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Estado de Minas História

Desabotoando a moda

Livro lançado em Paris conta a presença desse pequeno objeto parceiro do vestuário


02/07/2023 04:00 - atualizado 01/07/2023 22:28
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Casaco da marca Céline
Casaco da marca Céline, coleção outono-inverno 2014-2015, com abotoamento assimétrico (foto: fotos: guy marineau)


Quando Jean Paul Gaultier colocou em seu desfile de primavera-verão de 2003 um terno lindo inteiramente coberto por botões de madrepérola, o livro “Dé boutonner la mode”, editado pelo Museu Les Arts Decoratifs, ainda não tinha sido lançado. Apareceu em 2015, depois de uma exposição sobre o mesmo tema, realizado pelo museu, que é dos mais importantes do mundo e fica em Paris. A direção da publicação é de Véronique Belloir e a pesquisa conta a história do botão desde os primórdios, quando foi criado. A exposição foi montada com as 3000 peças da Coleção Loïc Allio e presta homenagem a essas pequenas peças banalizadas pelo tempo e uso. Feito de pele de elefante ou miolo de pão, descobrimos no livro que tudo pode entrar em sua composição.   
 
Botões
(foto: les éditions jalou)
 
 
Pode ser feito de porcelana delicada, ser decorado pela miniatura de um cavalo ou até mesmo de uma minúscula bússola. Desde seu uso no vestuário ocidental, esquecendo sua função primordial, transforma-se em uma peça de luxo, do mesmo valor que uma joia. Em ouro, diamante e pedrarias, os conjuntos de botões preciosos participavam do brilho e pompa dos soberanos. Dos séculos 16 ao 17, os reis da França buscaram limitar seu uso. 
 
Entendidos como uma demonstração de luxo e orgulho, seu uso ostentatório se chocava igualmente com a moral religiosa. Entre os quakers e amish (seitas religiosas americanas), o botão era totalmente abolido do vestuário masculino, tanto que, no século 18, os homens deviam usar longas capas de negras, sem botões. Até que no fim do século 18 ele se tornou um objeto unicamente destinado ao vestuário masculino. As crônicas da época denunciavam essa moda tratada com “excesso levado ao rídiculo extremo”. Os botões não só haviam se tornado enormes, mas serviam de pretexto para todo tipo de exibição. Os conjuntos de 18 peças eram recobertos com quadros em miniatura sobre a vida de Paris, cenas históricas e até mesmo licenciosas.
 
Foi no início do século 19 que o botão evoluiu para a sobriedade e passou a significar um código discreto de elegância masculina. Coletes abotoados ou desabotoados, principalmente no fim de uma farta refeição, tinham seus significados. Depois disso, diante da evolução da moda, passou a fazer parte do vestuário feminino e seu uso reflete, de certa forma, o lugar das mulheres na sociedade. O botão masculino aparece também em vários textos literários da época. Balzac fala deles em “Eugénie Grandet”, contando como Charles, seu herói, havia trazido vários coletes de sua viagem a Saumur, (região do Loire,na França) de todas as cores, todos com botões de ouro.

Botões femininos Até no século 16, as roupas femininas eram fechadas com tiras de tecido. Os botões já existiam, mas eram usados como ornamento. E eram tão importantes e preciosos que, em julho de 1549, o rei Henrique IIº limitava seu uso para homens e mulheres de qualquer condição. Durante todo século 18, as mulheres ainda não faziam uso dos botões como conhecemos. Os anos 1900 são o período de transição que hesita entre a silhueta ornamentada da Bela Época e a linha mais apurada que anuncia sua chegada ao vestuário moderno. Como não se usava muita estamparia e muitos adereços, os botões serviam usados para caracterizar graficamente a silhueta e o caráter longilíneo das formas. Usava-se em profusão ao longo das costuras falsos abotoamentos ou pequenas peças em sutache.
 
Um dos grandes criadores da época, Paul Poiret usava botões para definir as linhas de suas roupas, muitas delas inspiradas pelos figurinos do balé russo, que, pela primeira vez, havia se apresentado em Paris. E foi nessa época que começaram a ser criadas as peças com galalite, uma matéria plástica formada por caseína, que era trabalhada como madeira e podia ter infinitas cores. Nos anos 1930, os botões passaram a ser usados para pontuar a simetria dos cortes, principalmente os enviesados. Eram colocados de modo estratégico sobre cortes angulosos das peças. Os vestidos criados por Madeleine Vionnet ilustram perfeitamente esse estilo. Elsa Schiaparelli chegou com novas ideias, opostas às visões minimalistas. Utilizava os botões de outras maneiras, principalmente para enfeitar vestidos para a noite.
 
Depois da Segunda Guerra Mundial, as mulheres aspiravam reencontrar uma moda feminina e petulante. Os botões passaram a ser usados então de forma maciça. Em outubro de 1950, a revista “Modes et travaux” comentou em uma matéria que o inverno tinha sido marcado pelo uso deles, grandes, pequenos, em galalite, madeira, todos os tipos de material, servindo de ponto de interesse em todas as formas, oblíquas, assimétricas, acentuando principalmente os cortes enviesados. Muito antes, no século 19, vários joalheiros famosos como Boucheron passaram a produzir botões joia, em ouro, esmalte e pedras preciosas. O interesse sobreviveu e nomes com Pablo Picasso, André Derain e Joan Miró continuaram a produzir peças para os estilistas da época,principalmente Elsa Schiaparelli. Outros costureiros, como Chanel, imprimiram um uso bem distinto das peças, marcadas como seus logotipos, história de uma época e de um uso que de utilitário pode se transformar num importante detalhe na composição de um vestuário de classe.


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