A difícil disputa por um lugar nas vias públicas de Belo Horizonte ainda é desfavorável ao ciclista, personagem mais frágil no trânsito em relação a outros veículos. Prova disso são os números de atendimentos a vítimas de acidentes de trânsito no Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, em Belo Horizonte. Na unidade referência em politraumatismo, a média mensal de acidentados passou de 25 em 2011 para 28 neste ano. Enquanto há dois anos 307 pessoas que se envolveram em acidentes com bikes deram entrada no hospital, até outubro de 2013 foram 280. Se a média se mantiver, o ano vai terminar com pelo menos 336 vítimas, somando novembro e dezembro.
Para evitar os resultados desastrosos de contatos com os veículos motorizados, o administrador Marcelo Silva Duarte, de 38 anos, opta por ruas menos movimentadas. Nos 2,5 quilômetros que percorre de casa, no Sion, Centro-Sul de BH, para o trabalho, na Savassi, na mesma região, optou por não passar pela Avenida Nossa Senhora do Carmo. “Como lá tem muitos ônibus e carros, busco alternativas, como a Rua Major Lopes, que é mais tranquila. Enquanto não existem pistas exclusivas em todo o trajeto, pego as vias menores”, explica ele, que considera esses detalhes importantes para maior segurança no trajeto.
Em um dos seus deslocamentos com a bicicleta, o estudante Gabriel Junqueira Lima, de 24 anos, quase sofreu um acidente ao ser “fechado” por um carro. “Já briguei com dois motoristas por desrespeito ao meu direito de andar na rua. Nesse caso específico, o condutor me ameaçou com uma ultrapassagem forçada e depois freou bruscamente”, lembra. O estudante usa a bicicleta diariamente para ir de casa, no Bairro Anchieta, à universidade, no Cruzeiro, ambos endereços na Região Centro-Sul, e diz que faz questão de usar equipamentos de segurança para se proteger.
Atualmente, a capital conta com 50 quilômetros de ciclovias e até o final do ano deve atingir 75 quilômetros. A meta de todo o programa, chamado Pedala BH, é atingir 380 quilômetros até 2020. Ao lado desses números, o lançamento do edital para o programa de aluguel de bicicletas animou quem usa o transporte público, como a estudante Maria Pinheiro, que considera a bike uma boa opção para os problemas do trânsito: “As pessoas praticam esporte e se locomovem ao mesmo tempo. Mas BH precisa de mais ciclovias”. O estudante Pedro Vieira também acha que a medida pode estimular quem não pedala por não ter uma “magrela”. Já os motoristas esperam que a implantação das estações não leve mais ciclistas para as vias sem regulamentação dos espaços. “Falta lugar para eles, que também precisam fazer sua parte. Muitos só querem os direitos e se esquecem dos deveres”, aponta o desenhista atacadista Sandro César.
O uso da bicicleta é viável em Belo Horizonte?
Carlos Cateb
que participou da elaboração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
Sim
“O uso da bicicleta é legal e necessário e qualquer cidade do mundo precisa dela. Em Belo Horizonte, onde o trânsito está um caos, o transporte por bicicleta iria, sem dúvida, melhorar muito os deslocamentos. Também traria uma melhoria significativa para o transporte coletivo, que é precário. Além disso, a bicicleta é prática e boa para a saúde. Mas para ganhar adesão precisa superar limitações. Em BH falta educação por parte dos motoristas. A cultura do condutor é de não respeitar ninguém. Motorista de táxi, então, nem se fala. Por outro lado não há nenhuma fiscalização e orientação de trânsito. BH é nota zero em termos de orientação de tráfego. Além disso, há as questões do relevo, com muitas subidas e descidas. Sem dúvida nenhuma é uma limitação objetiva, porque o grande número de ladeiras realmente desanima às vezes. Mas existem trechos planos, que podem ser aproveitados.”
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José Aparecido Ribeiro
especialista em trânsito, transportes e assuntos urbanos
Não
“O plano de mobilidade de BH foi adaptado do planejamento de Bogotá, na Colômbia, mas diferentemente de lá, que é uma cidade plana e com temperatura média de 17 graus, as condições climáticas e a topografia aqui inviabilizam o uso da bicicleta. Não é porque o cidadão não queira usá-la como meio de transporte, mas sim porque não encontra condições para aderir. Outro problema é o espaço da cidade, onde são emplacados 250 carros diariamente. A disputa é ruim para todos, mas principalmente para o ciclista, que corre mais riscos. Eles ainda são uma minoria e não vejo perspectiva de aumentarem. O projeto não emplacou. Acho que esse número pode crescer, mas para uso com finalidade de lazer e não para os deslocamentos do dia a dia. A solução para os problemas da cidade é investir no transporte público de massa e fazer obras para ampliar as vias que ligam regiões, criando novas rotas de trânsito para eliminar gargalos.”