A capacidade de punição da Justiça brasileira, já tão criticada, vai ser reduzida quando entrar em vigor, em 5 de julho, o novo Código de Processo Penal. Pela Lei 12.403/11, sancionada em 4 de maio, a prisão preventiva só será decretada se o réu cometeu crime doloso, ao qual cabe com pena máxima superior a quatro anos. Em outras palavras, autores de delitos como pedofilia, porte ilegal de arma, furto, homicídio culposo, cárcere privado ou até crime de trânsito não irão para a cadeia. “Houve um exagero com as mudanças. Vai haver a legalização da impunidade”, critica o juiz da 8ª Vara Criminal do Fórum Lafayette de Belo Horizonte, Narciso Alvarenga.
Luciano Santos aponta que, com delimitação, a conduta do réu também será levada em conta, como a jurisprudência já fazia. “Vai ser decretada prisão preventiva para aquele que tumultuar o processo, como fugir ou ameaçar testemunhas. No caso da liberdade provisória, com a nova lei, surgiram as medidas cautelares. Antes não havia esse recurso. Era soltar ou prender”, diz, completando que, ainda que o crime seja grave, a Justiça vai levar em conta o comportamento do réu para conceder ou não liberdade provisória.
“Vai ser devastador para a segurança pública”, aposta José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública. Ele acrescenta que a nova lei foi sancionada como forma de esvaziar os presídios. “Em vez de se pensar em prisões, ninguém vai mais preso no Brasil. Resolveram fazer poupança à custa da nossa segurança”, critica. Segundo destaca o juiz Narciso Alvarenga, crimes que têm pena máxima menor que quatro anos, como furto e até mesmo delitos de trânsito, vão ficar na impunidade. “Sabemos que as penas máximas no país não valem de nada. A aplicação é sempre para a pena mínima . Então, o que deveria ter sido mudado era o Código Penal, em que se poderia rever as penas para determinados delitos. Da forma como foi feito, será difícil prender qualquer pessoa no país.”
A preocupação maior , segundo alerta o desembargador José Osvaldo Furtado de Mendonça, da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), é para as nove medidas cautelares que servirão como penas alternativas para o réu que não teve prisão preventiva. “Uma delas é o recolhimento domiciliar. A lei já prevê que, aquele que ficou em prisão domiciliar tem redução no tempo da pena. Se tivesse em prisão domiciliar, o criminoso Pimenta Neves já teria pago o que devia à Justiça”, compara, dizendo que a intenção para as mudanças foi boa. “Mas, essa legislação é para ser aplicada em país de primeiro mundo. Quem vai fiscalizar o réu que recebeu medidas cautelares? Quem vai fiscalizar as prisões domiciliares?
Já para o desembargador Alexandre Vítor de Carvalho, da 5ª Câmara Criminal, o princípio básico da lei é louvável. “Vamos evitar prisões preventivas desnecessárias, como forma de não gerar aumento da população carcerária. Se uma pessoa entra, na parte da manhã, em sua casa, sem arrombar a porta, retira objetos, trata-se de um furto e ele responderá em liberdade, pois não houve violência e nem ameaça. Nesse caso, a pena é menor que quatro anos. Assim, a liberdade do acusado antes da condenação continua sendo a regra do jogo.” E garante não há motivos para alarde. “O problema que vejo na lei é que ela não específica o que será feito com o réu que não cumprir as medidas cautelares, uma vez que ele não poderá ser preso. Isso dá um descrédito à lei.”
Separados
O lado bom da mudança, como aponta Narciso Alvarenga, é que não será mais permitido pôr no mesmo lugar presos condenados e provisórios. “Antes, a lei dizia que, se possível, não era para deixá-los no mesmo recinto. Agora, foi proibido definitivamente. Mas o próprio Poder Executivo pode começar a infringir a lei desde o princípio. Por isso, a esperança do Estado não é construir presídios, mas reduzir a população provisória dentro deles.” Na opinião do desembargador José Osvaldo o lado bom é a medida cautelar que prevê a internação provisória do acusado em casos inimputável e semi-imputável . “Antes só podia internar com sentença transitada e julgada.“
O advogado Luciano Santos Lopes avisa: “A sociedade de forma geral pensa como vítimas, quer a prisão e punição imediata. Estamos no Estado democrático de direito, o processo para punir uma pessoa tem fases, enquanto ele não termina não pode considerar a pessoa culpada. Todos têm o direito de defesa.”
O que diz a Lei Nº 12.403, de 4 de maio de 2011
É admitida a prisão preventiva:
Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos
Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado
Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência
Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida
Crimes para os quais não é mais admitida a prisão preventiva
Furto
Pedofilia
Aborto - quando a gestante provoca aborto. Também não terá prisão preventiva o médico que, por consentimento da mulher, fizer o aborto
Não serão presos aqueles que põem a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.
Lesão corporal leve
Crime de trânsito
Homicídio culposo (sem a intenção de matar)
Formação de quadrilha - ( desde que o bando não seja armado)
Medidas cautelares (como alternativa à prisão preventiva)
Comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades)
Proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações
Proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante
Proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução
Recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos
Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais
Internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração
Fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial
A proibição de ausentar-se do país será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 horas
