
Embora sejam as cidades do interior o principal alvo da proposta do governo federal de trazer médicos de outros países para suprir a demanda, a falta de profissionais não é uma exclusividade delas. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, municípios também oferecem altos salários a profissionais que queiram se dedicar principalmente às equipes de saúde da família (PSF). Em Santa Luzia, por exemplo, são R$ 15.000 para trabalhar no posto por 40 horas semanais, ou oito horas por dia, com coleta de impressão digital para garantir a presença. É um dos maiores rendimentos oferecidos na Grande BH. Mesmo assim, há quatro vagas abertas. Clínicos justificam apontando problemas como falta de estrutura e contrato de trabalho e mesmo violência. Ontem, o Estado de Minas mostrou a dificuldade de cidades do interior em conseguir contratar médicos. Hoje, a presidente Dilma Rousseff anuncia medida provisória que autoriza que estrangeiros atuem no interior e abre vagas em universidades.
A presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, Amélia Pessoa, diz que o problema independe do tamanho da cidade. “Muitas vezes não existe nenhum vínculo trabalhista, nem contrato. Tem um combinado. O prefeito oferece R$ 25 mil, paga um mês, dois, depois começa a atrasar. O médico não tem progressão na carreira. O ideal é que as prefeituras façam concurso.”
Na Grande BH, um “leilão de médicos” que ocorria entre os municípios há três anos, mostrado em reportagem do EM na época, continua. No banco de empregos publicado na página do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM/MG) na internet, muitas vagas são em cidades perto da capital: Betim, Lagoa Santa, Jaboticatubas, Ibirité, Sarzedo, Contagem, Baldim, Igarapé, Taquaraçu de Minas, São José da Lapa, Brumadinho, Conceição do Mato Dentro, Nova Lima, São Joaquim de Bicas e outros dos 34 municípios que compõem a região.
Os salários, mesmo tão perto de Belo Horizonte e atraindo profissionais que geralmente moram na capital, são de pelo menos R$ 9.000, chegando aos R$ 15.000. Quem entra no site da Prefeitura de Ibirité, por exemplo, se depara com um anúncio: “Contratam-se médicos – salários de até R$ 13.230,82”.
Segundo o diretor-secretário da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Granbel), Fernando Pereira Gomes Neto, um dos problemas enfrentados pelos prefeitos é a complementação dos recursos enviados pelo governo federal para manter as equipes do PSF. Para fixar um médico em cada uma delas, explicou, os gestores precisam tirar do cofre municipal. E isso gera uma disputa no mercado. “Como não tem muita gente disponível, as prefeituras, de acordo com a necessidade, complementam o salário e conseguem atrair o médico”, disse Fernando, que é cirurgião-geral e prefeito de Lagoa Santa. Ele informa que uma reunião entre os prefeitos deve ser marcada para discutir a situação da saúde e da falta de médicos.
A secretária de Saúde de Santa Luzia, Kátia Rejane Barbosa, confirmou que está contratando quatro médicos para as equipes do PSF. Até agora, recebeu dois currículos e os está analisando. Disse ainda que está buscando junto ao governo do estado parcerias para melhorar a saúde.
Déficit em cidades grandes
Divinópolis é uma cidade polo da Região Centro-Oeste de Minas, tem cerca de 217 mil habitantes e atrai pacientes de vários lugares que recorrem ao sistema de saúde do município para fazer exames, cirurgias, consultas. Mas vive um problema: mesmo sendo referência na saúde para quase 60 municípios, não consegue pagar salários tão altos quanto em pequenas localidades e, por isso, convive com a falta de profissionais de várias especialidades. Para tentar atrair os clínicos para as vagas em aberto, a secretaria de Saúde do município estuda mudanças.
Segundo o secretário Dácio Abud Lemos, um médico que atende no Programa de Saúde da Família (PSF) ganha cerca de R$ 7.000 e os da atenção básica recebem R$ 4.000 com horário diferenciado. “Esse valor não é atrativo para os profissionais. Todo mês abrimos vagas para pediatras, mas nunca são preenchidas. Muitas vezes fizemos concursos e nenhum médico se inscreveu”, disse. A situação, segundo o secretário, ficou ainda pior quando o Hospital São João de Deus deixou de oferecer serviços de ortopedia e neurologia. Agora, pacientes que precisarem dessas consultas têm de aguardar uma vaga em Formiga ou em Santo Antônio do Amparo.
FRUSTRAÇÃO Gustavo Machado Rocha é infectologista e vice-coordenador do curso de medicina da Universidade Federal de São João del-Rei, que tem câmpus em Divinópolis. Para ele, o maior problema ali é o exercício da medicina do ponto de vista técnico. O médico foi convidado pela prefeitura para montar um ambulatório de hepatite viral. “Topei, montei o ambulatório, mas não consigo fazer a propedêutica (procedimentos preparatórios para o tratamento) básica recomendada. Solicito um exame e a prefeitura não fornece. Peço uma biópsia hepática e ocorre o mesmo”, lamenta.
Às vezes, segundo ele, nem mesmo um exame complementar básico pode ser obtido. Isso sem contar com a falta de uma rede de referência na especialidade. “Faltam aparelhos, às vezes até papel”, revela. Na opinião dele, as prefeituras e os serviços públicos deveriam assumir a saúde da população. “Para o tratamento da hepatite, o Ministério da Saúde oferece o medicamento, que é caríssimo. O tratamento passa de R$ 20 mil. Mas para isso exige uma série de pré-requisitos que não consigo cumprir, porque não há estrutura nem para as coisas mais básicas do tratamento.”
