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Estado de Minas

Glamour e decadência da boêmia Lagoinha

Desbravada por italianos, área suburbana da Região Noroeste registra, há mais de 100 anos, momentos marcantes e distintos na vida de BH, preserva símbolos e clama por revitalização


03/12/2011 06:00 - atualizado 03/12/2011 07:04

(foto: Jair Amaral/EM/D.A press)

Os imigrantes italianos foram os primeiros a chegar – e, na sequência, vieram gente do interior do estado e ex-escravos de fazendas mineiras. Enquanto trabalhavam na construção da nova capital, e mesmo depois de vê-la inaugurada em 12 de dezembro de 1897, as famílias foram se estabelecendo no Bairro Lagoinha, Região Noroeste da capital. No início da ocupação, dois rios, hoje canalizados, se encontravam nessa área e formavam uma lagoa, vindo daí o nome que fez história e se tornou lenda na cidade, principalmente entre as décadas de 1930 e 1960, quando a zona boêmia se instalou e deu o que falar. Anos depois, o complexo de viadutos mudou a paisagem, casarões perderam o viço e a violência sentou praça, mas o local, resistente, guardou símbolos que ajudam a recompor a memória e a compreender melhor as nuances do tempo.

Agora, toda a trajetória da Lagoinha está sendo recuperada por estudantes do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), sob coordenação da professora, doutora em história da educação, Ana Cristina Pereira Lage. O ponto de partida para o projeto está no nascimento da instituição de ensino, cujas portas foram abertas em março de 1964, num prédio da Avenida Antônio Carlos. “Em 2014, a universidade vai completar os 50 anos. Então, nada melhor do que entendermos essa região em que estamos, seus problemas, suas comunidades, a vida dos moradores, enfim, os altos e baixos”, explica a professora. Para ampliar o raio de ação, foram incluídos na pesquisa, além da Lagoinha, os bairros Bonfim e São Cristóvão e a Pedreira Prado Lopes.

Momentos

A Lagoinha é o mais emblemático e antigo dos bairros “pericentrais” de Belo Horizonte – aqueles que surgiram fora da Avenida do Contorno, na então área suburbana da cidade, conforme o projeto da comissão construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis (1833-1936). Em mais de 100 anos, a região atravessou três momentos bem distintos e marcantes: familiar, zona boêmia e comercial. “Os pioneiros não podiam arcar com o preço das moradias no perímetro da Contorno, como faziam os funcionários públicos, então a solução foi viver do outro lado do Ribeirão Arrudas”, diz a coordenadora do projeto. Os estudantes já verificaram que os primeiros tempos não foram nada fáceis. Para se ter uma ideia, o sistema de abastecimento de água só entrou em operação em 1910, um contrassenso para uma região de nome tão simbólico.

Na década de 1930, mudanças na paisagem. A região se tornou palco da zona boêmia, atraindo prostíbulos, bares, bebedeiras sem fim, porres homéricos – vem dessa época o nome do famoso “copo lagoinha” –, cantores com seus violões e muito folclore que atravessou o século. Conta-se que até a década de 1960, quando vigoraram as leis muito próprias do desejo, as meninas de sociedade nem podiam passar pela região, então marcada pela vida airada. Na Praça Vaz de Melo, por exemplo, gente de família só circulava à luz do dia, pois, à noite, imperava a perdição (uma palavra bem retrô!). Mas, no fim das contas, esse caldeirão de comportamentos acabou fomentando a cultura da cidade e deixando um turbilhão de casos e lembranças.

Próxima da feira e da rodoviária, região se tornou um reduto de prostituição
Próxima da feira e da rodoviária, região se tornou um reduto de prostituição (foto: Coleção José Goes/APCBH)

 

Cadê a loba?

Para se ter a dimensão do lugar e entender a história, vale muito caminhar pela Rua Itapecerica, que já teve mais glamour como polo de antiquários e venda de móveis antigos, mas ainda pode ser considerada um dos ícones da região. Andando pela via pública, veem-se vestígios da passagem dos italianos pelo bairro. Para homenagear o país natal, em 1930 foi construída, com projeto dos arquitetos Otaviano Lapertosa e João Abramo, uma imponente residência, que ficou conhecida como Casa da Loba por ostentar o animal bem no alto da fachada. O bicho sumiu e, segundo vizinhos, duas águias decorativas também bateram asas; o projeto original foi todo desfigurado e o interior do prédio perdeu a forma. Um caseiro revela que os proprietários moram no Rio de Janeiro (RJ), e não permitem que a casa seja fotografada por dentro.

A Rua Além Paraíba também tem marcas do passado e os estudantes foram a campo para recuperar principalmente a memória oral, ouvindo velhos moradores. A cada olhar, a certeza de que a região foi muito maltratada pela administração pública, que transformou a Lagoinha, com obras viárias, em um corredor entre o Centro, Pampulha e Região Norte. “O nosso objetivo é promover a conscientização da conservação do bairro e preservação da memória”, diz Ana Lage.

E é na memória de muitos belo-horizontinos que ainda vive uma Lagoinha fértil em quintais, carinho dos avós e cheiro de interior. O professor de história, também doutor na disciplina, Rogério Arruda, de 44 anos, conta que nasceu no vizinho Bairro Santo André e costumava visitar sempre os avós, nos fins de semana, na Lagoinha. “Havia muita fruta no pé, o bairro da minha infância era um espaço de convívio, tinha comércio de secos e molhados. Eu vi tudo mudar”, recorda-se o professor, que estudou no Colégio São Cristóvão, conheceu o cinema que foi demolido e acompanhou as alterações viárias, que deram à região “uma cara de passagem”.

 

 

Linha do tempo

Década de 1890 –Imigrantes que vieram trabalhar na construção de BH se estabelecem na região da Lagoinha
1910 – Entra em operação o sistema de abastecimento de água na região
1930 – Floresce a zona boêmia, que tem seu auge nas décadas de 1950 e 1960
Década de 1940 – Abertura da Avenida Antônio Carlos, ligando o Centro à Pampulha
1948 – Em 1º de maio, é inaugurado o Conjunto IAPI
Década de 1980 – Prédio da Feira dos Produtores é demolido para dar lugar à estação do metrô
1996 – Criação da Área de Diretrizes Especiais (ADE) de Proteção do Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Econômico
Década de 2000 – Tombamento municipal de imóveis da Lagoinha
2004 –Começam as obras de alargamento e duplicação da Avenida Antônio Carlos, que implicou, em 2008, demolição de imóveis e fechamento de comércio


LUTA PELA PRESERVAÇÃO
Em 1996 foi criada na Lagoinha, pela prefeitura, a Área de Diretrizes Especiais (ADE) de Proteção do Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Econômico, e na década seguinte o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural Municipal fez tombamentos de imóveis, informa a diretora de Patrimônio da PBH, Michele Arroyo. O IAPI tem proteção, tendo sido tombado em 2008. A coordenação do projeto do Uni-BH quer estimular a comunidade a votar no Orçamento Participativo (OP) Digital (www.opdigital2011.pbh.gov.br) para garantir a requalificação do espaço urbano da Lagoinha.


DIVERSIDADE URBANA


CONJUNTO IAPI
Inaugurado em 1º de maio de 1948, o Conjunto IAPI (sigla de Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários) se tornou hoje Residencial São Cristóvão, no Bairro São Cristóvão. No lugar havia uma favela e, como a Avenida Antônio Carlos estava sendo implantada em substituição à Avenida Pampulha, a construção fez parte da modernização da região. As obras foram iniciadas em 1944, pelo então prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976).

RUA ITAPECERICA
Uma das principais vias públicas do Bairro Lagoinha, a Rua Itapecerica já foi importante polo de antiquários e venda de móveis antigos. Hoje, ainda abriga residências que guardam o glamour de outros tempos, como o conjunto de residências na esquina da Rua Rio Novo. Moradores e visitantes podem encontrar preciosidades em lojas de antiguidades.

PEDREIRA PRADO LOPES
O aglomerado tinha características bem diversas na época da construção de BH. Era uma fazenda pertencente a um homem chamado Prado Lopes, com uma pedreira de onde saiu material para a construção da cidade. A favelização transformou a região em foco de violência

CEMITÉRIO DO BONFIM
Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), o Cemitério do Bonfim, o primeiro da capital, foi construído dentro de uma política higienista do fim do século 19, segundo a qual os locais de sepultamento deveriam ser longe do centro urbano e do entorno das igrejas.

Fonte: Pesquisa do trabalho interdisciplinar de graduação do curso de história do Uni-BH
 


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