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Estado de Minas

Agressões e ameaças levam mulheres a abrir mão da própria identidade para fugir de companheiros

As agressões, como sofreu a procuradora assassinada, está presente em todas as classes


05/02/2012 06:44

Acúmulo de processos em BH: só em 2011 foram 30 mil pedidos de proteção no país(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.PRess)
Acúmulo de processos em BH: só em 2011 foram 30 mil pedidos de proteção no país (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.PRess)
 

O depoimento da sobrevivente é forte: “Nunca senti prazer, nem tive intenção sexual com meu marido. Fazia sexo por medo, coagida”. Ainda assim a mulher, de olhos negros, profundos, tímida e assustada, teve filhos com o homem que a ameaçava. Durante a maior parte do tempo em que esteve diante da equipe do Estado de Minas, Mariza – novo nome recebido do serviço social de proteção – manteve as mãos tensas, entre os joelhos, na sala de um edifício no Centro de Belo Horizonte. Ao mesmo tempo em que ela descrevia sua trajetória, a procuradora da Advocacia Geral da União (AGU) Ana Alice Moreira de Melo buscava medidas protetivas contra o marido, o empresário Djalma Brugnara Veloso. Não deu tempo.

O trágico desfecho do drama vivido pela bela e bem-sucedida advogada de 35 anos todos já sabem: morta, ao que tudo indica esfaqueada pelo pai de seus dois filhos, em um condomínio de luxo de Nova Lima. As duas histórias revelam que o medo não escolhe classe social para tomar o lugar do amor. Pobre, pouco estudada, Mariza, hoje abrigada em casa secreta na Região Metropolitana de BH, também sabe bem o que é dormir com o inimigo. Procuradora e dona de casa engrossam a estatística dos mais de 30 mil pedidos de proteção baseados na Lei Maria da Penha, voltada para a defesa da mulher, só no ano passado.

Segundo a Sociedade Internacional de Vitimologia, o Brasil lidera o ranking desse tipo de violência. Dados recentes apontam que 25% das brasileiras já sofreram algum tipo de agressão. Há número mais absurdo: 70% das mulheres assassinadas no país foram sacrificadas pelos próprios companheiros. Mariza buscou proteção antes de entrar para a parte mais sombria da estatística. “Eu era um objeto dele. À disposição dele, na hora que ele quisesse”, emociona-se a mulher, mãe de pequenos em calças curtas. Foram anos suportando a violência até a fuga pela vida, que a afastou também do lar e do convívio com os que ama. Opção dolorida, mas a última saída para milhares de vítimas.

O companheiro de Mariza cansou de avisar, aos berros, com a faca de cozinha na mão, como quem recita texto de ficção de Nelson Rodrigues, um dos maiores nomes da dramaturgia nacional: “No teu aniversário, te dou um caixão. Um caixão!”, repete a mulher, como a reviver a cena. Mariza não quis esperar para ver. Apavorada, fugiu com a roupa do corpo em busca da proteção do Benvinda – Centro de Apoio à Mulher. Hoje, quando deixa o abrigo, anda às escondidas em carro de chapa branca e vidros escuros. Faz parte de grupo acolhido em mais de 60 endereços sigilosos espalhados pelo país.

Gleizer Souza, de 37 anos, coordenadora da Casa Abrigo Sempre Viva, lamenta que esses refúgios sejam necessários. A psicóloga conta com tristeza caso de abrigada mandada para fora de Minas. Distante, a mulher soube que o ex-marido, para se vingar, assassinou a cunhada. Voltou, mas, por segurança , não pôde ir ao enterro da irmã. “Essas mulheres são sobreviventes”, constata. Gleizer tem experiência suficiente para confirmar que a violência doméstica está em todas as classes. Mariza, pobre, viva, escondida, e Ana Alice, morta, são as mais recentes provas disso.


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