
Dentro de uma pasta, o aposentado Ayrton Alves Passos armazena dezenas de cartas. Acumuladas há 10 anos, as correspondências vêm de um lugar onde o senhor de 73 anos nunca visitou: a pequena Francisco Badaró, cidade com pouco mais de 10 mil habitantes localizada no Vale do Jequitinhonha. Com uma letra infantil, as cartas enviadas pelo menos seis vezes ao ano contam a rotina de um menino – hoje um rapaz de 19 anos – que teve de conviver com uma situação de extrema pobreza na infância no semi-árido mineiro. A relação entre o aposentado, que mora no Bairro Cidade Nova, Região Noroeste de Belo Horizonte, a mulher dele, Tereza, e o menino W.A.J. é mediada pela Child Fund Brasil, instituição que promove o apadrinhamento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social em mais de 800 comunidades do país. São cerca de 140 mil pessoas beneficiadas no Brasil, mas, segundo a fundação, o número de colaboradores vem diminuindo desde 2008.
De acordo com o gerente de Mobilização de Recursos da instituição no Brasil, Maurício Bianco, a explicação para a queda no número de contribuintes está na diminuição de estrangeiros interessados em investir em ações sociais no país. “Desde 2008, o Brasil tem demonstrado um bom desempenho econômico, o que melhorou a imagem do país no exterior”, explica Bianco. Ele esclarece que a imagem de uma economia forte fez com que os padrinhos estrangeiros – maioria entre os colaboradores da instituição – voltassem os olhos para países em pior situação. “O problema é que apesar de nossa economia crescer, ainda temos milhões de crianças e adolescentes em situação de pobreza extrema, com famílias vivendo com até R$ 70 por mês”, ressalta o gerente.
Em contrapartida, os recursos dos colaboradores brasileiros não compensam a queda nas doações estrangeiras. “De cada 50 mil apadrinhamentos, 40 mil são estrangeiros. O brasileiro é muito solidário em situações de catástrofe, mas ainda não adotou o hábito de colaborar financeiramente com projetos sociais de forma permanente”, afirma. A organização conta com a contribuição mensal de R$ 52 por padrinho, que é direcionada a projetos sociais dos quais as crianças participam. Com as doações, os apadrinhados podem ter acesso a programas de educação, saúde, assistência social ou outras áreas que demandem atenção. Com acompanhamento de técnicos, os colaboradores podem se corresponder por meio de cartas e telefonemas ou visitar as crianças que decidiram ajudar.
PREOCUPAÇÃO Ayrton, por exemplo, viu W. uma só vez, quando o garoto visitou a capital em 2006, mas eles nunca deixaram de se corresponder. No conteúdo, demonstrações de preocupação com o rendimento escolar e com a saúde do jovem revelam que a relação com o garoto é de afeto e cuidado. O caminho dos dois se cruzou em 2003. Hoje, Ayrton se alegra ao ser apontado como um dos responsáveis por tornar a vida daquele menino melhor. “Para mim é muito agradável poder participar da história dele. Estou sempre acompanhando o que ele faz e me preocupo com o rendimento escolar. Escolhi apadrinhá-lo e o vejo como parte da minha família.”
A universitária Ana Matoso, de 20, também se rendeu ao apadrinhamento. Muito apegada a crianças, decidiu apadrinhar uma menina de 5 anos no Natal de 2012 por meio do Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam). Gostou tanto da garota – que está sob medida protetiva – que decidiu buscá-la permanentemente. Agora ela leva a menina para casa nos fins de semana e em datas comemorativas. “É muito gratificante”, considera a jovem.
CONTATOS
Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam): www.cevambrasil.com.br
Programa Família Acolhedora: (31) 3916-8336 ou www.padrinhonota10.com.br
Child Fund Brasil: www.childfundbrasil.org.br
