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Estado de Minas entrevista/Eduarda Corrêa - Arquiteta

Um caso com a arte

Arquiteta mineira celebra 25 anos de carreira com projetos e parcerias relevantes


03/10/2021 04:00 - atualizado 01/10/2021 14:45

Arquiteta mineira
Eduarda Corrêa (foto: ARQUIVO PESSOAL)

 
Eduarda Corrêa queria ser artista plástica, mas encontrou na arquitetura uma forma de canalizar sua paixão pela arte. Conhecida no meio pelo apuro dos seus projetos detalhados, ela faz parte de um grupo de profissionais que se notabilizou por ter iniciado a carreira em um período que o setor deslanchava em Belo Horizonte. O interior design, opção que abraçou, começava a ser valorizado e ela aprendeu, desde cedo, a responsabilidade de criar ambientes para seres humanos complexos habitarem, cada qual com sua história de vida e memórias. Aprendeu ainda que podia contribuir para ampliar a cultura e conhecimentos dos seus clientes no decorrer do convívio com eles. Foi durante a execução do projeto da loja da Tetum, no Bairro Sion, que ela se deparou com um grande desafio: erguer um imóvel sustentável em todos os seus processos, o que colocou a sustentabilidade na pauta do seu escritório, resultou em um importante selo internacional, a Qualificação Leed, e funcionou como uma pós-graduação completa no tema.A comemoração dos 25 anos do seu escritório aconteceu com pegada cultural. Eduarda promoveu um workshop em parceria com a Galeria Murilo de Castro, com o objetivo de alargar o horizonte dos convidados e destacar a importância da arte contemporânea no dia a dia das pessoas. 
 
Qual foi seu maior desafio em 25 anos de profissão?
Considero que o maior deles foi o projeto da loja da Tetum, no Sion. Ele recebeu a Qualificação Leed, um selo internacional que atesta que foi elaborado seguindo todas as normas de sustentabilidade exigidas. Não sabia que era algo tão complexo, tive que estudar muito e tivemos a consultoria de uma professora da Fumec, especialista no assunto. A proposta, como a que tínhamos em mente, passa por detalhes, desde a manutenção do canteiro de obras até os materiais usados, formas de aproveitamento da água, iluminação, energia. Tudo conta ponto para se obter a certificação. Foi um verdadeiro desafio diário e aprendi demais, uma verdadeira pós-graduação para mim.
 
Arquiteta mineira
Eduarda Corrêa (foto: ARQUIVO PESSOAL)
 
 
Por que resolveram investir no conceito sustentável?
Nós fizemos uma pesquisa e constatamos que, se em um primeiro momento, o projeto ficaria mais oneroso em 30%, em um segundo momento os investimentos se pagariam com as soluções propostas. O que significava economia de água, energia, além de conforto térmico, entre outras coisas. Realmente, o tempo confirmou que estávamos certos. Logo depois, o imóvel se tornou financeiramente viável, ganhou visibilidade e recebeu vários prêmios. Isto facilitou inclusive o interesse pelo aluguel posterior da loja, quando minha mãe resolveu encerrar as atividades comerciais após 30 anos no mercado.  
 
O que a levou a escolher a arquitetura?
Sempre gostei de arte, de desenho, fazia aulas na escola desde criança. Aos 15 anos, resolvi me inscrever em um curso na Escola Guignard e veio a certeza de que gostaria de ser artista plástica. Minha mãe questionou um pouco a minha opção em termos de viabilidade econômica. E resolveu me apresentar para o arquiteto Paulo Laender como exemplo de um profissional eclético, que fazia arquitetura, desenhava joias, produtos, fazia escultura, pintava. Ele era múlti e a experiência me mostrou o quanto o setor era complexo. Além do mais, com essa formação, havia a opção de partir, se eu quisesse, para o urbanismo, paisagismo, design. A experiência foi muito importante para mim e definiu minha escolha.
 
O que predomina no seu trabalho: a arquitetura de volume ou o interior design? 
A maior parte das atividades do meu escritório se concentra na arquitetura de interiores. Quando projeto residências, nesses casos as duas coisas se juntam, porque vamos cuidar também do detalhamento dos espaços internos, que é a parte de que gosto muito. Particularmente, tinha muito preconceito com essa área, quando me formei ela não era valorizada; ao contrário, era vista como algo menor. Meu pensamento mudou quando fiz um estágio com um arquiteto famoso em São Paulo, o Ricardo Julião, cujo carro-chefe do seu escritório eram construções em escalas enormes. Foi ele quem me fez ver que, à medida que esse setor avançava, criavam-se oportunidades para o design de interior. Um prédio de apartamentos oferecia várias unidades a serem trabalhadas. Ele já vislumbrava isso. A partir daí, mudei de ideia e comecei a enxergar um mercado em potencial. Quando abri meu escritório, logo depois de formada, em 1994, ele já estava configurado nesse formato.
 
Quando você começou sua carreira, como era o panorama em BH?
Havia a Fuma, que formava os profissionais em decoração; a Associação Mineira de Decoradores de Nível Superior (Amide) já existia; e as universidades que graduavam os arquitetos. As duas coisas não conviviam. Depois, com os eventos e mostras, houve um reajuste na situação e uma parceria e respeito entre as áreas. Eu me formei realmente quando estava acontecendo essa transição. Lembro-me também de que foi na época da primeira CasaCor, localizada em uma casa tombada na Avenida João Pinheiro. A partir disso, o setor evoluiu demais.
 
O fato de ser de família abastada e com bons contatos facilitou sua vida profissional?
Muito pelo contrário, acho que, de certa forma, esse fato até dificultou o meu caminho. Quando alguém pedia uma indicação, minha mãe sempre passava nomes dos profissionais que compravam na loja. Ela sempre foi muito ética. A Denise Vilela, por exemplo, que chegou a trabalhar na Tetum, era sua pupila, quem ela chamava para fazer as vitrines, montar ambientações. Fazia questão de separar as coisas.
 
Como o fato de sua mãe ter loja durante longos anos na cidade a influenciou?
Como nós tínhamos interesses em comum, sempre íamos juntas para visitar feiras, lojas, mostras de decoração. Era o momento de verificar as novidades, as tendências, trocar ideias. Mas, como disse, sempre separamos nossas funções profissionais: ela era livre para indicar quem quisesse e eu também, da minha parte, tinha liberdade de indicar as lojas que achasse convenientes e comprar onde entendesse que era melhor para meus clientes.
 
Foi seu pai, colecionador, quem lhe transmitiu o amor pela arte?
Sempre apreciei a arte, mas, quando meu pai se aposentou, ela virou um hobby que ele passou a cultivar com minha mãe. Começou a frequentar galerias, museus, bienais aqui e no exterior. E, muitas vezes, eu ia junto com eles. Certamente, isso ampliou meu olhar, foi uma complementação importante para a apreciação da arte contemporânea.
 
Você é uma estudiosa do assunto? Quais artistas estão na pauta do seu coração?
Quando você toma gosto por um assunto, começa a estudá-lo, mas me considero mais intuitiva, sigo meu coração. Tenho uma grande identidade com a arte cinética, particularmente por Abraham Palatnik e por Carlos Cruz, a quem conheci pessoalmente. Acho que suas obras têm um forte apelo estético e impactante na decoração. Gosto muito também do Yves Klein e do Anish Kapoor, esse último pela sua ligação com a arquitetura, com a escultura, com o design, com a cor. Ele é o autor da famosa escultura “O feijão”, que está em um parque público em Chicago.

Como aplica essa paixão no dia a dia dos seus clientes?
Com os clientes que tenho mais liberdade, sempre procuro dar aquela “picadinha” com a expectativa de que eles venham a considerar o assunto. Se não for essencialmente pela estética, até pelo lado do investimento.
 
Você acredita que é papel do arquiteto contribuir para a cultura deles?
Com certeza, acho que faz parte do nosso trabalho passar para o cliente a cultura e o conhecimento que a gente tem. E as pessoas só apreciam aquilo que conhecem, que tem história. Há várias opções de poltronas, mas se você fala de um móvel criado por Sérgio Rodrigues, por exemplo, quem ele foi, sua história com o modernismo brasileiro, tudo muda de figura. O workshop que fiz com o Murilo de Castro para comemorar os 25 anos do meu escritório foi nessa direção. O objetivo era atiçar o desejo e a curiosidade do leigo e acrescentar alguma coisa para quem já convive com a arte. A gente queria elevar o patamar do conhecimento artístico dos convidados e aperfeiçoar o olhar das pessoas.
 
Quais são as outras referências importantes para você?
O arquiteto brasileiro Márcio Koogan é uma influência para mim, aprecio seus volumes, os ambientes internos funcionais e a simplicidade elegante das formas. Ele usa muitos materiais naturais, como a madeira e pedras, e referências do modernismo brasileiro, como os cobogós. Começou essa história no Brasil, que se ampliou até o design de móveis. Internacionalmente, gosto muito da Zaha Hadid, uma arquiteta completa. Sempre admirei muito como ela, muçulmana e mulher, enfrentou o mundo do trabalho. Cruzei meu caminho com Zaha três vezes, a primeira delas na piscina do Fasano, onde a identifiquei numa espreguiçadeira. Chegamos até ela, que conversou comigo e meu marido um bom tempo sobre temas diversos, como Olimpíadas de Londres, mobilidade urbana na cidade, sempre simples e simpática. Depois, nos encontramos mais duas vezes.
 
Cada cliente é um cliente, mas existe algum traço sempre presente em um projeto que você assina?
Não tenho uma marca registrada, mas posso dizer que sou muito detalhista e prezo por isso desde a concepção do projeto. Penso que a casa do cliente tem que ter a cara dele e o papel do profissional é apreender seu perfil e tentar abrir sua cabeça para que o que é bacana, funcional, o que tem qualidade e valor. No final, ele sempre quer escutar a opinião do arquiteto e, quando se tem essa oportunidade, é a hora de ser sincero.
 
Quem são os grandes designers de mobiliário no Brasil, atualmente?
Gosto muito dos modernistas, Niemeyer, Sérgio Rodrigues, Zalszupin, mas o grande nome do design do momento é o Jader de Almeida, que se destaca pelo detalhe das suas formas. Gosto também do Zanini de Zanine, do Guilherme Wentz, do Aristeu Pires, da Cláudia Moreira Salles.
 
Quais os hábitos com relação ao morar foram transformados com a pandemia?
A casa nunca foi tão valorizada quanto neste período. As famílias ficaram face a face com ela, identificaram o que precisava ser reformado, consertado, ampliado. A cozinha, o home office e o home theater ganharam novo status, assim como houve a valorização das áreas gourmets e a necessidade de conviver com o verde, quer seja pelas construções em sítios e condomínios ou mesmo por meio dos jardins verticais e vasos com plantas dentro de casa. A conexão com as áreas externas se tornou muito importante.
 
Nova Lima virou o novo eixo do momento. O que significa essa ampliação?
Para nós, que trabalhamos na área, é uma grande oportunidade de trabalho. Na minha opinião, isso se deve ao fato de as construções oferecerem espaços que favorecem a liberdade, como as áreas de lazer, além de a região ficar perto dos condomínios residenciais. A arquitetura comercial também vem crescendo com a abertura de bares, restaurantes e lojas no local. Nosso setor está indo muito bem no momento em termos de demanda.
 
Na sua opinião, o que é uma casa afetiva?
Uma casa que prioriza conforto e que revela a história dos seus moradores. No meu caso, não tenho o menor preconceito de aproveitar o que é importante para o cliente, como móveis, coleções, lembranças de viagem. A orientação do profissional deve ser buscar a conexão entre essas histórias e aplicá-las da melhor forma no projeto.
 
O que você gostaria de fazer que ainda não fez como arquiteta?
Não cheguei a uma conclusão sobre isso. Gosto muito do que faço e faço com amor. Minha meta é atender bem os clientes, estar sempre me aprimorando, investir em minha equipe. Sou muito satisfeita com minha trajetória.
 
Você ganhou prêmios. Quais foram os mais importantes?
Obter a Qualificação Leed, um selo internacional, pelo projeto da Tetum (hoje Líder Interiores) foi muito importante e consistente. Mas me lembro com carinho de um outro prêmio promovido pela revista Espaço D, da Olga Krell, e que, pelo contexto, mexeu muito comigo. Era uma espécie de Oscar da decoração, com o resultado revelado na hora, a gente subia no palco para receber o troféu. Uma grande festa realizada em um local de gala, com banda de música, muito mise-en-scène. Foi uma época de muito glamour. E eu nem sabia que estava concorrendo, foi a minha equipe que enviou o projeto para o concurso. 


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