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Estado de Minas

Velho bonde deixou saudade em Belo Horizonte

Sistema criado em 1902 e que transportou quase 73 milhões de pessoas em apenas um ano, no fim da década de 1940, em BH, ainda é lembrado como um modelo bem-sucedido à época


postado em 10/11/2012 06:00 / atualizado em 10/11/2012 07:09

O bonde, em 1950, era o meio de de locomoção predileto dos belo-horizontinos, no vaivém entre o Centro e bairros periféricos da cidade(foto: Arquivo EM - 14/9/1950)
O bonde, em 1950, era o meio de de locomoção predileto dos belo-horizontinos, no vaivém entre o Centro e bairros periféricos da cidade (foto: Arquivo EM - 14/9/1950)

As máquinas trabalham em grandes corredores de Belo Horizonte para abrir um espaço destinado aos coletivos. A capital espera, no segundo semestre do ano que vem, inaugurar o transporte rápido por ônibus (BRT, da sigla em inglês), que para muitos é uma inovação em termos de mobilidade urbana. Mas basta conversar com pessoas acima de 75 anos para entender que o BRT, na verdade, é um dos netos de um sistema que já transportou quase 73 milhões de pessoas em apenas um ano, no fim da década de 1940, em BH, mas que foi esquecido pelas autoridades. Em 2012, 110 anos depois da primeira viagem em solo belo-horizontino, o bondinho ainda guarda inúmeras lembranças de uma época em que os trilhos cortavam a cidade de norte a sul e de leste a oeste, superando, inclusive, a extensão do metrô.

A linha que existia entre o Centro de BH e o Bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste, faz parte da história do bancário aposentado Sebastião Duarte Rios, de 83 anos. Era esse o trajeto que ele fazia para visitar a namorada em 1949, quando veio de Bom Sucesso, na Região Centro-Oeste, para a capital. “O ambiente era extremamente alegre, frequentado por vários tipos de pessoas. Além de tudo não poluía o meio ambiente”, diz o ex-bancário. Em visita ao Museu Histórico Abílio Barreto, Bairro Cidade Jardim (Centro-Sul), ele se surpreende ao ver um veículo da linha que fez parte de sua vida. No letreiro está preservado o nome do bairro. “Aposto que já andei nesse bonde!”, brinca o aposentado. E, mesmo depois de se casar com a mesma namorada e se mudar para Barão de Cocais (Região Central), ele conta que continuou a usar o bondinho.

"O ambiente era extremamente alegre, frequentado por vários tipos de pessoas. Além de tudo não poluía o meio ambiente" - Sebastião Duarte Rios, bancário aposentado, de 83 anos, em 1949, andou no bonde da linha Centro/Bairro Padre Eustáquio (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
“Trazia meu filho para se consultar no médico. Em uma dessas ocasiões, quando ele tinha pouco mais de um ano, eu estava no bonde e entraram várias garotas de uma escola da capital. Todas quiseram pegá-lo ao colo e quando fui descer não sabia com quem ele estava”, recorda Rios. O aposentado Geraldo Moraes, hoje com 79 anos, se lembra da garotada que gostava de pegar o bonde andando, atitude que originou a famosa expressão usada em diferentes situações. “Era gente que pulava com o veículo em movimento, gente que saltava para não pagar passagem, pessoas que iam para o trabalho e também quem gostava de passear”, conta Geraldo, que morava no Bairro Santa Efigênia e usava as linhas que iam para os bairros Serra e Cruzeiro. Ele também se lembra de quando chovia na cidade. “Os bondes ficavam cheios e quem estava no estribo acabava se molhando”, diz.

O auge do bondinho foi observado em 1947, quando os trilhos atingiram 73 quilômetros de extensão e o sistema contou com 75 veículos. Porém, a precariedade e obsolescência do sistema fizeram com que o velho bonde fosse aposentado em 1963, substituído por ônibus e carros. Atualmente, o metrô da capital tem 28 quilômetros e pouco mais de 57 milhões de pessoas foram transportadas em todo o ano passado no trajeto entre a Estação Vilarinho, em Venda Nova, e a Estação Eldorado, em Contagem, na Grande BH. Os mais de 3 mil ônibus do sistema municipal fazem, em média, 712 mil viagens por mês, levando 33 milhões de pessoas, em média, no mesmo período.

Livro

A historiadora da Fundação João Pinheiro, Maria do Carmo Andrade Gomes, é autora do livro Omnibus: Uma história dos transportes coletivos em BH. Ela afirma que o bonde foi muito importante para consolidar a ocupação de BH de acordo com as linhas e ramais que foram criados, mas acabou substituído por ficar obsoleto e não receber investimentos. Além disso, a pressão da iniciativa privada também ajudou a enterrar os trilhos por onde circulavam os bondinhos. “Os ônibus eram dos empresários e o sistema dos bondes era público. Outra lógica que prevaleceu foi a do automóvel. As pessoas escolheram os carros e por isso houve a substituição do sistema”, diz a pesquisadora. Ainda segundo Gomes, a capital perdeu com o fim dos bondinhos, pois hoje eles poderiam fazer parte de um sistema intermodal e ajudar a aliviar o caos do trânsito.

Para o coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, a lógica de transporte coletivo nas grandes cidades do mundo começou com os bondes e evoluiu para o sistema de metrô. “Se nós tivéssemos continuado com a cultura do transporte coletivo, como era o bonde, hoje, nós teríamos provavelmente uma herança de uma cidade com uma expansão de metrô muito maior que temos atualmente”, afirma o especialista. A única diferença, segundo Resende, é que os trilhos de superfície acabaram migrando para o subsolo, com o metrô subterrâneo no resto do mundo. Ele ainda concorda que o BRT tem relação com o bonde, mas, muito mais, precisa ser feito para desatar o nó no tráfego da capital. “Espero que a substituição forçada com a inauguração do BRT seja tão significativa quanto foi com o fim do bonde. Porém, não podemos esquecer que o bondinho tem um neto mais próximo que é o metrô, e ele não pode ser deixado de lado”, afirma o professor.


Outros tempos: Até o aeroporto

Otacílio Lage

Em 1957, vivendo em Ferros, no Vale do Rio Doce, sonhava em vir a Belo Horizonte para ver de perto aviões, no aeroporto da Pampulha. Tinha 9 anos. Na capital, numa manhã de maio, deixamos a pensão ao lado da antiga rodoviária, onde funcionava a Feira de Amostras, e pegamos o bonde na estação então existente na esquina da Rua da Bahia com Avenida Afonso Pena. O percurso entre o Centro e o aeroporto passava pelos bairros Santa Tereza, Floresta e Cachoeirinha, cruzando um descampado (hoje bairros São Francisco e Jaraguá). Foi emocionante e a gente tinha tempo para apreciar bem a paisagem, pois o bonde ia devagar, pegando e soltando pessoas, a maioria elegantemente vestidas. Para mim, tudo foi inusitado. Eu só voltei a andar de bonde em 1978, no Rio de Janeiro, entre o Centro e o alto do Bairro Santa Tereza.


Linha do tempo:
1902: Inauguração das primeiras linhas de bonde elétrico na capital, que serviam o Quartel (1º Batalhão), Mercado, ruas Ceará e Pernambuco.
1907: Sistema completa cinco anos e chega a 24 quilômetros de trilhos e sete linhas. É inaugurado o abrigo da Praça 13 de Maio (hoje da Savassi).
1912: Extensão dos trilhos chega a 30 quilômetros, com 39 veículos
1928: A seca obriga a prefeitura a reduzir o número de bondes por problemas de energia e a criar linhas de auto-ônibus.
1947: Ramal que serve a Região da Pampulha é inaugurado, e construídos os ramais Cachoeirinha, Carmo e Pedro II. Sistema chega a ter 75 bondes.
1950: Prefeitura retira os pontos da Praça 7 e os bondes param de circular na Afonso Pena.
1963: São desativadas as últimas linhas: Cachoerinha, Gameleira, Bom Jesus, Horto, Padre Eustáquio e Cidade Ozanam.
 


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