Quando andar pelos passeios de Belo Horizonte, fique atento: de repente, pode faltar chão. É o que ocorre, por exemplo, diante do número 1.898 da Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul da capital. Quem desce a calçada se depara com um inesperado degrau de 45 centímetros de altura, mais que o dobro dos 20 centímetros tolerados pela Lei 8.616, de 2003, o Código de Posturas. “Já vi algumas pessoas caírem aí. Elas saem xingando Deus e o mundo”, conta Nailde Maria dos Santos, de 56 anos, proprietária de um sebo vizinho à traiçoeira armadilha.
A legislação municipal prevê que “cabe ao proprietário de imóvel lindeiro a logradouro público a construção do passeio em frente à testada respectiva, a sua manutenção e a sua conservação em perfeito estado”. Em bom português, cada um cuida da própria calçada. No entanto, o desrespeito a essa regra se acentuou em 2012, de acordo com números da Prefeitura de BH. No primeiro semestre, fiscais realizaram 8 mil vistorias em passeios e geraram 4,3 mil notificações, mais de dois terços do total de notificações expedidas em todo o ano de 2011 (6,3 mil), quando houve 16 mil vistorias.
Já a quantidade de multas, aplicadas caso não se corrija o passeio em até 60 dias após a notificação, repete a média do ano passado. No primeiro semestre de 2012, foram cobradas 800 multas, média de 133,3 por mês, no valor mínimo de R$ 450,92. O Código de Posturas explica os parâmetros legais para a construção de um passeio. Apresenta, por exemplo, as medidas da faixa reservada a trânsito de pedestres, das rampas de acesso a veículos e as regras para rebaixamento de meio-fio. Estabelece que o revestimento do piso deve ser feito “de material antiderrapante, resistente e capaz de garantir a formação de uma superfície contínua, sem ressalto ou depressão”. Para atender as necessidades de deficientes físicos, os passeios devem respeitar especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas, a exemplo da exigência do piso tátil.
Fiscalização
O degrau não é o único problema daquele passeio. A poucos metros dali, no meio do caminho, formou-se um largo buraco onde as pedras da calçada em estilo português se soltaram. Alguns dos transeuntes não percebem as armadilhas a tempo e acabam desabando. No Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, referência estadual de atendimento a traumas, o número de internações motivadas por quedas da altura do próprio corpo – o tropeção – diminuiu entre janeiro e agosto de 2012, em comparação ao mesmo período do ano passado. Foram 6.670 casos, 9% a menos que os 7.325 de 2011. Porém, esse tipo de internação ainda equivale a cerca de um décimo do total de atendimentos da unidade de saúde, segundo dados da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).
Na própria área hospitalar, no Bairro Santa Efigênia, Região Centro-Sul da capital, não é difícil encontrar passeios em mau estado. Quase em frente ao Hospital João XXIII, no outro lado da Avenida Professor Alfredo Balena, a calçada diante da tradicional Escola Estadual Pedro II está cheia de buracos, alguns parcialmente preenchidos com pedras soltas. Uns andam em zigue-zague, outros esticam a perna por cima dos obstáculos. “Quase todos os dias, pessoas tropeçam, caem, se machucam”, observa José dos Santos, de 66, vigilante da escola há três anos.
Crianças
A Regional Centro-Sul informou também não saber da situação e prometeu vistoriar o local. O pedreiro Antônio Alves, de 60, anda por ali todo dia, nas horas em que leva e busca o neto em um colégio da vizinhança. “Já levei tropeção aqui, quase caí”, lembra. Já o neto, Juan Pablo de Oliveira, de 8, não teve a mesma sorte. O garoto levanta a bermuda para mostrar um arranhão ainda vermelho em um dos joelhos. “Quando meu avô não me dá a mão, eu tropeço e caio”, admite. No Hospital João XXIII, as crianças de 0 a 12 anos são as maiores vítimas de quedas da altura do próprio corpo. Em 2010, elas responderam por 24,7% das internações por esse motivo.
Os idosos também estão entre os que mais sofrem com o problema. Pessoas com idade a partir de 60 anos foram responsáveis por 14,7% desse tipo de atendimento no João XXIII, em 2010. No início do ano, a dona de casa Martha Esteves Xavier, de 76, fraturou o tornozelo esquerdo ao tropeçar em um buraco em um passeio do bairro onde mora, Jaraguá, na Pampulha. No mês passado, voltou a quebrar o mesmo tornozelo, em um buraco de outra calçada do bairro. “Não custa nada arrumar o passeio. Se você não enxerga direito ou está distraído, é perigoso, principalmente para os mais velhos”, conclui o marido de Martha, o motorista aposentado Adílio Xavier, de 84.
Como reclamar
O cidadão que constatar algum passeio irregular pode registrar denúncia ligando para a Central de Atendimento Telefônico da prefeitura (156), indo à Central de Atendimento Presencial — BH Resolve (Avenida Santos Dumont, 363, Centro) ou acessando o Sistema de Atendimento ao Cidadão disponível no site do Executivo municipal (www.portaldeservicos.pbh.gov.br).