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Estado de Minas

Moradores da Serra da Canastra estão esperançosos com preservação da região

Moradores da Serra da Canastra acreditam que nova delimitação da área de proteção, em tramitação no Congresso, dará fim aos conflitos e garantirá preservação da região


postado em 14/04/2013 00:12 / atualizado em 14/04/2013 07:44

Parque abriga espécies raras da flora e da fauna brasileiras, além da nascente do Rio São Francisco (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Parque abriga espécies raras da flora e da fauna brasileiras, além da nascente do Rio São Francisco (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Capitólio e Delfinópolis
– Com o jeito manso mineiro e os olhos determinados, o produtor rural João Bentinho da Costa, de 57 anos, vai chegando de forma discreta no seu cavalo. Com um toque na ponta do chapéu, cumprimenta os amigos da comunidade de Espalhinha, em Capitólio, desce da sela e depois se junta ao grupo de moradores que discute o assunto do momento na região: a nova delimitação do Parque Nacional da Serra da Canastra, criado em 1972 no Sudoeste de Minas e guardião das nascentes do Rio São Francisco. A iniciativa, que tem entre seus autores o deputado federal Odair Cunha (PT/MG) e está em tramitação no Senado com o substitutivo do parlamentar Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), daria força e vida nova a centenas de famílias cujos antepassados se fixaram nessas terras há mais de um século: o parque nacional ficaria com 121 mil hectares e teria parte (76 mil ha) transformados em monumento natural, dividido em dois. “É uma área especial que precisa de cuidados especiais. Com essa solução, os produtores vão saber exatamente o que podem e o que não podem fazer aqui. Será o fim dos conflitos ”, diz Cunha, que na quinta e sexta-feira esteve com um grupo de congressistas discutindo com as comunidades as futuras mudanças. A estimativa é de que haja cerca de 3 mil propriedades rurais na região.

A história de João Bentinho, proprietário da Fazenda da Serra, mostra os primeiros tempos de ocupação da Canastra, famosa pelo queijo, cujo modo de fazer foi tombado, em 2008, como Patrimônio Cultural Imaterial do país. E revela que as incertezas continuam. “O meu bisavô morreu com 104 anos, meu avô, com 94, e meu pai vai fazer 90. Nasci e fui criado nesta fazenda. Se me tirarem daqui, vou para a cidade grande fazer o quê?”, pergunta sem encontrar respostas. “Sempre preservamos bem nossas terras, nunca tivemos incêndios florestais, enquanto na área regularizada o fogo é a ameaça constante”, afirma o produtor de leite. O parque nacional é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).


Na comunidade do Vale da Babilônia, em Delfinópolis, os canastreiros, como são chamados os moradores da região, acreditam que o projeto será um divisor de águas – o trocadilho, dizem, é mais do que oportuno, pois, além das nascentes do Velho Chico, brota na Serra na Canastra a maior parte das águas que formam o Rio Grande. Durante reunião na Pousada Babilônia, o proprietário do empreendimento, Reinaldo Sebastião de Almeida, disse que os pioneiros de sua família chegaram ao lugar por volta de 1850. “Acho que essa proposta vai atender as duas partes: produtores e governo federal. Teremos a cobertura da lei e ficaremos sabendo exatamente o que se pode e o que não se pode fazer na área. As nossas atividades não causam impacto, o pessoal planta milho, feijão, cria gado, nada de plantação de batata usando agrotóxico.”

CONFLITOS Os problemas com os canastreiros começaram com a criação do parque, há 41 anos, em 3 de abril de 1972. Na época, o decreto nº 70.355 (ver o quadro) estipulava a área de preservação em aproximadamente 200 mil hectares, mas o poder público o implantou, com delimitação e desapropriação, em apenas 72 mil hectares. No início da década seguinte, o plano de manejo da unidade de conservação, elaborado pelo extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), excluiu as demais áreas (ao sul do parque), em especial o Chapadão da Babilônia. A redução de área teve fundamento jurídico no decreto de 1972. O parque inclui os municípios de São Roque de Minas, Capitólio, São Batista do Glória, Vargem Bonita e Delfinópolis.

Somente em 2007 a questão voltou à tona, com o objetivo de ser resolvida e evitar impasses. Com o Projeto de Lei 1.517, o deputado federal Odair Cunha criou a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Canastra, que passa a compor o mosaico de unidades de conservação. No mesmo ano, entrou com o Projeto de Lei 1.448, que altera os limites do parque. No ano seguinte, os dois projetos foram aprovados nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara e, em 2010, passaram a tramitar em conjunto no Senado, como PLC 147/2010 e PLC 148/2010. Hoje, as proposições estão na CMA, tendo o senador Rodrigo Rollemberg como relator. “Terminarei o relatório em no máximo duas semanas e acredito que até o fim do mês o projeto será votado no Senado”, informa Rollemberg.

“Estamos buscando a proteção integral e garantindo mais proteção para o parque, que tinha demarcados 72 mil ha e vai passar para 121 mil ha. Tudo foi amplamente discutido com diversos setores do governo e da sociedade civil”, explicou o senador, lembrando que os distritos de São João Batista da Serra da Canastra e São José do Barreiro, em São Roque de Minas, foram excluídos da área de monumento natural, por terem se tornado vilas. Rollemberg esclareceu que vão ficar de fora da nova delimitação áreas de mineração de quartzito, no município de Capitólio, que deixaram a região muito degradada.

Os parlamentares Rodrigo Rollemberg e Odair Cunha estão à frente da iniciativa (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Os parlamentares Rodrigo Rollemberg e Odair Cunha estão à frente da iniciativa (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Também uma área de extração de diamante, o kimberlito 8, localizada num extremo da futura área de monumento natural e fora da Bacia do Rio São Francisco, foi excluída. Outra mineração de diamante (kimberlito1), que fica nas proximidades do leito do rio, foi incluída nos limites do monumento natural, e vai ser protegida, conforme ficou acertado entre o senador Rollemberg e o governador Antonio Anastasia.

“As áreas retiradas do monumento natural, como as dos povoados e de quartzito, vão ser compensadas por outras de tamanho equivalente e de valor ambiental, de acordo com o ICMBio, entre elas a Cachoeira Casca d’Anta, que, no original, estava fora dos limites do parque e agora fica sob proteção”, disse o parlamentar. “O objetivo é reconhecer o direito das pessoas, preservar uma área importante e dar tranquilidade a todos”, resumiu Rollemberg.

FISCALIZAÇÃO
Na reunião da Pousada Babilônia, os produtores estenderam faixas nas cercas mostrando o seu estado de espírito e expectativas: “Os canastreiros não são vilões, querem ser parceiros da unidade de conservação” e “Nós, as crianças da serra, pedimos que preservem o direito de crescermos em nossas terras”. O produtor de leite Antônio Custódio Neto, de 66, foi taxativo: “Queremos que nos deixem em paz”. Ao lado, encostado numa janela, José Lúcio dos Reis, o Reisinho, de 59, contou que a filha tem uma pousada na região e sempre ficou temeroso de ser expulsa por estar dentro do parque. “Agora estão fazendo uma boa defesa”, disse.

As reuniões no Vale da Babilônia e em Espalhinha tiveram a participação de representantes do ICMBio/MMA. “Muitos erros foram cometidos no passado e é muito natural que os problemas que espelham a vontade da sociedade sejam tratados de forma aberta. Temos aqui um importante patrimônio ambiental a zelar. Esse projeto de criação do monumento natural é uma proteção a um modo de vida e proibido aqui será mudar a paisagem”, disse o coordenador regional em Lagoa Santa (MG), Mário Douglas Fortini de Oliveira. O coordenador geral do ICMBio, biólogo Bernardo Brito, esclareceu dúvidas da comunidade e lembrou que o monumento natural é uma categoria que permite propriedades privadas, desde que sejam preservadas as características cênicas da região. “Vamos ter regras claras. O parque tem restrições, os monumentos naturais não”, disse. A comissão parlamentar foi integrada ainda pelos deputados federais Leonardo Monteiro (PT-MG), Renato Andrade (PP-MG) e Antônio Roberto (PV-MG).

LINHA DO TEMPO

1972 –Em 3 de abril, o Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado pelo Decreto nº 70.355, com área aproximada de 200 mil hectares. No entanto, o poder público o implantou, com delimitação e desapropriação, em apenas 72 mil hectares

1981 –Plano de manejo da unidade de conservação, elaborado pelo então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), na época responsável pela administração do parque, exclui as demais áreas (ao Sul do parque), em especial o Chapadão da Babilônia. A redução de área teve fundamento jurídico no decreto de 1972

2007 – No projeto de lei 1517, um dos seus autores, o deputado federal Odair Cunha (PT/MG) cria a Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Canastra. No mesmo ano, entra com o projeto de lei 1449, que altera os limites do Parque Nacional da Serra da Canastra

2008 – Em 13 de março e 29 de outubro, os dois projetos são aprovados na Comissão de Meio Ambiente (CMA) da Câmara; na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ)

2010 – Em 14 de julho, os projetos de lei passam a tramitar em conjunto no Senado, como PLC 147/2010 e PLC 148/2010. Hoje, as proposições estão na CMA, tendo o senador Rodrigo Rollemberg como relator

2011 –CMA aprova realização de diligências no Parque Nacional da Serra da Canastra. Em 8 de novembro de 2011, Rollemberg apresentou seu parecer no plenário da comissão, mas as matérias ainda não foram votadas

 2013 – Em 11 e 12 de abril, comissão de parlamentares federais visitam áreas da Serra da Canastra e o senador Rollemberg apresenta o seu parecer, em audiência pública no Vale da Babilônia, em Delfinópolis

O QUE VAI MUDAR NA RESERVA


>> De acordo com a proposta no Senado, o Parque Nacional da Serra da Canastra ficará dividido em duas categorias: um parque, com 121 mil hectares, e dois monumentos naturais, totalizando 76 mil hectares. Ficam excluídos os distritos de São João Batista da Serra da Canastra e São José do Barreiro, em São Roque de Minas

>> Ficarão de fora da nova delimitação as áreas de mineração de quartzito em Capitólio, que deixaram a região muito degradada com alterações ambientais. Também foi excluída uma área de extração de diamante (kimberlito 8) localizada num extremo do monumento natural e fora da Bacia do Rio São Francisco. Já outra (kimberlito1), nas proximidades do leito do Rio São Francisco, será protegida no monumento natural

>> Nos limites do parque não pode haver propriedades particulares nem qualquer tipo de atividade produtiva. Já o monumento natural, que também é uma unidade de conservação, permite existência de pousadas, agricultura de baixo impacto, criação de gado, produção de queijo e outros. Com a regularização, os proprietários poderão ter iluminação pública, melhoria de estradas (na época das chuvas ficam praticamente intransitáveis), fornecimento de água e outros serviços


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