que a rotina faz


Em 2013, a empregada doméstica Clarina Mota dos Santos, de 67, passou pela primeira vez Natal e réveillon fora de casa. Não pôde deixar o leito que ocupa no setor de clínica médica do Hospital Odilon Behrens, Região Noroeste de BH. Entre uma data e outra, em 30 de dezembro, teve parte da perna direita amputada, por insuficiência vascular. Delicado, o quadro inclui diabetes, hipertensão arterial crônica, alteração do colesterol e insuficiência cardíaca. Nos últimos 100 dias, passou 90 internada.

As doenças começaram a se manifestar com mais intensidade em agosto do ano passado, quando Clarina foi visitar a mãe em Iaçu, interior da Bahia. “Ela tomava remédio, mas só piorava. Ficava um dia em casa e 10 no hospital. Vimos que os médicos não estavam dando conta e viemos direto para o Odilon”, conta o marido, o pedreiro Aurelino Dias Vilela, de 72.

Clarina se internou em 31 de outubro. Melhorou e chegou a ter alta, mas depois de 10 dias em casa precisou ser novamente internada em 24 de janeiro. Ela teve “má aderência ao tratamento”, nas palavras de um dos médicos que a acompanham, Nildo Dantas. Em termos leigos, não tomou os remédios prescritos. “Tinha de tomar ao menos 10 remédios por dia, precisava ser muito disciplinada”, ressalta Dantas.

Prazer do dia a dia

Clarina mora com o marido e um filho no Bairro Castanheiras, em Sabará, na Grande BH. Tem outras duas filhas, que se revezam para dormir ao seu lado, enquanto o marido fica lá durante o dia. “Sinto falta de tudo: minha cozinha, os almoços com a família no domingo, fazer pavê, minhas tortas de banana e abacaxi. Por aqueles pratos todos ‘em riba’ da mesa, aquela animação...”, conta. Para dar ao quarto de hospital um pouco do ambiente caseiro, ela pediu à família que trouxesse a televisão, que foi instalada sobre um criado-mudo junto à cama. “Gosto das novelas”, diz.

No começo, Clarina se revoltava com a internação. “Eu chorava, me dava um desespero. Agora já estou acostumada, mas é muito duro, difícil. Falo para os médicos: ‘Anda rápido para me liberar’”, diz. O quarto onde ela está tem outros seis leitos. “Tem dia que fica lotado, é aquela correria a noite toda. Não consigo dormir, mas a gente não pode reclamar com os médicos, que estão tentando salvar vidas”, analisa.

A mulher não é mesmo de se queixar, confirma o médico Nildo Dantas: “Como outros pacientes, ela passou por uma fase de revolta com a doença e o tratamento. Agora ela é muito cuidadosa consigo mesma”. Apesar disso, ainda não há previsão de quando receberá nova alta. “Temos ainda um bom caminho pela frente. Talvez semanas”, prevê o especialista.


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