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Estado de Minas

Falta de mão de obra para construção de calçadas portuguesas motiva curso grátis

Entidades promovem curso de formação de calceteiros e preservam patrimônio em mais de 100 espaços


25/08/2011 07:23

Especialistas no ofícío, Milton Gonçalves Soares e Geneir Gomes Mariano mostram técnica e habilidade na criação de mosaicos coloridos nas praças e passeios de BH, garantindo por décadas o ganha-pão das famílias
Especialistas no ofícío, Milton Gonçalves Soares e Geneir Gomes Mariano mostram técnica e habilidade na criação de mosaicos coloridos nas praças e passeios de BH, garantindo por décadas o ganha-pão das famílias (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Até mesmo quando descansa, ele carrega pedra. Mas não reclama e se diz feliz com o ofício aprendido no fim da adolescência e ganha-pão da família há mais de três décadas. Geneir Gomes Mariano, de 56 anos, é calceteiro de profissão, homem cheio de técnica e habilidade que trabalha exclusivamente na construção de calçadas portuguesas. Para quem pisa sem saber onde, é bom lembrar que essas calçadas são cobertas de mosaicos nas cores preta, branca e vermelha, símbolo de história, charme e beleza. Belo Horizonte tem mais de 100 vias e espaços públicos com esse tipo de revestimento iniciado nos anos 1920, a maior parte na Região Central – o pioneiro foi o da Praça Rui Barbosa. No Centro, os tapetes ornamentais com motivos florais ou geométricos são tombados pelo município.

Geneir, no entanto, se sente quase uma espécie em extinção, pois faltam calceteiros no mercado e a procura por eles está cada vez maior. “A única exigência é que o trabalhador não pode ter problema de coluna”, brinca o morador do Vale do Jatobá, na Região do Barreiro, curvado sobre a ferramenta que assenta as pedras na obra de revitalização do entorno do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul. Para compensar a falta desses profissionais, estado, prefeitura e outras instituições se uniram para oferecer um curso de qualificação e requalificação da mão de obra, que terá como mestre o especialista português Fernando Fernandes.

O curso, grátis e com 50 vagas, 20 das quais reservadas para o Serviço Nacional de Emprego (Sine), começará na quarta-feira e irá até o dia 16, com aulas de oito horas nos dias úteis, mesclando palestras e muita prática. As inscrições estão abertas, amanhã e segunda-feira, no Sine da Rua Curitiba, 832, no Centro. Para garantir a aprendizagem bem perto da realidade, a maior parte das lições ocorrerá na calçada portuguesa em frente ao Arquivo Público Mineiro, na Avenida João Pinheiro. A empreitada é fruto da parceria entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG), vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, Secretaria de Estado do Trabalho e Emprego, Prefeitura de Belo Horizonte, via Administração Regional Centro-Sul e Fundação Municipal de Cultura, Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/seção Minas Gerais), PUC Minas e Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG).

BRASILEIRAS

Segundo a historiadora Angela Maria Ferreira, diretora de Proteção e Memória do Iepha, é fundamental manter a técnica para preservar o patrimônio e formar novos calceteiros, além de garantir emprego e renda. “O Rio de Janeiro, que tem o famoso calçadão de Copacabana recriando as ondas do mar, já promoveu uma oficina desse tipo, também com um mestre de Lisboa”, conta Angela. De portuguesas mesmo, as calçadas têm apenas o nome pois são “brasileiríssimas”, e no caso de Minas, extraídas no próprio estado.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Representantes das instituições envolvidas no curso se reuniram ontem na Cidade Administrativa para tratar dos detalhes. A gerente regional de Projetos de Requalificação Urbana da Regional Centro-Sul, arquiteta Liana Valle, afirma que há um grande acervo na capital, hoje presente também nas ruas do Bairro Belvedere III. “A técnica foi incorporada pelos modernistas e usada por Burle Marx (1909-1994) em seus projetos paisagísticos”, explica Liana, citando Recife (PE) como outra cidade onde há muitas ruas com esse tipo de revestimento. Em 2005, a Centro-Sul fez um levantamento sobre a padronização das calçadas portuguesas na área dentro da Avenida do Contorno junto com a diretoria de Patrimônio da PBH.

TÉCNICA ADEQUADA


Quem anda na Região Central de BH encontra toda sorte de desenhos nas calçadas portuguesas, mas, invariavelmente, dá de cara com falta de pedras e outras soltas, buracos e problemas que põem em risco a segurança dos pedestres, em especial os portadores de necessidades especiais. Angela diz que na maior parte isso decorre da execução com técnicas inadequadas. “Esse acervo é muito delicado, exige conservação. Não é raro vermos o mau uso desse bem público, carros estacionados sobre as calçadas, o que causa grande impacto para o piso”, acrescenta Liana Valle.

Na Praça da Liberdade, diante do prédio do Museu de Minas e do Metal, o calceteiro Geneir continua a sua tarefa bem compenetrado. “Até quando descanso, carrego pedra”, faz piada, por trabalhar sentado o tempo todo. A poucos metros está a postos Milton Gonçalves Soares, de 42, morador de Esmeraldas, na Grande BH, e há 23 anos dedicado ao ofício. “Já trabalhei em quase todas as ruas da capital e em Ipatinga, no Vale do Aço, Cabo Frio (RJ), Rio de Janeiro e outras. Para ser um bom calceteiro, é preciso experiência e força de vontade”, revela Milton, enquanto mostra todo o processo em que emprega, basicamente, areia, cimento, água e pedra, e pede uma boa vassourada no final para dar um trato no rejunte.

De olho em tudo, o encarregado de serviço Marcelo Rodrigues de Oliveira, da Retech –Serviços Especiais de Engenharia, conta que os funcionários aprimoraram a técnica com oficina dada por um especialista do ramo. “A calçada portuguesa não dá lodo, o que é uma vantagem. Agora, se soltar uma pedra, as outras vão atrás, daí a necessidade de se empregar a técnica adequada”, afirma. Num dia, o calceteiro pode fazer de 24 a 27 metros quadrados e receber até R$ 15 por metro quadrado.

Técnica chegou na década de 1920

A técnica de calçadas decorativas nasceu no tempo das cavernas, onde foram encontrados pisos feitos com conchinhas e outros materiais, explica o professor do curso de arquitetura e urbanismo da PUC Minas e representante do IAB/MG Altino Barbosa Caldeira. O tempo passou e os mosaicos foram usados na Mesopotâmia, Grécia, Império Romano e pelos árabes até chegar à Península Ibérica, onde se formaram grandes mestres em Portugal e na Espanha. Com a colonização portuguesa, a técnica se disseminou pela África, Macau (China) e Brasil. Em Belo Horizonte, a novidade chegou nas primeiras décadas do século 20 e um dos destaques da cidade é a Praça Raul Soares, de inspiração marajoara e datada dos anos 1930. Mesmo com pressa, não custa nada admirar os desenhos que enfeitam as ruas da cidade e, claro, ficar de olho nos buracos e deformações do passeio.


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