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Estado de Minas

Passeios de charrete no Sul de Minas estão na berlinda por colocarem cavalos em risco

Autoridades defendem atividade como forma de geração de renda, mas 38% dos cavalos têm fadiga muscular


postado em 02/05/2012 07:02

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press. Brasil)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press. Brasil)

Poços de Caldas – Tarzan é manso, obediente e bom de serviço. Por isso, Osmar não precisa estalar o chicote no lombo do cavalo: ele puxa suavemente a corda do arreio e o trote começa, puxa de novo e o trote termina. Viçoso, há anos Tarzan leva a charrete de Osmar Francisco Franqueis, de 76 anos, pelas ruas de Poços de Caldas, no Sul de Minas. Louvada pelos profissionais como uma tradição ensinada de pai para filho há gerações, as charretes enfrentam uma ofensiva cada vez maior de defensores dos direitos dos animais. Se alguns pedem melhores condições de trabalho para os cavalos, outros gostariam de acabar com o meio de transporte.

O passeio é uma atração turística oferecida, formalmente, em pelo menos sete outros municípios do interior do estado. Na região Sul, além de Poços de Caldas, São Lourenço, Lambari, Cambuquira e Caxambu também têm como atração o tour de charrete. Em Poços de Caldas, onde há 49 charretes regularizadas, a polêmica foi reavivada em 30 de dezembro do ano passado, quando a veterinária Sheila Patresi dos Santos testemunhou e fotografou um cavalo que, após puxar uma charrete, passou mal por excesso de trabalho e desmaiou no meio da rua.

Sheila criou um abaixo-assinado na internet reivindicando novas regras para a atividade. A lei municipal n. 3.432, sancionada em 1983 e que regulamenta o serviço das charretes de aluguel, permite que um animal trabalhe 12 horas por dia, das 6h às 18h. Sheila defende o uso de três cavalos por charrete, no mesmo período. “Eles se cansariam menos”, justifica. Segundo ela, nos locais em que os bichos ficam estacionados, também deveria haver árvores de copas grandes para dar sombra e protegê-los do sol.

O abaixo-assinado feito por Sheila tem até agora 565 assinaturas, pouco em comparação às 11.216 adesões obtidas por um grupo de moradores mais radicais, que pedem à Câmara de Vereadores e à prefeitura de Poços a criação de uma lei proibindo as charretes. O documento também está disponível na internet. “Se dependesse de nós, as charretes acabariam, mas é muito difícil que isso aconteça. É uma coisa que existe há muitos anos e tem apoio total dos políticos”, reclama Vera Sacci, presidente da Associação de Amigos Protetores de Animais de Poços.

OUTRO LADO


“Não podemos simplesmente proibir”, afirma o secretário de Turismo da cidade, José Carlos Polli. Segundo ele, a proibição acarretaria um “problema social”. “Com o desemprego dos charretistas, o que será das quase 50 famílias sustentadas diretamente por esse negócio?”, questiona. Segundo ele, a charrete é uma das atrações mais procuradas pelos turistas. “Esse tipo de veículo não causa problema no trânsito e o trabalho não é pesado para o cavalo. Existe em número grande até no exterior, até em Nova York”, argumenta.

Polli ressalta que “compete à prefeitura fazer um acompanhamento permanente da saúde dos animais”. Contudo, o veterinário Rogério Blasi, coordenador da Vigilância Ambiental em Saúde da Secretaria de Saúde do município, admite que esse acompanhamento não é realizado. “Nós confiamos na boa conduta dos charreteiros. Ninguém quer ver um cavalo caído no chão”, afirma Blasi. Segundo ele, a prefeitura passará a fazer a fiscalização da saúde dos cavalos assim que entrar em vigência um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado pelo executivo municipal, a Associação dos Condutores de Veículos de Tração Animal de Poços e pela Associação de Amigos Protetores dos Animais. As reuniões para a elaboração do documento começaram há quase um ano, mas ainda não há previsão de quando as novas regras vão sair do papel.

SELO

Entre as propostas que devem fazer do TAC, está a criação de um selo assegurando que a charrete está autorizada a fazer passeios. Para obtê-lo, o charretista deve comprovar que os animais estão em condições de oferecer o serviço. Os profissionais ainda deverão portar, durante o expediente, uma carteira de identificação com dados pessoais e informações sobre o cavalo, da cor da pelagem e condição de saúde do animal, atestada por exames clínicos periódicos. Para ajudar na identificação do animal, cada cavalo terá um microchip do tamanho de um grão de arroz inserido sob sua pele.

Os exames médicos previstos pelo TAC serão feitos por uma comissão formada por profissionais da Secretaria de Saúde, da Associação de Protetores dos Animais e do curso de Medicina Veterinária do campus local da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas).

Projeto propõe criação de disque-denúncia

Para garantir que os charreteiros cumpram as regras já previstas na legislação municipal, um novo Projeto de Lei tramita na Câmara de Vereadores de Poços e sugere a criação de um disque-denúncia específico para a atividade. O texto também recomenda que a associação dos charretistas seja obrigada a contratar um veterinário. “É ele que vai responder legalmente pelos animais”, destaca o vereador Tiago Cavelagna (DEM), autor do projeto.

Elaborado após uma audiência pública , ocorrida em fevereiro, o projeto também quer alterar o artigo 12 da lei, segundo o qual as penalidades a serem impostas aos proprietários de charretes irregulares “somente terão validade após ratificação” da associação da classe. “Os órgão municipais devem ter independência para punir, sem precisar da chancela de ninguém”, opina Cavelagna.
Segundo a Associação dos Condutores de Veículos de Tração Animal, a entidade está à procura de um veterinário, mas enfrenta dificuldades. “Estamos fracos de dinheiro, mas vamos contratar. A diferença é que nós sabemos tudo na prática, já o veterinário assina o papel e dá o veredito”, diz o fiscal geral da associação, Luiz Carlos Jonas.

Ele se irrita com as críticas feitas pelos protetores dos animais: “Isso é coisa de gente desinformada que não sabe que temos nossas regras. Você vira os bichos de cabo a rabo e não acha um cavalo magrelo”.

Algumas das regras de que fala Jonas estão impressas em um papel afixado ao banco traseiro das charretes. Uma delas diz que os cavalos devem ser “bem cuidados (gordos)”. Já o charreteiro não pode “fazer uso de bebida alcoólica”, deve estar “barbeado e limpo” e manter os “arreamentos em perfeitas condições”. A charrete deve contar com três animais, que se alternam: a cada dia, trabalha um.

Enquanto isso...

Em 2011, a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), a pedido da prefeitura de Poços de Caldas, realizou um estudo que apontou que, de 70 cavalos de charreteiros analisados, 38% não tinham condições de trabalhar em razão de fadiga muscular e esquelética. Apesar desse resultado, um dos autores do levantamento, o professor Carlos Henrique Cabral, defende que os cavalos podem, sim, continuar a puxar as charretes. “O grande problema é generalizar. Há um ou outro charreteiro descuidado, mas quase todos querem o bem do animal, que é o ganha-pão deles”, alega Cabral. “Contanto que o cavalo esteja em bom estado de saúde, seja bem alimentado, descanse adequadamente, pode trabalhar na charrete sem sofrimento algum.”

Turistas são contra proibição

As charretes em Poços de Caldas oferecem 10 tipos de passeios que passam por cachoeiras e lojas de artesanato. O passeio mais barato custa R$ 25 e o mais caro, R$ 125. O jornalista Saulo Rêgo, de 80 anos, e sua mulher Neusa Augusto, turistas de São Paulo, pagaram R$ 105 em dois passeios. “Andar de charrete é muito bom. Os condutores são bastante cordiais e, além do mais, são guias turísticos que nos apresentam os lugares aonde nos levam. É um absurdo quererem acabar com as charretes”, opina. Já a assistente de contabilidade Márcia Heleno Clementino, moradora de Poços, tem dúvidas. “Elas atrapalham o trânsito e os animais são muito judiados. Imagina naquele sol quente, o cavalo levando um monte de gente. Mas há o lado positivo: é dali que os charreteiros tiram seu sustento”, acredita.


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