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Estado de Minas

Serra do Curral é cercada de forma irregular

Empregados de metalúrgico que se diz dono de lotes no Comiteco descumprem ordem da PM e instalam cercas no local. Advogado contesta propriedade e diz que há invasão de área tombada


13/12/2011 06:00 - atualizado 13/12/2011 07:02

Cercas em área no Comiteco: trabalhadores dizem que plano de patrão é construir condomínio de luxo no local
Cercas em área no Comiteco: trabalhadores dizem que plano de patrão é construir condomínio de luxo no local (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
 

 

Acusados de se apropriar de 40 lotes privados ao pé da Serra do Curral e de invadir até parte da área preservada de um dos mais emblemáticos símbolos da capital mineira, um grupo de trabalhadores ergue cercas de metal em volta de um vasto terreno onde, afirmam, nascerá um condomínio de alto luxo. Aos poucos, escondidos atrás da mata de cerrado junto à linha sinuosa dos montes, na altura do valorizado Bairro Comiteco (Região Centro-Sul), eles abriram uma estrada e agora derrubam árvores, erguem mourões e telas de aço. Nessa segunda-feira, a Polícia Militar foi ao local e ordenou que as atividades cessassem, mas, assim que as viaturas deixaram o local, tudo recomeçou. O suposto dono nega as invasões, dizendo ser proprietário dos lotes há 20 anos.

A Polícia Militar já esteve três vezes no cercamento, chamada por quem briga na Justiça pela posse dos terrenos e por moradores da vizinhança, preocupados com os impactos do empreendimento e em suas rotinas e sobre a natureza. Nas três vezes em que polícia esteve no local, o capataz do terreno, que se identificou como Fabrício Bruno Braz Aguilar, de 24 anos, apresentou documentos de cartório com informações de propriedade da década de 1920 e de croquis da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) que mostram os lotes. Os documentos, contudo, não mencionam o nome do patrão de Fabrício, responsável pelo projeto do condomínio, que ele informou ser o metalúrgico João Batista da Silva, de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os papéis também não apresentam carimbo de cartório ou firma reconhecida.

Mostrar os documentos tem sido suficiente para evitar que os trabalhadores sejam detidos, já que a polícia não tem instrumentos para avaliar sua legalidade. “Meu patrão está abrindo lotes para gente rica. São 500 mil metros quadrados que vão ser usados para criar um condomínio fechado só de mansões”, afirma o capataz. “Temos todos os documentos de posse dos lotes, mas estão com o advogado, no fórum”, acrescenta.

A área em questão fica acima da Praça JK, no Sion, entre o Morro do Acaba Mundo, a Serra do Curral e as entradas das ruas Aldebaram e Monte Azul, no Comiteco. De acordo com o advogado Gustavo Tavares Simão e Silva, que cuida dos interesses de 30 pessoas que se dizem donas de 40 lotes supostamente invadidos naquele local, somando mais de 50 mil metros quadrados, os trabalhadores fixaram suas cercas e usariam documentos forjados para continuar o empreendimento. “O senhor João Batista está agindo como um grileiro: invadiu esses terrenos e espera ficar com eles por usucapião (direito que um cidadão adquire à posse de um bem móvel ou imóvel, em decorrência do uso desse bem por um determinado tempo)”, acusa. Ainda de acordo com o advogado, uma parte da Serra do Curral estaria sendo usurpada. “Os lotes dos meus clientes são os últimos antes de entrar na área protegida por lei. É como se o quintal deles fosse o limite. Como a invasão foi muito além disso, houve certamente violação da área preservada e tombada”, disse.

As chances de o empreendimento vingar, contudo, são pequenas, já que a área não comporta esse tipo de construção, segundo especialistas. De acordo com Evandro Negrão de Lima Júnior, especialista da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI), o metro quadrado no bairro custa entre R$ 700 e R$ 800, tão caro quanto nos bairros São Luiz e Bandeirantes, que margeiam a parte mais nobre da Lagoa da Pampulha. Júnior diz ainda que, devido ao zoneamento ser unifamiliar, edifícios ou condomínios fechados não podem ser feitos. “O máximo que pode ocorrer é um grupo de pessoas se unir para fechar ruas, mantendo a passagem das vias públicas acessível. Nesse caso, só poderia haver uma casa por lote”, afirma.

As telas e mourões que cercaram nessa segunda-feira uma parte do lote na Rua Aldebaram serão a conclusão de uma delimitação em forma de cerca que já foi feita ao fim da rua de baixo, a Monte Azul. Ali, uma continuação de rua foi aberta e o suposto proprietário fechou com grades e um portão de ferro o acesso á propriedade. Para proteger o terreno foram instaladas duas câmeras de vigilância ao lado de holofotes. Um cão circula solto pela propriedade e uma casa foi construída para abrigar o caseiro, Washington Luiz Cruz Soares, de 27 anos. Ele também confirma que o objetivo das cercas é demarcar um futuro condomínio de luxo.


Ação assusta vizinhos e donos de terrenos

Assustados com os rumores sobre invasões de terrenos, muitos proprietários estão procurando advogados e vigiando seus lotes. Um deles, o engenheiro Felipe Valente, de 32 anos, levou um susto quando foi nessa segunda-feira à terra que tem na Rua Monte Azul, no Comiteco, um pouco antes da área que vem sendo supostamente invadida. De acordo com ele, além do entulho atirado por construções, aterrando parte da propriedade, piquetes vem sendo fincados para demarcar possíveis invasões. “Quando vi a estaca, fiquei preocupado. Temos esse terreno há 15 anos e ele estava um pouco esquecido. Agora, vou mandar cercar tudo nessa semana ainda para que não haja mais nenhum imprevisto indesejável”, disse.

O homem que é acusado de grilar as terras da Serra do Curral e do Bairro Comiteco, João Batista da Silva, nega as acusações e diz que quem ergueu as cercas foram seus funcionários, contra a sua vontade. Por telefone, o suposto metalúrgico, que afirma ser, na verdade, ex-dono de uma fábrica de máquinas de costura, tem fala simples. “Não mandei que fizessem isso. Resolveram cercar lá por preguiça de usarem a rua de baixo, que está cheia de barro e atola os carros”, afirma. “Não invadi Serra do Curral nem terra de ninguém. Isso só está me dando dor de cabeça”, afirma.

Perguntado por que não deixa com os trabalhadores documentos onde conste que é o dono das terras, João Batista desconversa. “Quem tiver dúvida que vá ao fórum para ver. Comprei esses terrenos há 20 anos e agora resolvi mexer. Aqueles documentos que meus funcionários têm são a escritura. O que conta é a posse, que está comigo”, afirma, sem deixar que a reportagem tenha acesso aos papéis. Ele nega que tenha 500 mil metros quadrados e diz que até sexta-feira saberá dizer qual o tamanho do terreno. “Esse negócio do condomínio ainda depende de conseguir investidores para financiar as obras”, disse.

Os trabalhadores que fixavam as cercas na Rua Aldebaram, nessa segunda-feira, também exibiram ocorrências policiais que registraram pelo roubo de mourões e telas de aço de outras cercas que tentaram erguer. “Os moradores daqui estão vindo à noite e roubando tudo. Já recebi até ligações com ameaças de morte”, revela o capataz do terreno, Fabrício Aguilar.

A gerência de fiscalização ambiental da Regional Centro-Sul informou que uma equipe foi enviada nessa segunda-feira ao local para saber se há irregularidades. A Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana ainda analisa seus registros para informar se os lotes são mesmo do metalúrgico de Contagem e se há partes da Serra do Curral invadidas. O Ministério Público estadual  não encontrou nenhum processo sobre o tema movido pelos seus promotores da área de Meio Ambiente e Patrimônio Público.


SAIBA MAIS: ÁREA PROTEGIDA

A Serra do Curral é uma área de preservação ambiental entre o Parque das Mangabeiras e foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1960. Posteriormente, as colinas foram tombadas pelo patrimônio municipal. A altitude média da formação rochosa varia de 1.100 a 1.390 metros, sendo ponto culminante o Pico Belo Horizonte. A formação rochosa, que delimita Belo Horizonte e Nova Lima, é parte do maciço da Serra do Espinhaço. Faz parte de um conjunto de serras do Quadrilátero Ferrífero e possui uma grande jazida de minério de ferro. Sua vertente norte, voltada para Belo Horizonte, é que deu origem ao nome da cidade, cujo projeto urbanístico privilegiou a vista da serra a partir da Avenida Afonso Pena, principal eixo urbano da capital. A vegetação varia entre cerrado, campo rupestre e remanescentes da Mata Atlântica.
 


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