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Estado de Minas

Em Minas, cidades pequenas sofrem com o avanço do crack


postado em 08/11/2011 06:00 / atualizado em 08/11/2011 06:29

Encontro de internos dependentes de drogas na Casa Dia, em Divinópolis: histórias de superação e solidariedade para se livrar do vício da pedra da morte(foto: Nando Oliveira/ESP EM/ D.A Press)
Encontro de internos dependentes de drogas na Casa Dia, em Divinópolis: histórias de superação e solidariedade para se livrar do vício da pedra da morte (foto: Nando Oliveira/ESP EM/ D.A Press)

Nem a pequena Serra da Saudade, no Centro-Oeste do estado, município menos populoso de Minas, está livre do crack. Segundo a Polícia Militar, a droga não é vendida na cidade de pouco mais de 800 habitantes, mas usuários vão comprá-la em municípios vizinhos. É o caso de Dores do Indaiá, de 15 mil habitantes. Traficantes da cidade usam adolescentes para vender a droga. O centro-socioeducativo mais próximo fica em Sete Lagoas, na Região Central, a 210 quilômetros. Com isso, os menores apreendidos são liberados.

Na avaliação do sargento José Mardoni Fiúza Silva, a impunidade é o grande atrativo dos traficantes, que “contratam” meninos e meninas, geralmente com cerca de 15 anos, de famílias carentes e desestruturadas, para vender pedras nos becos da cidade. “Eles ficam nas ruas, não frequentam escola e são viciados. Vendem para ganhar a droga”.

Este ano, 55 adolescentes foram apreendidos em Dores do Indaiá por envolvimento com tráfico de drogas. Na cadeia pública, dos cerca de 49 detentos, pelo menos 70% foram presos por vender drogas, principalmente crack. A agente social Cristina Camaro Araújo conta que os jovens são aliciados cada vez mais cedo. “Geralmente, são adolescentes muito carentes. Estamos tentando identificar esses menores para oferecer tratamento para eles e para as famílias, com atendimento psicológico e acompanhamento. Temos também o cntro psicossocial, que atende cerca de 40 crianças. Eles ficam no espaço no período em que não estão na escola e participam de oficinas de arte, informática e muitas outras”, explica. Ela lembra que as ruas de Dores do Indaiá já não são seguras como há alguns anos, devido ao crack. “Temos de três a quatro furtos por dia na cidade por dia, que acreditamos estar relacionados ao crack”, diz.

Com cerca de 220 mil habitantes e cidade-polo do Centro-Oeste de Minas, Divinópolis concentra os maiores problemas com o crack na região. São cerca de 12 centros de tratamentos para dependentes. Em julho, operação envolvendo Ministério Público e prefeitura, em parceria com a PM, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros, acabou com o principal local de concentração de viciados e traficantes na cidade. O “carrapateiro”, como é conhecido, era frequentado por cerca de 70 pessoas. Durante a ação, 42 usuários, entre eles três adolescentes e duas mulheres grávidas, foram levadas para uma quadra esportiva, no Bairro Niterói, onde receberam alimentação, banho e roupas novas. De lá, foram encaminhados para tratamento. Apenas sete decidiram aproveitar a oportunidade para largar a droga.

Com o “carrapateiro” fechado, os usuários escolheram outro lugar. Agora, quem vai ao estádio Waldemar Teixeira de Faria, o Farião, vê muito mais que os treinos do Guarani. A nova “boca de fumo” fica em frente ao portão que dá acesso ao campo. Segundo o secretário adjunto de Políticas Antidrogas, Adriano Siqueira, o município tem cerca de 20 vagas em centros de tratamento para viciados. Todas são ocupadas rapidamente e, por isso, a prefeitura estuda investir em mais clínicas.

Segundo a PM, este ano 422 pessoas foram detidas por vender ou consumir crack. Deste número, 106 tinham menos de 18 anos. Siqueira acredita que o crack está relacionado à violência e a mendicância. “Essas pessoas passam a morar nas ruas, mendigando ou cometendo furtos. É um problema que o Brasil inteiro enfrenta. Temos trabalhado com campanhas de conscientização e acompanhamento. Acredito que o estado precisa se envolver mais e apoiar os municípios, financeiramente principalmente”, reivindica.

Libertação e recomeço

Há dois anos, Márcio de Freitas Moreira, de 35 anos, trabalha como monitor na Casa Dia. A clínica de recuperação tem significado “libertador” para ele, que viu na experiência dos colegas e nas histórias de superação um caminho para retornar à sociedade “limpa”. Aos 15 anos ele já havia experimentado álcool e maconha. Cinco anos depois veio o crack. A partir daí, as lembranças de Moreira se resumem a sofrimento, perdas e tentativas frustradas de retomar a rotina, longe do vício: “Eu era infeliz, comigo, com minha vida. Via na droga uma forma de fugir de todos os problemas”.

Depois de perder vários empregos, ver os amigos se afastarem e a família desesperada, ele decidiu que era hora de um recomeço e procurou a Casa Dia. Agora, em vez de desespero, Moreira diz estar feliz, não apenas por dar a volta por cima, mas pela oportunidade de ajudar outras pessoas. “Foi mais uma questão de sobrevivência. Eu iria morrer se continuasse”, afirma.

Há seis meses Paulo Alberto Machado Santos, de 27 anos, segue os passos de Moreira, a fim de se livrar do crack. Ele experimentou maconha aos 12 e aos 17 já conhecia a pedra, chegou a ficar sem emprego e perder a esposa por causa do vício. “Comecei como todos. Curiosidade, amigos e festas. Logo virou compulsão. E eu comecei a faltar ao trabalho, não conseguia chegar no horário determinado e acabei ficando desempregado. Todos ao meu redor sofriam”, explica.

Emocionado, ele conta que a filha de 7 anos, que nasceu com problemas físicos e mentais, começou a falar e a andar depois que ele iniciou o tratamento. Isso fez com que Santos percebesse o quanto seu vício estava influenciando de maneira negativa a vida das pessoas à sua volta.

O coordenador da Casa Dia e presidente do Comitê Municipal Antidrogas, Rui Faria Campos, diz que o perfil do usuário mudou depois do crack. “ Hoje, quase todos os internos precisam de tratamento psiquiátrico, justamente por causa dos danos que o crack causa. Antigamente, casos assim eram raros”, lembra. Campos iniciou em julho a campanha “Viva sem crack”. Funcionários da casa vão a escolas públicas da cidade e fazem palestras para adolescentes.

Palavra de especialista

Almir Tavares, professor de psiquiatria da UFMG

Poder de destruição

“Essa droga merece atenção especial pelo seu poder de destruição. A concentração dela no sangue se faz muito rápido, o que vicia o usuário nos primeiros usos. O crack tem um impacto grande social e falta estrutura para receber este dependente nas redes de atendimento. O sistema é muito falho, há poucos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e qualidade para lá de baixa. Muitos sequer têm médicos e psiquiatras, condições mínimas de atendimento. A nível público, a situação é muito pobre e não seria difícil fazer o contrário. Faltam políticas públicas em torno disso, mais programas de prevenção e melhor atendimento aos dependentes. As famílias também precisam estar mais atentas e ter mais responsabilidades neste assunto”.


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