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Estado de Minas tradição

Rendendo uma história

Alguns tecidos entram para a história do vestuário, ignorando tendências e estações. a renda é um deles


25/12/2022 04:00

Catarina de Médicis
Catarina de Médicis foi quem introduziu o uso da renda na corte francesa (foto: Reprodução)

Numa apropriação romântica do assunto, sem nenhuma base real, podemos pensar que o véu que Penélope tecia enquanto esperava pela volta de Ulisses devia ser uma bela renda. Não que exista qualquer registro sobre rendas naquela época. Mas a Grécia daquele tempo atribuía uma grande importância ao corpo, e os véus e tecidos transparentes eram tidos em grande apreço, produzidos com fios finíssimos de linho.
 
Na realidade, os tecidos de gaze e musselinas constituíram, a partir daquela época, o prenúncio das futuras rendas. Mas o exagerado gosto pelas rendas que se verificou na Europa Ocidental entre os séculos 15 e 18 poderia significar que, nesse período histórico, o culto da beleza plástica das formas femininas teria atingido sua máxima expressão. No que diz respeito à Europa, não foi exatamente isso que aconteceu. A loucura pelas rendas está associada à cultura.
 
As rendas de Veneza, Alençon, Argentan, Valenciennes, Malines, Chantilly, Bruxelas, Milão, Genova etc. eram verdadeiras preciosidades, transmitidas como joas de família. A posse e exibição dessas rendas significavam um determinado status social – e poder. Por essa razão, seu culto partia dos dois centros de comando: a corte e a Igreja.
 
Esse símbolo explícito de vaidade estava associado a alguns aspectos curiosos. A Igreja era a maior consumidora de rendas, que não só enfeitavam a roupa dos bispos e padres como os altares. Os homens usavam mais rendas que as mulheres – faziam guerras recobertos de rendas, e os exércitos carregavam rendeiras para fornecer seu trabalho para a tropa. Usadas pelas mulheres, eram sinal apenas de status, uma vez que só a nobreza e a alta burguesia tinha acesso a elas.
 
A dificuldade da produção era um dos principais motivos para sua valorização. Artesanais, as rendas podem ser divididas em três grupos principais: as de agulha, executadas com agulhas de costura e um fio sobre suporte provisório de papel; a de bilros, que aprendemos a tecer com os portugueses; e o crochê. A de agulha nasceu em Veneza, no século 15, mesma época da renda de bilros, e a mais antiga referência que se conhece desse tipo de trabalho consta de uma partilha de bens realizada por família italiana, em 1493. Por isso, alguns historiadores acreditam que a de bilros é anterior à de agulha. A de bilros era produzida na Itália; a de agulha, em Veneza – que, nessa época, era uma cidade-Estado independente.
 
Seu uso foi muito difundido principalmente pelos pintores da Renascença – que chegavam ao detalhe de fornecer aos artesãos o modelo de renda que queriam pintar. Nasceu daí o primeiro livro de padrões de rendas de que se tem notícia, editado em 1528 por seu autor, Antônio Tagliante. Veneza auferiu lucros incalculáveis com a venda de rendas para o mundo.

Paris descobre a renda Catarina de Médicis foi quem introduziu o uso da renda na corte francesa – e o modismo foi tão desenfreado, que o dinheiro gasto na sua importação praticamente esvaziou os cofres da França. O baque foi tão forte que o rei promulgou um decreto que proibia seu uso. Daí para descobrir que em lugar de importar era melhor produzir foi um pulo. A ideia partiu de Colbert, ministro de Luiz XIV, que fundou, em 1665, na cidade de Alençon, as Manufaturas Reais O Ponto de França – tocadas pelas mãos de 30 rendeiras de Veneza e 200 de Flandres. Nasceu assim o ponto de Alençon, que desbancou rapidamente o ponto de Veneza. Na França de Luiz XIV, o vestuário masculino se tornou um monumento ambulante do trabalho dessas rendeiras. Os homens usavam rendas nas golas encanudadas, nos punhos, nas luvas, nos lenços e até nas botas.
 
A Revolução Francesa significou um golpe mortal para as rendas. A maior parte dos centros produtores foi fechada – e jamais reaberta, mesmo quando Napoleão Bonaparte se interessou pessoalmente pelo assunto. Outro golpe mortal para a renda ocorreu no princípio do século 19, com o aparecimento do tear mecânico e das máquinas que industrializaram o produto, tornando-o acessível a todos.
 
A renda de bilros chegou ao Brasil por meio dos portugueses e foi, durante muito tempo, ocupação dos conventos de freiras, que teciam alfaias para os altares das igrejas. Outro ponto de identificação que temos, nessa herança, é que as rendeiras daqui e de Portugal são sempre mulheres de pescadores. Não que elas sejam especialmente vocacionadas para esse tipo de trabalho, mas porque pelo litoral é que chegavam as novidades – e as rendas.
 
Nas idas e vindas das tendências da moda, a renda nunca desapareceu completamente das coleções, seja vestindo noivas e debutantes, seja detalhando modelos toaletes. A alta-costura francesa tem nesse tipo de produto um grande aliado. Na moda mineira, elas têm aparecido com frequência nos lançamentos da Printing, que só trabalha com o produto importado. Na coleção de inverno, aparecem em vestidos longos ou curtos, detalhando estilos ou criando glamour e sofisticação.


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