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Estado de Minas

Saiba quem foram os primeiros donos de BH

Bandeirante João Leite da Silva Ortiz chegou, há 310 anos, às terras que deram origem à capital, mas pioneirismo é contestado por outras versões dos primórdios de Curral del Rei


26/11/2011 06:00 - atualizado 26/11/2011 07:02

Fundação da cidade foi retratada de forma alegórica, em 1940, pelo pintor Eugênio Proença Sigaud, no quadro Abençoando a terra do bandeirante
Fundação da cidade foi retratada de forma alegórica, em 1940, pelo pintor Eugênio Proença Sigaud, no quadro Abençoando a terra do bandeirante (foto: Fotos: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
 

Na reserva técnica do Museu Histórico Abílio Barreto (MhAB) – uma sala mantida sempre na temperatura de 18 graus para preservar a pinacoteca – está um quadro de 2m x 1,37m recriando os primeiros tempos de Curral del Rei, o primitivo arraial que deu origem a Belo Horizonte. Com o porte esguio, o bandeirante paulista João Leite da Silva Ortiz contempla as montanhas ao lado de um padre, companheiros de viagem com armas, escravos carregando mantimentos e um índio. Quase todos os homens brancos estão de costas, pois, nesse momento, no alto do Serro ou Serra das Congonhas, atual Curral, parece interessar apenas a ocupação do espaço e o pioneirismo de terem chegado a uma terra que, em 1711, portanto 10 anos depois, seria concedida a Ortiz pelo rei de Portugal, em carta de sesmaria.

Os primórdios de BH, retratados de forma alegórica, em 1940, pelo pintor Eugênio Proença Sigaud, no quadro Abençoando a terra do bandeirante, estão de acordo com os estudos do jornalista e historiador Abílio Velho Barreto (1883-1959), autor de pesquisas profundas sobre a região e fundador do museu localizado no Bairro Cidade Jardim, na Região Centro-Sul. “Mas há outras versões que também devem ser levadas em consideração”, diz a historiadora e pesquisadora da instituição Célia Regina Araújo Alves, autora da dissertação de mestrado Preciosas memórias, belos fragmentos: Abílio Barreto e Raul Tassini – a ordenação do passado na formação do acervo do MhAB, na qual discorre sobre as origens de Curral del Rei.

Para o escritor Augusto de Lima Júnior (1889-1970), diz Célia Regina, a primazia de chegar à região seria do português Francisco Homem del Rei, que desembarcara na colônia em 1709, na frota do capitão-mor Luiz de Figueiredo Monterroyo, e resolvera trilhar mais tarde o caminho das Gerais em busca de ouro. Naqueles tempos, havia por aqui apenas a Fazenda do Cercado, onde hoje fica o Bairro Nova Cintra, na Região Oeste, e, sendo devoto de Nossa Senhora da Boa Viagem, Francisco se apressara em construir uma capela em devoção à santa. O templo, onde hoje está a Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem, foi construído seis quilômetros distante do Cercado.

Discussão

Na década de 1940, o médico Edelweiss Teixeira atiçava a polêmica, afirmando que Barreto, seu contemporâneo, associara a história do arraial à figura de Ortiz, por valorizar a origem nobre do paulista, e não à do marinheiro Francisco Homem del Rei, de cujo sobrenome, para especialistas, teria vindo a denominação Curral del Rei. Ele defendia a necessidade de realização de um congresso para discutir o tema. Já na década de 1980, no livro A verdade sobre a história de Belo Horizonte, Waldemar de Almeida Barbosa contestava as pesquisas de Barreto, para quem Ortiz “foi o primeiro homem civilizado que habitou o belo local onde, 196 anos depois, se instalou a capital”. Ortiz, segundo Barreto, era um paulista de alta linhagem, nascido na Vila da Ilha de São Sebastião, descendente de uma das principais famílias de São Paulo.

No livro, Waldemar criticava a divisa da Fazenda do Cerrado, descrita pelo fundador do MhAB da seguinte forma: “Começa a sua data (porção) do pé do Serro das Congonhas até Lagoinha, estrada que vai para os currais da Bahia”. Ele escreveu que “o termo ‘Lagoinha’ impressionou Barreto; ele imaginou logo tratar-se do atual bairro Lagoinha. O engano é infantil. O vocábulo Lagoinha era comuníssimo; além disso, o mais ligeiro exame da planta da capital mostra a impossibilidade de o bairro da Lagoinha ter qualquer ligação com a Sesmaria do Cercado. A Lagoinha situa-se perto do Centro da cidade e tem, separando-a dos terrenos da antiga Fazenda do Cercado, o Barro Preto e o Calafate”.

E mais escreveu Waldemar: “Se a Lagoinha fosse a divisa da Sesmaria do Cercado, o centro do Arraial de Curral del Rei, isto é, o Largo da Matriz (Catedral), estaria completamente fora dos terrenos do Cercado. Barreto não pensou bem nessa hipótese. Se a Lagoinha fosse divisa da sesmaria, o arraial estaria totalmente fora das divisas daquela fazenda”.

Origens

Trabalhando desde 1993 no museu, Célia Regina considera oportuna a discussão sobre as origens da capital, que, dentro de duas semanas, completará 114 anos. “Nessa história, fico com a versão do artista plástico e colecionador Raul Tassini, morto em 1992, que valorizava as várias origens de Belo Horizonte. É preciso destacar que, para Abílio Barreto, a história só tinha valor com documentos”, revela a pesquisadora, ao mostrar na reserva técnica outros quadros sobre Curral del Rei – Paisagem do Arraial de Belo Horizonte, de 1894, pintado por Honório Esteves, e Rua do Sabará, do mesmo ano e de autoria de Émile Rouède. A Rua do Sabará seria próxima ao Largo da Matriz.

No texto “O primeiro possuidor e povoador das terras de Belo Horizonte”, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Barreto escreveu que o bandeirante João Leite da Silva Ortiz teria ficado “impressionado pelos aspectos atraentes da Serra das Congonhas e suas encostas. Prevendo, talvez, encontrar aí boas faisqueiras e ouro, prolongou-as e, a certa altura, descobrindo bela situação com ótimas terras de cultura, boas aguadas e magníficos postos para criação, deles se apossou, fixando-se definitivamente com numerosa escravatura nesse lugar, onde estabeleceu fazenda, a que denominou Areado, parte do mesmo solo em que está assentada a cidade de Belo Horizonte (…). Certo é que, por volta de 1707, já o arraial de Curral d’El Rey existia em terras de Ortiz, onde este enriquecia, com os produtos de sua fazenda de criação, plantações e outros negócios com os mineradores”.

Na Região Leste, há uma longa estrutura de pedras que pode remeter aos primeiros tempos do arraial. Trata-se de um muro ainda desconhecido da maioria dos belo-horizontinos, mas que, pela importância, ganha atenção das autoridades. O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural Municipal abriu o processo de tombamento das chamadas “muralhas de BH”, no limite com Sabará e Nova Lima. A partir dessa medida, a equipe da diretoria de Patrimônio Cultural, da Fundação Municipal de Cultura (FMC), iniciou os estudos necessários para garantir o tombamento definitivo. A abertura do processo já representa uma salvaguarda para os vestígios arqueológicos, dizem os especialistas.


Linha do tempo

1701 –João Leite da Silva Ortiz chega à Serra das Congonhas, atual Serra do Curral
1709 – O português Francisco Homem del Rei chega à colônia e se fixa nas terras que deram origem à capital
1711 – Em 19 de janeiro, o rei de Portugal, em carta de sesmaria, concede a Ortiz o terreno da Fazenda do Cercado
1714 – Em 6 de abril, o Arraial de Curral del Rei passa a pertencer à Comarca do Rio das Velhas, mais tarde Comarca de Sabará
1723 –A Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem está pronta e Curral del Rei já é freguesia elevada a filial da paróquia de Sabará
1844 – Três companhias da Guarda Nacional, com sede na Comarca de Sabará, são criadas no Arraial de Curral del Rei
1845 – Francisco de Souza Menezes monta a primeira fundição de ferro e bronze no arraial
1867 – O norte-americano Melon, que se estabeleceu na Gameleira, traz para o arraial o primeiro arado
1890 – Em 12 de abril, Curral del Rei se torna Arraial de Belo Horizonte, pelo decreto nº 36, do presidente João Pinheiro da Silva


Saiba mais: chaves do tempo

Em outras reservas técnicas do Museu Histórico Abílio Barreto, igualmente climatizada, estão peças bem representativas do Arraial de Curral del Rei. São cadeados, um deles em forma de coração, e chaves de diversos tamanhos, as quais foram recolhidas pela comissão construtora da nova capital (foto). Outro registro que faz viajar no tempo é a maquete que fica na portaria do prédio do museu. Há o Largo da Matriz, as ruas poeirentas, as casinhas e algumas pessoas transitando. “Curral del Rei era um lugar bem pobre, onde parava o gado que vinha do Norte e Nordeste para a região das minas e se pagava o imposto para o rei, muito diferente de Sabará e Ouro Preto. Ao ver que aqui não tinha ouro, o bandeirante Ortiz tratou logo de viver da atividade agropastoril até seguir para Recife (PE), onde morreu em 9 de dezembro de 1730”, diz Regina Célia. Uma visita ao MhAB (Avenida Prudente de Morais, nº 202, no Bairro Cidade Jardim, Região Centro-Sul de BH) permite uma bela viagem sobre a história da cidade. Um dos destaques da instituição é o casarão do século 19, antiga Fazenda do Leitão, imóvel que restou do arraial.
 


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