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Estado de Minas ROLA MOÇA E CURRAL

Expedição em serras castigadas pelos incêndios encontra áreas não tocadas pelo fogo

A natureza ainda desperta em meio às cinzas. Áreas não atingidas pelas chamas compõem o patrimônio natural, arqueológico e Paisagístico


postado em 03/10/2011 07:08 / atualizado em 03/10/2011 07:56

O Estado de Minas acompanhou a expedição SOS Serra do Curral, que começou na quarta-feira, na portaria do Rola-Moça, no Barreiro, e terminou na sexta-feira nas muralhas de pedras no alto do Curral(foto: Jackson Romanelli/EM DA Press)
O Estado de Minas acompanhou a expedição SOS Serra do Curral, que começou na quarta-feira, na portaria do Rola-Moça, no Barreiro, e terminou na sexta-feira nas muralhas de pedras no alto do Curral (foto: Jackson Romanelli/EM DA Press)
A cena inicial está bem perto do apocalipse – ou do que se pode imaginar como o fim dos tempos. Chão esturricado, troncos retorcidos, tapete de cinzas, alta temperatura e quatro gaviões voando bem alto. Mas, aos poucos, percebe-se que há vida depois da morte – pelo menos, na natureza. O verde começa a surgir, ouve-se o barulhinho bom de águas cristalinas, uma cobra aponta a cabeça e o ar se torna mais respirável. No corredor formado pelos sempre castigados Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e Serra do Curral (símbolo da capital), ainda há áreas não tocadas pelo fogo que permitem mostrar, com urgência, por que esse patrimônio natural de Belo Horizonte e cidades vizinhas precisa ser preservado. E salvo. O Estado de Minas acompanhou a expedição SOS Serra do Curral, que começou na quarta-feira, na portaria do Rola-Moça, no Barreiro, e terminou na sexta-feira nas muralhas de pedras no alto do Curral, um monumento, ao que tudo indica, do século 18. No total, foram 29 quilômetros a pé. No grupo, bióloga, técnico em meio ambiente, historiador, bombeiros e representantes de organização não governamental e muito ânimo para conhecer melhor a biodiversidade da região.

No primeiro dia, a caminhada seguiu os aceiros do parque sob administração do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Por volta das 8h, a movimentação já era grande na sede, com helicópteros decolando, militares em fila indiana para receber alimentos e brigadistas com abafadores nas mãos. Num ângulo da montanha, dava para ver um paredão de prédios ao longe, embora meio apagados pela fumaça que vem dominando, há mais de um mês, a paisagem dos mineiros, em especial dos moradores da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Passadas aceleradas e o cenário na vegetação de cerrado foi ganhando cores e vigor, num contraste surpreendente. Ficaram para trás as frutas-de-lobo queimadas e começaram a aparecer árvores mais frondosas e típicas da transição para mata atlântica. Sem o menor sinal de fogo. Mais adiante, a bióloga Ludmila Brighenti, acompanhada do técnico em meio ambiente Afonso Ribeiro, apontou, na encosta de um morro, uma grande quantidade de canelas-de-ema, símbolo do Rola-Moça e que brotavam como sobreviventes do incêndio do ano passado. “O cerrado se recupera muito rapidamente, o problema é que o fogo tem sido muito frequente”, diz Ludmila. Ela destacou a fragilidade da vegetação dos campos ferruginosos (canga de minério) típica do Quadrilátero Ferrífero.

Do outro lado do caminho, as imbaúbas, com suas folhas prateadas, imperam no meio da mata e soam como o grito de alerta a favor da proteção ambiental e contra os piromaníacos. A visão das árvores anima a equipe. Atento a todos os detalhes, o empresário e fotógrafo Cláudio Greco, da Ecoavis, ONG dedicada à questão ambiental e observação de pássaros, ficou satisfeito ao avistar trinca-ferro verdadeiro, tapaculo- de-colarinho, beija-flor-de-orelha violeta, papa-mosca-de-costa-cinzenta, gavião-carrapateiro e sabiá-do-campo. Vez por outra surgiam ninhos que, por sorte nesta temporada, escaparam das labaredas que devastaram várias unidades de conservação.

No primeiro dia, ao longo de cerca de 15 quilômetros, a pé, da portaria do Rola-Moça ao Belvedere, na Região Centro-Sul da capital, o grupo atravessou a Mata do Barreiro, áreas de captação de água da Copasa – a empresa cedeu um guia de motocicleta –, área de mineração, trecho de ferrovia desativado, a rodovia BR-040 e ruas no Belvedere até chegar perto das torres ou antenas de televisão. Em vários momentos, boas surpresas, como uma parte do caminho calçada com pedra e trechos bem arborizados. A temperatura muda, mesmo com o sol abrasador, e a natureza traz o conhecimento.

Uma pergunta surge diante das manchas brancas e vermelhas que algumas árvores apresentam no tronco. Ludmila explica que são líquens, ou algas e fungos em simbiose. “Eles são indicadores da qualidade do ar. Os líquens não resistem a locais com poluição, então isso mostra que aqui o ar é puro. Se as marcas forem vermelhas, melhora ainda”, aponta. Quando se vê alguma espiral de fumaça, distante, corta o coração pensar que viram cinzas espécies como orquídeas, bromélias, candeias, jacarandá, cedro, jequitibá, arnica e muitas canelas-de-ema, que se tonaram o símbolo do Rola-Moça.

CARTA DA SERRA

É fundamental ver que a região compreendida entre o parque estadual e a Serra do Curral tem muito mais do que nascentes, fauna e flora. Há também grutas, estrada de ferro desativada, condomínios com muros extensos, impedindo a visão da serra, e os sinais da degradação ambiental, a exemplo de lixo espalhado e montes de entulho. O coordenador da expedição, o vereador Adriano Ventura (PT) diz que a caminhada resultará na Carta da Serra do Curral, a ser entregue ao prefeito Márcio Lacerda (PSB), ao governador Antonio Anastasia (PSDB) e ao Ministério Público Estadual (MPE).

Paisagem desfigurada

Nos oito quilômetros da Serra do Curral, entre as torres de televisão e o Parque das Mangabeiras, o que mais impressionou o grupo foi a ação das mineradoras, como a Lagoa Seca, atrás da Praça JK. “Além de degradar o meio ambiente, com corte na serra, atingindo o lençol freático, tem também o problema da poluição sonora. A mineração já está de certa forma ilegal, pois já passou o período da sua atuação e a empresa está tentando renovar a licença. Além do mais, querem depois construir um conjunto de 15 torres de apartamentos no local. Isso é extremamente ilegal e imoral para a realidade da cidade”, disse Adriano Ventura.

No segundo dia de expedição, o presidente da Fundação de Parques Municipais de Belo Horizonte, Luiz Gustavo Fortini, disse que parte do terreno ao pé da serra, ao lado da mineradora Lagoa Seca, é particular. “É uma área de preservação, de influência da Serra do Curral, e não podem construir nada. “O prazo de concessão da mina está se esgotando e há uma corrente que defende a construção de uma via de trânsito ligando o Belvedere à Praça JK”, disse. Segundo ele, ter uma mineração dentro de um perímetro urbano causa outros transtornos para a população, como o transporte de material extraído.

Ao passar pelo Parque Serra do Curral, que ainda não foi aberto ao público, Luiz Gustavo disse que ainda falta terminar o processo de drenagem e contenção em algumas partes, além de melhorar a segurança para os visitantes. “Já fizemos o projeto de segurança para as pessoas nas trilhas. A licitação está prevista para ser feita até dezembro. A partir daí, a gente conclui a obra e o parque será inaugurado”, disse. Corrimãos colocados em parte da trilha foram reprovados pelos bombeiros, que recomendaram parapeitos no lugar.

O incêndio que destruiu quase que a totalidade da vegetação do Parque Serra do Curral na semana passada, deixou o lugar com um aspecto sombrio. Luiz Gustavo falou da dificuldade de combater ao fogo devido à serra íngreme, não sendo possível o uso de abafadores. Sobre o sistema de combate a incêndio mantido pela mineradora Vale na crista da serra, com 16 pontos de aspersão, mas com apenas dois canhões d’água que têm que ser mudados de local a cada momento, Luiz Gustavo informou que vão discutir com a empresa o aprimoramento do sistema.

No último incêndio no paredão da serra, moradores vizinhos disseram ter visto um grupo de adolescentes ateando o fogo de propósito, o que segundo eles comprova a falta de fiscalização. Luiz Gustavo disse que vigilantes percorrem a área, em veículos, quando há eventos. “Agora, você põe vigia na cerca toda, ou põe uma câmera de vídeo como a que a gente instalou, mas quando a pessoa está mal-intencionada, não tem jeito de você impedi-la de fazer alguma coisa. As pessoas têm que ter consciência”, disse Luiz Gustavo. “A fiscalização existe, é eficiente, mas não é infalível. No Parque das Mangabeiras a gente conseguiu conter o incêndio”, disse.


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