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Estado de Minas PATRIMÔNIO ABANDONADO

Degradação da Praça Raul Soares revela abandono do espaço

Por trás de sugestões radicais envolvendo a Praça Raul Soares está a degradação do espaço, alvo de vandalismo e de manutenção ineficiente. PM é contra a proposta de cercamento


postado em 01/08/2013 06:00 / atualizado em 01/08/2013 06:41

Manoel Freitas, gerente do Condomínio do Conjunto Kubitschek, defende a restrição de acesso ao espaço público como forma de preservação(foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
Manoel Freitas, gerente do Condomínio do Conjunto Kubitschek, defende a restrição de acesso ao espaço público como forma de preservação (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)


Independentemente de um eventual fechamento por grades e controle de horário de entrada, como defendem vizinhos da Praça Raul Soares, o fato é que o local precisa de ações de preservação. Nessa quarta-feira, a equipe do Estado de Minas percorreu o espaço para onde convergem as avenidas Amazonas, Augusto de Lima e Bias Fortes e constatou que a sujeira toma conta dos caminhos entre os jardins e a fonte central – que está vazia, supostamente em manutenção. O gramado está queimado e maltratado. Em muitos pontos a grama se transformou em colchão debaixo dos pedaços de papelão usados por moradores de rua para dormir e consumir crack.

Às 15h de ontem, pelo menos 25 pedintes ocupavam o espaço, intimidando o passeio de idosos e pais com filhos pequenos. O cheiro de fezes e urina está por toda parte. De bancos que haviam sido restaurados pela Prefeitura de Belo Horizonte e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) só restaram as bases. Uma lixeira quebrada foi atirada no meio da grama.

Para o comandante do policiamento da região, major Vitor Araújo, o local “não é mais perigoso do que outras partes da cidade”, e tem merecido a atenção da corporação. “Não estava sabendo do abaixo-assinado, mas sou contra. É como disse Castro Alves: ‘A praça é do povo, como o céu é do condor’. Temos problemas com moradores de rua, como ocorre no restante da cidade. Não adianta fechar”, afirma. De acordo com o policial, uma reunião com representantes dos grupos de homossexuais, garotas de programa e moradores de rua que frequentam a praça foi marcada para pedir que se comportem com mais educação e não constranjam outras pessoas. “No passado fizemos com eles campanhas contra a Aids e deu muito certo. Vamos repetir esse diálogo”, disse o major.

A crença no sucesso da iniciativa não é tanta entre os vizinhos da praça. O pastor Jackson Martins, da Primeira Igreja Batista de BH, diz que nem a presença de guardas municipais e policiais é capaz de inibir as ações de quem depreda a praça e tem atitudes consideradas impróprias. “As autoridades temem ser mal interpretadas e acionadas na Justiça, por isso deixam os desmando ocorrerem sem interferência”, disse. A insegurança fez com que o religioso conclamasse fiéis a contribuir com a campanha pelo cercamento da Raul Soares, defendida também pelo gerente do condomínio do Edifício JK, Manoel Freitas.

“Estão querendo se livrar da gente. Ninguém quer saber dos moradores de rua. É muito preconceito, muita humilhação. Você não tem casa, família e querem nos tirar a praça onde vivemos”, reclama Paulo Sérgio Barbosa Costa, de 26 anos, que vive no espaço com seu carrinho de compras servindo de guarda-roupas e dispensa. “Aqui nós procuramos os clientes para lavar carros, recolher material reciclável. Tiramos o sustento e passamos a noite aqui”, disse Ramon Martins, de 25, outro “inquilino” da praça.

Afronta

Morador há 32 anos do Edifício JK, aposentado Arthur Pereira da Silva, de 74, diz que a situação o faz evitar a região. “Quem é doido de passar no meio de uma praça em que se fuma crack e há prostituição em plena luz do dia? Não quero ser assaltado, por isso nem vou lá. Aderi ao abaixo-assinado, porque sei como é perigoso viver aqui nessas condições”, reclama. As turistas de São João del-Rei Neusa de Freitas, de 52, e Bárbara Dias, de 24, se disseram intimidadas com a degradação. “Não vemos problema em ter um horário de fechamento. Quem sabe assim conservam a praça e a tornam um lugar mais limpo?”, sugere Neusa.

Passeando pela Raul Soares, Marcelo Rodrigues, de 50, professor, e Maria Olímpia Calian, de 48, advogada, não concordam quanto à proposta de cercamento. “Sou favorável, porque ninguém está dando conta da violência. Isso exige medidas extremas”, disse o professor. “A praça é pública. Todos têm direito de entrar e de ficar o quanto quiserem. É um absurdo fechar uma praça”, contesta a advogada.

A Secretaria de Administração Regional Centro-Sul informou  que não foi consultada pelos moradores que organizam o abaixo-assinado e que por isso não comentaria a iniciativa. De acordo com o Iepha, qualquer intervenção na praça exige análise do órgão, por se tratar de bem tombado. O instituto informou também que faz vistorias para acompanhar o estado de conservação do espaço e que assim gerencia sua conservação em caso de mobiliários e características depredadas. A Guarda Municipal informou que age para prevenir o uso de drogas e afirma que são poucos os casos de crimes, a maioria deles furtos.

 

 

Memória
Marco contra a degradação

A Praça Raul Soares foi construída em 1936 como marco da área central da capital mineira e espaço de lazer. Foi tombada pelo Iepha em 1981, devido à sua importância cultural e como patrimônio da cidade. Naquela época, a região central vinha sofrendo com contínua degradação e abandono, tornando-se um espaço considerado perigoso, especialmente à noite. A revitalização ocorreu duas décadas depois, em 2006, sendo a primeira obra do Orçamento Participativo Digital entregue à população, em 2008. Devido a campanhas que envolveram moradores da região e quem frequentava o Centro, a reforma recebeu mais de 20 mil votos. Foi construída uma nova fonte luminosa com sincronismo de luz, água e música. Bancos de mármore réplicas dos originais foram instalados, criando harmonia com os jardins. Mesmo não sendo parte da ornamentação original, os flamboyants que deveriam ter sido cortados foram poupados depois de campanha feita pela população. Os investimentos na época foi de R$ 2,6 milhões.

 

Outros tempos
Charme ficou no passado
Maria Clara Prates

A Praça Raul Soares nunca foi local de boa fama, mesmo nos idos dos anos 1980. Sempre apresentou certa decadência imobiliária, com confortáveis apartamentos dividindo vizinhança com hotéis baratos, bares e inferninhos. Mas naquela época a praça tinha um charme e atrativos diversos. Boêmios, intelectuais e universitários agitavam as noites sem se preocupar com violência. Naquele pedaço de agito cultural havia inclusive a sede de um jornal, cujos profissionais ajudavam a movimentar a praça. Entre os grandes atrativos do local estava um dos dois únicos restaurantes do Centro que ofereciam atendimento 24 horas por dia. O lendário Scaramouche servia um mexido delicioso, consumido em geral na madrugada para aplacar os efeitos do álcool de uma noite iniciada muitas horas antes. Ninguém se importava com a presença das prostitutas e travestis que frequentavam o local. Ou melhor, em tempos de romantismo, eles serviam de inspiração para poetas incautos e bêbados.


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