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Estado de Minas entrevista/Maria Antônia Calmon - 54 anos, Estilista

De repente, recomeçar

A estilista e empresária se reiventou às vésperas de completar 50 anos, criou uma nova marca e abriu um blog para contar as experiências da nova idade


02/05/2021 04:00

(foto: divulgação)
(foto: divulgação)


Guerreira e determinada. Assim é a estilista Maria Antônia Calmon, que desde criança definiu que seria independente aos 18 anos. Para alcançar esse objetivo começou tudo muito cedo na sua vida. Seu primeiro trabalho foi aos 15 anos, casou antes da maior idade, foi mãe cedo. Virou modelo, mas sem medo de recomeçar, decidiu estudar e se tornou estilista e fez o seu nome inovando na crianção de camisa para mulheres. Dona de uma fé inabalável em Deus, divide seu tempo entre o trabalho, o marido e, quando pode, com os netos que moram fora do país.
 

"É preciso vencer o preconceito, perder a vergonha e aprender a definir e enxergar quem é seu público, quem quer atingir"

 
 
Onde nasceu?
Nasci na Venezuela. Meu pai é venezuelano e minha mãe brasileira. Ele trabalhava com petróleo, veio ao Rio de Janeiro, e conheceu minha mãe estava de férias. Se apaixonaram. Enquanto não casou e levou minha mãe para Venezuela, não sossegou. Eu e minha irmã nascemos lá, meu irmão mais novo nasceu aqui em umas férias da família. Quando eu tinha 9 anos meus pais se separaram e viemos para o Brasil.

Como foi sua infância na Venezuela e a adaptação no Brasil?
Foi uma delícia, eu amava. Na época era um país rico, por causa do petróleo, e é lindo. Hoje a Venezuela é pobre, perigosa, cheia de violência, mas essa eu não conheci. Quando vim para cá, conheci uma outra cultura, totalmente diferente. Eu não falava nada de português. Entrei na escola e sofri bulling de cara, por não falar a língua e o pouco que eu falava tinha um sotaque carregadíssimo, e por causa do meu nome, que para os brasileiros era nome de gente velha Maria Antônia Calmon Naranjo. Tinha que falar meu nome em voz alta e de pé, era uma gozação na sala. Tive que ter muitas superações, e fui me adaptando aos poucos. Depois de quatro anos não tinha mais sotaque. Falo espanhol fluentemente, leio, escrevo. Há dois anos minhas primas vieram aqui, tinha 20 anos que não nos encontrávamos. Depois da primeira taça de vinho conversei com elas como se nunca tivesse saído de lá.

O que te marcou mais na Venezuela?
Os aniversários com as pinhatas, sempre na imagem do tema da festa. Batíamos nela, e quando quebrava caía bala, chocolate e presentes. Era uma farra. É o que substitui as lembrancinhas aqui do Brasil. No final, as crianças ficavam em uma grande roda e no meio soltavam vários pintinhos de galinha que eram pintados de cores variadas e eles saíam correndo e cada criança pegava o que ia em sua direção. Uma vez ganhei um pintinho, fiquei encantada, virou meu bichinho de estimação. Ele cresceu, virou uma galinha de estimação, e chegou o dia de vir para o Brasil e eu não podia trazê-la. Tive que dar de presente para minha madrinha. Depois fiquei sabendo que um gato comeu minha galinha. Quase morri, porque ela era como um cachorrinho, aqui. Era o meu pet.

Demorou para aprender a língua e fazer amizades?
Eu era supertímida, e para completar tinha o maior complexo, porque era estrábica e usava óculos fundo de garrafa. Em um ano já falava português. Não era paquerada na adolescência por causa dos óculos. Não abria a boca para falar porque sempre as pessoas riam de mim. Foi um processo de tempo para adaptar a isso. Mas não deixava de me aproximar das pessoas, não tinha vergonha da minha aparência.

Quando ficou livre dos óculos?
Chegou um momento que eles me incomodavam tanto, que eu tirava dentro da sala de aula para ninguém olhar para mim e rir de mim. Mas forçava muito a vista e aumentou meu estrabismo, além de me prejudicar nos estudos. Minha mãe percebeu, e na época surgiu a primeira lente de contato, aí fiquei livre de vez dele. Por causa de todo esse bulling eu ficava nervosa, e ruía as unhas, então tinha vergonha de mostrar meus dedos para as pessoas. Era uma tragédia.

Você foi modelo. Como deixou de ser o patinho feio e se transformou no cisne?
Fui patinho feio na pré-adolescência e adolescência, porque quando eu nasci era bonita. Com quatro anos já usava óculos de quatro graus. Sempre fui muito autêntica, segura de quem eu era. Sabia que aqueles óculos eram passageiros. Depois que coloquei lente, aprendi a língua, o bulling foi parando, parei de roer as unhas e fui melhorando.

O que queria ser quando crescesse?
Queria trabalhar com cinema, ser atriz de Hollywood. Já pensava grande, nada de Brasil. Desde criança eu já tinha definido que ia estudar e quando tivesse 18 anos alugaria um loft em Nova York para estudar inglês e direcionar minha carreira de atriz. Quando fui morar no Rio de Janeiro, porque tinha me tornado modelo, fiz um curso porque estavam me chamando para fazer algumas figurações e pontas em novelas. Mas quando fui fazer teatro no Tablado tomei pavor, porque não tinha nada a ver comigo. Era muita gente bicho grilo, um pessoal muito alternativo. Vi que o que me atraía era produção que eu via nas telas, mas a realidade era muito diferente. Aquela tribo não era minha.

Como você virou modelo?
Comecei a trabalhar com 15 anos, porque queria ser independente, ter meu apartamento com 18 anos, mesmo que não fosse em Nova York. Não queria depender de homem nenhum. Via muitas mulheres que não conseguiam sua liberdade porque dependiam de alguém. Meu primeiro emprego foi de vendedora na Pecado Original, do Deado. Depois ele me contratou para trabalhar na Zoomp. Nisso minha mãe começou a mexer com moda, abriu uma loja de atacado no Barro Preto, e me chamou para trabalhar com ela, como gerente. Fiz curso de vitrinista, e várias lojas da região me contrataram para fazer a vitrine deles. E comecei a fotografar nos lançamentos de coleção. Sempre gostei de fazer produção das minhas roupas, desde os três anos, sempre escolhi o que ia vestir, sabia o que queria. As pessoas ficavam impressionadas de ver uma menina de 3 anos com tanta personalidade e me chamavam para desfilar. Então, desde os três anos que desfilava e fotografava para moda na Venezuela. Quando comecei a fotografar para minha mãe, um olheiro do concurso Garota Capricho, que estava sendo promovido pelo BH Shopping, me convidou e eu fui.

Ganhou?
Fiquei em segundo lugar. Casei nova demais e tive uma filha logo que me casei. Mas essas paixões adolescentes costumam acabar rápido, com 19 anos já era mãe e divorciada. Não contei isso no concurso, mas alguém descobriu e denuncio. Eles falaram que esse não poderia ser o perfil da Garota Capricho, por isso fiquei em segundo. Depois deste concurso fio convidada para trabalhar no Rio de Janeiro.

Como foi a vida com um bebê e sozinha?
Uma loucura, porque quando separei com 18 anos não tinha terminado o segundo grau. Consequentemente não fiz faculdade, e não quis voltar para casa dos meus pais. Fiquei procurando em que poderia trabalhar, de forma que tivesse uma renda para custear moradia, filha etc. Não queria ficar longe da minha filha e nem ser sustentada pela minha mãe. Por isso me inscrevi no concurso, para abrir portas. Por isso fui ser modelo. Naquela época tinha um grande preconceito de homem só queria se divertir com moças jovens divorciadas e com filho. Essa era a fala machista dos homens da minha família, mas não deixei isso ser verdade na minha vida. Fui trabalhar como modelo, criei minha filha. Chegou um momento que percebi que a Gabriela precisava mais da minha presença, larguei a carreira de modelo e abri uma agência em Belo Horizonte. Apesar de a minha família ter uma condição muito boa, queria provar que eu conseguiria sozinha. Depois de um tempo percebi que as modelos estavam furando a agência, aí preferi fechar.

E o que fez depois disso?
Fui fazer moda na UFMG. Comprei uma loja no Shopping Del Rey, que estava abrindo, e vendia roupas e acessórios que trazia de Nova York. Depois passei a importar tecido, desenhar roupas de festas e vender na loja. Foi quando nasceu minha marca Calmoni. Mas aí os chineses chegaram com preços imbatíveis. Fui forçada a reinventar e fazer diferente. Percebi que precisava criar uma outra marca, em outro segmento. Pensei na camisaria, mas ainda era uma peça muito masculina para o vestuário feminino. Fechei a loja do shopping, dei um tempo para pensar no que realmente eu ia fazer. Enquanto não decidia, fui trabalhar como estilista free lancer em várias marcas. Trabalhei por três anos como compradora do grupo Rolla, foi um laboratório muito bom, comprava para cinco lojas. Nesse tempo conheci o Márcio, meu segundo marido.
 
E a camisaria?
Continuava na minha cabeça, queria experimentar se daria certo. Eu trabalhava na Patrícia Motta meio horário, e ela vendia camisas de uma marca chamada Cori. Eram bem masculinizadas, e apesar de vender, escutava muitas clientes reclamando que parecia camisa de homem. Sempre gostei de trabalhar com o público, porque temos o feedback direto do consumidor final. Percebi que blusa e camisa todo mundo precisa. Decidi fazer as camisas, e desenhei uns modelos diferenciados. Aluguei uma sala, contratei uma costureira e no horário que não estava trabalhando fora, produzia minhas criações. Coloquei minha marca e levei para ver se a Patrícia gostava. Ela aprovou e fez uma encomenda, mas pediu para colocar a etiqueta dela. Aceitei na hora. Foi uma das minhas primeiras clientes. Fiz tanta camisa para ela, que precisei sair da loja para dedicar apenas ao meu negócio. Ela também estava crescendo.

Ficou exclusiva?
Não, percebi que poderia desenvolver o produto e colocar etiqueta das marcas. Produzi para a Patachou, K9, Ronaldo Fraga. Fui crescendo, passei a participar de feiras e a marca ficou forte, não precisava mais colocar a etiqueta de outras marcas.

Tudo isso sozinha?
Sim, sozinha. E já estava com a marca há 14 anos. Precisava de dar mais um up grade, eu estava muito sobrecarregada, porque eu era tudo: criação, comercial, marketing, administrativo, financeiro. Era X tudo. Queria que a marca fosse realmente reconhecida, e precisava de alguém para cuidar do financeiro, que é uma área que nunca gostei. Quem cria não gosta de mexer com dinheiro, mas aprendi que quem tem seu negócio tem que entender e gostar de tudo. Foi aí que uma grande cliente minha, que tinha acabado de sair de seu trabalho, e era da área financeira, manifestou interesse em investir na marca, porque gostava da área de moda. Vendi 50% da marca para ela.

A marca cresceu?
Bastante. Fiz feiras no Brasil inteiro. Montamos estratégias para as peças aparecerem nas novelas. O produto caiu no gosto dos figurinistas da Globo. A Carminha, personagem de Adriana Esteves na novela avenida Brasil, usava todas as minhas camisas. Mas depois de três anos tive uma grande decepção comercial, parei por um tempo, e tive que recomeçar do zero novamente.

O que fez para se reerguer?
Foi um baque. Estava perto de fazer meus 50 anos, uma idade que achamos que estaremos com nosso negócio fortalecido, ou pronto para ser vendido e podermos desfrutar de todo esse trabalho, para termos uma vida mais tranquila. Afinal, passei a minha juventude trabalhando muito para chegar aonde cheguei. Infelizmente não foi o que aconteceu. Isso mexeu muito com minha autoestima. Com quase 50 anos estava sofrendo, tendo que recomeçar do zero, e sem forças para isso.

Foi aí que criou o De repente 50?
Foi. Percebi que precisava parar e reagir, dar a volta por cima. Já estava com 49 anos, quase completando os 50. Precisei fazer um trabalho de perdão para comigo mesma, dos meus vacilos, de todos as coisas que permiti que fizessem comigo. Junto com a minha fé – confio muito em Deus –, consegui resgatar minha autoestima, minha alegria, e criei o blog para compartilhar tudo isso. Descobri que muitas mulheres passam por fases semelhantes nessa idade, por motivos variados. Assim nasceu o blog, que hoje virou uma página no Instagram. Depois disso, consegui criar minha marca, a Maria Antônia Calmon, com um novo olhar da camisaria e em novo formato, vendendo no varejo. Queria um trabalho que não demandasse todo o meu tempo, afinal, tinha acabado de me tornar avó, queria curtir este momento delicioso da vida. A mulher tem que saber que, independentemente da idade, podemos entrar em um novo ciclo, se reinventar, trazer um novo olhar e ser uma nova pessoa. Foi o que ocorreu comigo. E depois disso vi que minha vida voltou a andar, evolui em todas as áreas, como pessoa, mulher, mãe, esposa, avó, profissional, como tudo.

Na última coleção você lançou outras peças além da camisa
A pandemia me forçou a isso. Tive que jogar um olhar diferenciado sobre a peça número um, que é a blusa, que mais usamos e mais precisamos. Criei sobreposições para que a mulher tivesse uma roupa confortável e elegante para estar dentro de casa. Tudo com o olhar de reaproveitar as peças em mais momentos, sem o consumismo desenfreado. É ter peças de qualidade, duráveis e versáteis, para usar em várias ocasiões. Se estiver com uma camiseta e uma calça de moletom, ou com uma bermuda, ou mesmo de biquini ou maio, joga ela por cima e estará elegante para receber alguém. Criei na pandemia porque percebi que precisava trazer mais leveza e luz para nossas vidas, essa foi a inspiração e por isso a peça é superleve. Estamos em um momento que não queremos roupa pesada, engessada.

Alguma novidade?
Sou muito apaixonada com essa coisa de trabalhar com o ser humano, de poder ajudar. Estou criando um curso de mentoria para mulheres na faixa dos 50 anos que precisam de ajuda para trabalhar com as redes sociais. Hoje, isso é parte importante da comunicação pessoal ou profissional. Com essa mudança do mercado, de tudo ter se tornado digital, é preciso saber trabalhar com isso. As redes sociais não são apenas um espaço para se exibir, tem muita gente que usa para isso, mas já está muito mais avançado, tornou uma importante ferramenta de trabalho e de comunicação, e é preciso saber usar todos seus recursos para se recolocar no mercado, lançar ou firmar sua marca, ou simplesmente ter uma voz, se fazer ouvir. É preciso vencer o preconceito, perder a vergonha e aprender a definir e enxergar quem é seu público, quem quer atingir. Não podemos ficar presos no julgamento dos outros ou no perfeccionismo que trazemos ao longo da nossa maturidade. 


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