Guilherme Paranaiba e
Mateus Parreiras
As irmãs Raquel Juliana e Rosa da Silva de Souza, moradoras da Vila Maria, na Região Nordeste de Belo Horizonte, acordaram cedo para comprar produtos da ceia do réveillon. Pouco depois das 10h, as duas já estavam no ônibus da linha 822 (Vila Maria/Estação José Cândido), primeiro dos dois coletivos que teriam de pegar para chegar ao Centro da cidade. Mas os planos para o jantar da virada do ano foram interrompidos de forma trágica. Por volta das 10h30, o ônibus em que elas e pelo menos outras 33 pessoas estavam foi atingido na lateral traseira por uma carreta que transportava peças de concreto na esquina das ruas Abílio Alves dos Santos e Vinho, no Bairro Goiânia. O impacto da batida fez o ônibus tombar. Rosa, de 43 anos, e outra passageira, Odeli Celino da Silva, morreram no local. Raquel e outras 15 pessoas ficaram feridas. “É uma tristeza sem fim, a família não está acreditando”, lamentou Iara Ribeiro, sobrinha de Rosa e Raquel.
O local do acidente de ontem é alvo de reclamações constantes. Pouco depois da batida, uma multidão se formou perto dos veículos. Moradores denunciaram que os acidentes são frequentes (leia ao lado). Segundo a Polícia Militar, a carreta seguia pela Rua Vinho e precisava atravessar a Rua Abílio Alves dos Santos, via pela qual descia o ônibus da linha 822. “Testemunhas disseram que o motorista do caminhão avançou a parada obrigatória e atingiu a lateral do ônibus”, disse o tenente do 16º Batalhão, Marco Túlio Carneiro.
O motorista da carreta, Edmundo Luiz Botelho, 61, negou que tenha sido imprudente. Ele afirmou que parou no cruzamento, olhou para os dois lados e só seguiu quando tinha caminho livre. “Eu ia seguir a estrada de Sabará e só arranquei quando vi que era possível. Escutei a pancada e não vi o que aconteceu”, disse. Abalado, o motorista do ônibus, Anderson Silva, de 41 anos, não comentou o acidente. Nenhum funcionário da Viação Globo, responsável pelo veículo, quis dar declarações. Policiais precisaram conter um morador que acusou Anderson de descer a Rua Abílio Alves em alta velocidade.
Sobreviventes Entre passageiros que sobreviveram ao acidente, a sensação era de alívio depois de momentos de terror. “Nasci outra vez”, disse a vendedora Tatiane Inácio de Souza Ambrósio, de 31 anos. Ela estava sentada em uma poltrona do lado direito, atrás da cabine do cobrador, do lado que terminou tombado sobre a pista. Por sorte, a vendedora sofreu apenas escoriações e uma pancada nas costas. “Eu nem vi acontecendo. Só escutei o barulho e pedi que o espírito santo cuidasse de mim e dos outros passageiros”, lembra. “Foi muita gritaria na hora, uma mulher grávida e o marido dela caíram em cima de mim”, conta. Segundo o Corpo de Bombeiros, os dois passageiros que morreram estavam no fundo do coletivo. “Quando o ônibus balançou, os corpos dos passageiros que estavam no fundo foram projetados e acabaram esmagados”, afirmou o subtenente do 3º Batalhão, Luiz Carlos Pereira. Para fazer a remoção dos corpos, foi necessário usar máquinas pesadas.
Para Fábio Nascimento, da Associação Mineira de Medicina de Tráfego, garantir fiscalização e evitar expansão urbana desordenada em áreas próximas a rodovias ou corredores viários são medidas fundamentais para reduzir os acidentes. “Uma carreta na cidade é como um elefante numa loja de cristais. Um veículo desses não consegue parar no curto espaço de tempo e encontra motociclistas, pedestres e ônibus abarrotados. É um perigo que cresce com a expansão desordenada”, alerta.
Moradores denunciam problemas
Moradores do Bairro Goiânia, onde a batida entre ônibus e carreta ocorreu, ficaram revoltados com o acidente. Quem vive nas proximidades do cruzamento das ruas Abílio Alves dos Santos e Vinho e da MGC-262, estrada que liga Belo Horizonte a Sabará, reclamam de falta de estrutura. O comerciante Jarbas Oliveira Braga, 33, mora exatamente na esquina onde o acidente ocorreu. “Escutei o barulho alto e fui para a janela. Ainda tentei ajudar nos salvamentos, mas a cena foi muito forte e não aguentei”, diz. Jarbas denuncia que não há placa de “pare” na Rua Vinho, de onde saiu o caminhão. “A sinalização está apenas no chão, mas já está apagada. Todo dia acontecem acidentes aqui e no trevo da estrada de Sabará”, reclama.
Jarbas diz que há problemas no cruzamento da MGC-262 com o prolongamento da Rua Vinho. Não há delimitação de pistas, a sinalização é precária e o asfalto está desgastado. A carreta que bateu no ônibus pretendia chegar a até a rodovia, mas acabou batendo antes de alcançar o trecho à frente, onde veículos circulam em alta velocidade.
A salgadeira Rita Magda Torres Pereira, 52, defende a instalação de uma rotatória na rodovia.“Todos nós dependemos dessa travessia. Queremos rotatória e redutor de velocidade para que outras vidas não sejam perdidas”, protesta. A assessoria de imprensa da Secretaria de Transportes e Obras Públicas (Setop) informou que a área técnica vai analisar a demanda dos moradores. Ninguém foi encontrado na BHTrans para comentar os problemas do Bairro Goiânia. (GP)