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Estado de Minas

Estado lança 1,7 bi de litros de esgotos por dia em seus mananciais


postado em 08/07/2012 07:36 / atualizado em 08/07/2012 09:47

Clique aqui para ampliar a imagem(foto: Editoria de Artes/EM)
Clique aqui para ampliar a imagem (foto: Editoria de Artes/EM)
Governador Valadares e Congonhas – Noca não é de muitas palavras. Chega à beira do córrego preto e mal cheiroso, “lava” as mãos e atravessas em render conversa. “Tem água bem mais suja que essa, moça”, diz, ao alcançar a outra margem do Ribeirão do Onça, tributário do Rio das Velhas para onde escorrem dejetos da capital e de Contagem. O ribeirinho, morador da Região Norte de BH, é a imagem de uma Minas Gerais que deu as costas ao esgoto e relegou seus cursos d’água a poços de imundície, crente que o impasse acabaria quando o rio seguisse seu curso. Apesar de a mortandade de peixes e a inviabilidade de mananciais serem problemas reais, o estado ainda não desviou 1,7 bilhão de litros de detritos – volume informado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) – lançados diariamente rumo aos mesmos rios elençóis freáticos que fornecem água de beber aos 19,5 milhões de mineiros.

Apenas 101 dos 853 municípios em Minas tratam seus dejetos, de acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). Segundo o órgão, que fiscaliza a implantação das estações de tratamento de esgoto (ETEs), o estado tem capacidade instalada para limpar menos de 40% dos 2,3 bilhões de litros de dejetos gerados por dia. Capacidade que, inclusive, está subutilizada, diante da dificuldade de levar o esgoto à estação.

Diagnóstico do Snissobre o assunto aponta que Minas trata somente um quarto (25,9%) do volume gerado. O índice fica abaixo da média nacional de 37,8% e é o pior no Sudeste. De acordo com a Deliberação Normativa 96/06, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), municípios acima de 20 mil habitantes, que reúnem 74% da população mineira, já deveriam estar tratando seus dejetos.

O último prazo para adequação venceu em março. “O esgoto é o maior problema dos nossos rios. A matéria orgânica é alimento para bactérias, que ser e produzem e diminuem o oxigênio na água, comprometendo todo o ecossistema. Sem falar nas bactérias patogênicas, como o vibrião do cólera e a salmonela, protozoários, vermes e vírus transmissores de doenças e presentes nas fezes”, diz o professor titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais Marcos von Sperling.

Se cidades como Sete Lagoas, Sabará e mais 750 nem sequer tratam seus dejetos, outras contam com equipamentos ociosos, à mercê do vandalismo. É o que ocorre em Ribeirão das Neves, onde a ETE do Bairro Veneza, com obras paradas, já foi pichada e depredada por vândalos. Enquanto a estrutura, com inauguração prevista para o fim do ano pela Copasa, se degrada, o esgoto continua a poluir o Ribeirão das Neves, tributário do Velhas, da bacia do São Francisco. Mas é na Região Metropolitana de BH, ao longo dos ribeirões do Onça e Arrudas, que está o maior exemplo de quando um curso d’água vira canal de podridão. Na foz do Arrudas, em Sabará, na Grande BH, o caldo cinza revela a morte do curso d’água. Hoje, os únicos ao cupar o ambiente são cágados, ratos e  capivaras.“Não sei como sobrevivem”, comenta e mecânico de bicicletas Antônio José Peres, de 55 anos,quase a metade vividos no local.“

Sabará não trata o esgoto e BH diz que trata. Mas como é que a água fica desse jeito?”, questiona. Não é exclusividade da Grande  BH. Em Governador Valadares, com 263,6 mil habitantes, no Vale do Rio Doce, o esgoto denuncia uma contradição comum em Minas. O mesmo Rio Doce que abastece o município e outros, rio abaixo e acima, é o canal para onde jorram canos de descarga doméstica sem qualquer tratamento. Em Congonhas, na Região Central, o cheiro do esgoto lançado no Rio Maranhão, na Bacia do Rio Paraopeba, beira o insuportável, mas se tornou habitual para Márcio Antônio Teixeira, de 61, pescador, que assiste à cena, inconsolável. “Dói na gente ver isso. Tudo é jogado dentro do rio desde Conselheiro Lafaiete. Não pesco mais na minha terra. Chego a viajar 400 quilômetros até Três Marias”, conta.

SALTO O presidente da Feam, Ilmar Bastos Santos, ressalta que, na última década, o salto foi de 100 mil pessoas com tratamento de esgoto para 7,6 milhões, e que o estado destinará até o fim do ano R$ 2milhões apenas para a elaboração de projetos executivos de ETEs. “Autuar somente não resolve o problema, estamos buscando dar apoio técnico. Há recurso disponível, mas faltam bons projetos.” Mesmo com os investimentos, o monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) sobre Índice de Qualidade da Água (IQA), que reflete a contaminação em decorrência da matéria orgânica e fecal, apontou, na piora última década.

A ocorrência de amostras com IQA ruim passou de 17% para 21% e do IQA bom, caiu de 31% para
17%. “Isso se deve ao crescimento urbano e da população. Mas, se avaliarmos o salto do Produto Interno Bruto (PIB) e do número de habitantes, a piora não foi tão grande. Também aumentamos nossa rede de monitoramento (hoje são 543 estações para analisar quatro índices) e,à medida que se amplia, há uma mudança nos resultados”, justifica a diretora de Pesquisa, Desenvolvimento e Monitoramento das Águas, Jeane Dantas de Carvalho.

Depoimento
Velho Chico, santo Chico

RONEY GARCIA
Subeditor do Caderno Gerais

Atracado no porto de Pirapora,oGaiola solta seu grito. Não é mais o canto imponente que o Benjamin Guimarães entoava nas primeiras décadas do século 20, convidando passageiros a embarcar para uma viagem de 1.370 quilômetros rio abaixo, até Juazeiro, na Bahia. Soa como um tipo de lamento, misto de vapor e nostalgia, que a embarcação, transformada em espécie de museu flutuante, usa para avisar sobre a próxima partida, para modestos 18 quilômetros cumpridos em três horas. Pode também ser interpretada como uma dolorida homenagem ao Velho Chico, que desde a década de 1920 serve de estrada agora cada vez mais curta ao vapor construído no Mississipi (EUA) em 1913.

Testemunhei um desses passeios,em 2011.Uma experiência inesquecível, sob vários - aspectos da bem azeitada máquina a vapor que move a embarcação ao encanto que emana do São Francisco propriamente dito.Mas a parte doída da viagem não demora a se denunciar: pode ser vista bem perto, nas chaminés de fábricas que cospem fumaça,sem parar na margem direita.Anévoa que encobre o leito desafia a perícia do timoneiro:o Gaiola precisa se safar entre obstáculos naturais, como as pedras do fundo, em um leito cada vez mais raso e entulhado de sedimentos e sujeira.

O olhar que se volta para as famosas barrancas encontra manilhões vomitando sujeira nas águas, que deveriam ser sagradas como o nome que as batiza. Em alguns pontos ainda preservados são os ranchos – nome genérico que serve para designar de casebres a quase mansões – que abrigam turistas, pescadores e ligações de esgoto cujo destino não é muito difícil de imaginar.

Difícil mesmo é entender como o velho e maltratado Chico–açoitado desde a Serra da Canastra, varrido por redes e saqueado pela pesca predatória em Três Marias, agredido em todo o seu curso pelas descargas de córregos imundos – pode chegar vivo a Pirapora e ir além, transformando em mar verde-azulado o sertão da Bahia, em Sobradinho. Só há uma explicação: o rio é milagroso.Milagroso como a fama de seu patrono, protetor dos animais e padroeiro da ecologia. O que se vê em sua calha, porém, pode ser interpretado como um alerta: a capacidade mágica do velho e santo Chico tem limite. E ele parece se aproximar perigosamente.


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